O que precisamos saber sobre o autismo? Pessoas com o espectro explicam a condição

Neste sábado, dia 2 de abril, é comemorado o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Adaptação e inclusão são os principais questionamentos para pessoas autistas

“Autismo é um jeito diferente de ver o mundo”. É assim que a artesã Ana Karynne Magalhães, 38, define a condição pela qual foi diagnosticada há três anos, mas que pertence a ela desde que nasceu. Neste sábado, dia 2 de abril, é comemorado o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Para ampliar e intensificar o debate sobre o assunto, pessoas dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA) explicam o que é a condição.

Diagnosticada em 2019, a artesã explica que, muitas vezes, a sociedade presume que todo autismo é igual, ou que tem as mesmas características. “Na verdade não é um autismo, são vários autismos. Isso não só em relação ao autismo, mas em deficiência em geral”, disse.

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Dentre os julgamentos, ela comenta que as pessoas acham que autistas são incompetentes ou competentes demais, ou seja, um autista pode ter dificuldade ou habilidade em um processo e outro não. Segundo a artesã, os locais não estão aptos a lidar com isso porque acabam inserindo uma condição por conta do estereotipo sobre o autismo, e isso ocorre devido à falta de informação sobre o tema.

Segundo Ana Karynne, o autismo também não é apenas dificuldade em comunicação ou interação social. “Existe uma parte sensorial, a forma como a gente se sente”, disse. A regulação sensorial é a forma como ocorre o processo e reação aos estímulos recebidos através dos sentidos, que desempenham papel central no desenvolvimento cognitivo e social.

“Muitas vezes as pessoas acham que autismo é só questão de comportamento, mas é também como o nosso cérebro sente o ambiente, como ele recebe os estímulos do ambiente. E a maioria dos lugares não estão aptos a permitir para gente uma organização desses estímulos”, comenta Ana Karynne.

A artesã, que tem uma filha de 8 anos, Mariana Magalhães, também autista, relata essa dificuldade dos locais. “Alguns autistas sentem demais os sentidos, outros de menos.” Para alguns, a luz forte pode incomodar, além do barulho e do toque, por exemplo. Para cada caso, há uma forma de regular os sentidos e evitar a inquietação, que é ocasionada quando algo incomoda. “As escolas e os ambientes precisam ser mais sensorialmente confortáveis”, pontua.

“É uma forma diferente de ser diferente”

Para a professora Darlla Dalila Pontes, 35, as pessoas precisam entender, primeiramente, que os autistas crescem e que não existe nenhum autista igual ao outro. “A sociedade ainda tem a visão de que o autista é aquele que não consegue se comunicar, ou não fala, ou que na infância demorou muito a falar. Por exemplo, eu não tive atraso de fala e falo até demais, mas tenho dificuldades com outras partes da comunicação”, explica.

Segundo Darlla, para quem teve o diagnóstico tardio da condição, como ela, existe uma carga de comportamentos antes apontados, que até chegar na identificação do autismo não se sabia o porquê. “A gente passa a vida toda sendo o estranho, sendo chamado de lesada, preguiçosa. Depois que a gente consegue o diagnóstico, as pessoas falam 'você nem tem cara de autista'”, disse.

Ainda segundo a professora, há poucos profissionais capacitados para atender pessoas no espectro, principalmente quando vão em busca de um diagnóstico como foi o seu caso. Informada primeiramente sobre a condição por uma psicóloga, Darlla foi encaminhada a uma psiquiatra para ter a confirmação.

Segundo ela, a especialista disse que ela não tinha autismo porque não apresentava características, apesar de apresentar um laudo realizado com teste para a condição do TEA. “Ela leu e não acreditou, ela disse que não via caracaterísticas”, conta.

Isso acaba sendo um estereótipo feito da sociedade sobre o TEA, como que para ser autista você precisa ser uma criança e ter certos comportamentos. O diagnóstico dela veio após visita à Fundação Casa da Esperança, instituição que atende pessoas com espectro autista, em Fortaleza.

“É uma condição que faz uma parcela da população funcionar em outro ritmo”

“O autista não precisa apenas de tratamento médico. Essas pessoas também são cidadãs que precisam de emprego, de acesso à espaços públicos, que precisam ser bem recebidos em repartições públicas e privadas. É uma condição que faz uma parcela da população funcionar em situações sociais em outro ritmo e que precisam de compreensão. É uma condição que precisa de educação e compreensão do público”, diz o presidente do Conselho Estadual das Pessoas com Deficiência e professor, Lucas Sampaio, 32.

Conforme Lucas, o seu diagnóstico veio aos 27 anos. Ele conta que divide o processo em dois momentos. O impacto e o alívio. “Um alívio porque eu encontrei uma explicação para essa série de dificuldades que eu tinha a vida inteira. Passei a entender e respeitar meu próprio ritmo e a me adequar a espaços novos para me acostumar com pessoas novas. Eu aprendi a respeitar o tempo que eu preciso para processar essas novas situações sociais. Antes eu me culpava, tinha raiva de ser esquisito”, relata.

De acordo com o professor, se ver como uma pessoa do espectro só ocorreu após trabalhar com autistas. “Por pura coincidência”, ele comenta. “Eu fui me reconhecendo cada vez mais nas pessoas que eu estava atendendo. Eu sou professor de educação especial e aí teve um ponto em que eu assisti um congresso com outros autistas de baixo nível de suporte, vi casos muito parecidos com o meu e foi aí que eu pedi para fazer testes e fechei meu diagnóstico”, lembra Lucas.

Ele ainda destaca que é preciso educar as pessoas em geral para se adaptarem às pessoas do espectro. O professor comenta que um dos seus principais incômodos são barulhos de som alto, e que ele espera que a necessidade de atender aos pedidos para evitar os incômodos para pessoas do espectro não sejam entendidos como frescura. “Para receber esse tipo de pedido, tem que haver uma política de educação, uma política de conscientização para avisar que nós existimos, para avisar que esse tipo de necessidade não é leviana”, pontua.

“É um jeito diferente de existir”

A estudante Amélia Lobo, 36, diagnosticada com autismo há seis meses, conta que sempre se sentiu diferente, principalmente na forma de organizar e processar tarefas do seu cotidiano. Mas, a percepção do TEA só ocorreu após uma conversa com uma amiga autista.

“Ela falava como processava o mundo, e eu comecei a notar que eu era muito parecida. Ela falava que fazia um ritual e eu falava que também fazia esse ritual. Ela disse: 'Ah, quando alguém fala uma coisa eu tenho pensamento literal', eu falava eu também penso assim. Ela olhou pra mim e falou que achava que eu tinha autismo”, comenta a estudante.

A procura pelo diagnóstico veio em seguida. Segundo Amélia, a psiquiatra não ligou para a possibilidade de TEA. “Ela absolutamente não tinha conhecimento sobre autismo, isso é um problema. Os profissionais de saúde não são treinados para identificar ou para lidar com o autismo. Eles olham para a cara da gente e falam que a gente não tem cara de autista”, lembra.

De acordo com Amélia, foi necessário procurar a instituição que atende pessoas com espectro, Casa da Esperança, em Fortaleza, para receber o diagnóstico porque ela não aceitava a forma como a psiquiatra conversou com ela. “Foi lá que eu fiz minha avaliação e saiu meu diagnóstico. Para mim, foi uma maravilha porque eu já sabia que eu era autista. Fiquei super feliz, eu chorei de felicidade porque eu reconheci a minha experiência no mundo”, conta.

O autismo, para a estudante, é um recorte da humanidade, e há uma diversidade de pessoas com o espectro. “Estar no espectro não significa que todo autista é igual ou que todo autista vai ter as mesmas necessidades. As pessoas tendem a pensar que ser autista é ter problemas com cognição, intelectual, tem alguns autistas com essas questões, mas não são todos, e não é isso que define o autista”, explica Amélia.

Conforme o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), da Associação Americana de Psiquiatria, e a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), hoje o diagnóstico de autismo é traçado conforme o nível de gravidade – ou de necessidade de suporte. Ao todo são três níveis:

  • Nível 1: menor necessidade de apoio no dia a dia;
  • Nível 2: popularmente conhecido como autismo moderado, nesse nível a pessoa precisa de um pouco mais de apoio em sua rotina
  • Nível 3: conhecido como autismo severo, a pessoa precisa de mais apoio para as atividades da vida cotidiana.

As causas do autismo ainda são desconhecidas, e não há cura. Em Fortaleza, as três principais instituições que trabalham com pessoas dentro do espectro são: Casa da Esperança, Associação Fortaleza Azul e Associação Pintando SeTEAzul. Neste sábado, 2, algumas ações estão marcadas para o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo.

A Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB-CE organiza em Fortaleza uma "Caminhada de Conscientização sobre o Autismo", a partir das 8 horas. Também está agendado para a data o "BLUE DAY", organizado pela Associação Pintando SeTEAzul, uma tarde de pinturas no Shopping Benfica, no segundo piso, das 17 às 19 horas.

Outras ação é a "Blitz" em prol da conscientização sobre autismo a partir das 8 horas. A parada irá ocorrer no cruzamento da avenida Carapinima com Avenida 13 de Maio, ao lado do Shopping Benfica. De acordo com a Associação Pintando SeTEAzul, serão distribuídos panfletos sobre o assunto destacando a inclusão dos autistas.

Serviço

Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo

"Caminhada de Conscientização sobre o Autismo"
Quando: 2 de abril (sábado)
Saída: antigo Boteco Praia
Destino: Instalações da Praia Acessível, na Praia de Iracema
Horário: a partir das 8 horas

"BLUE DAY"
Quando: 2 de abril (sábado)
Onde: Shopping Benfica, Piso 2
Horário: 17 às 19 horas

"Blitz em prol da conscientização sobre autismo"
Quando: 2 de abril (sábado)
Onde: cruzamento da avenida Carapinima com avenida Treze de Maio, ao lado do Shopping Benfica
Horário: 8 às 10 horas

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