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Saiba como proceder em casos de violência sexual contra a mulher no Ceará

Em meio a uma cultura machista e de permissividade do corpo feminino, há desconhecimento dos direitos da mulher e falha nas legislações. O POVO reuniu informações sobre como proceder nos casos, incluindo telefones de contato e locais de assistência médica e jurídica

A retroalimentação dos ciclos de violência contra a mulher no Brasil e no Mundo persiste e traz consequências como a perduração dos casos. Em meio a uma cultura machista e de permissividade do corpo feminino, dentre as violências enquadradas está a sexual - ainda uma das mais recorrentes no Brasil e que perpassa por desconhecimento, falta de aplicação correta da legislação e ainda por um silêncio ensurdecedor.

A violência sexual é enquadrada como uma das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher pelo Artigo 7º da Lei Nº 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha. Os outros tipos de violência enquadrados na legislação são as físicas, psicológicas, patrimoniais e morais. O crime de violência sexual é entendido em algumas partes como:

- "qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força;

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- que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação;

- ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos".

A psicóloga clínica Vivianne Paixão trabalhou com mulheres em situação de vulnerabilidade social e conta que ainda não existe um espaço para a reflexão desses outros tipos de violência sexual, como o sexo forçado.

"Elas estão dentro dessa situação em que elas não reconhecem. 'Eu sou casada, então assim que meu marido quer fazer sexo na hora em que ele chega, eu tenho que fazer, porque eu passei o dia em casa'. Ela está sendo estuprada quando está fazendo isso contra a vontade dela", exemplifica.

Todas as categorias de violência contra a mulher englobam a violência de gênero, conforme explica a especialista. A sociedade no qual convivemos tem uma estruturação patriarcal, onde ainda persiste a ideia de que os homens têm direitos sobre o corpo dela, por exemplo. E esse abuso de poder acontece cada vez mais cedo e persiste pela sua vida.

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Dados da pesquisa Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em 2018, mostram que 27,4% das mulheres brasileiras com 16 anos ou mais sofreram algum tipo de violência nos últimos meses - o que corresponde a cerca de 16 milhões de brasileiras -. Dessas, um total de 4,6 milhões foram tocadas ou agredidas fisicamente por motivos sexuais: um total de 9 casos por minuto no ano.

"Na cabeça do agressor, é mais fácil lidar com uma mulher mais nova que geralmente não tem nem condições físicas e psicológicas, embora ainda assim mulheres mais velhas também se sintam nesse lugar da opressão", expõe Vivianne.

 

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A vitimização também é maior entre as mulheres pretas, que correspondem a 28,4% das vítimas nos casos analisados pelo Fórum. O sentimento de culpa é o mais recorrente entre elas. "Olhando para o perfil dessa mulher, ela é preta e a grande maioria vive em condições piores do que as mulheres brancas, devido a um problema escravocrata que nunca foi solucionado".

Outra característica da violência contra elas é o âmbito da intimidade. Dentre os agressores, um total de 76,4% são intrafamiliares, ou seja, alguém que elas conheciam: um companheiro ou namorado, vizinho ou ex-namorado ou ex-conjugue - o que dificulta as denúncias, garantidas nas leis.

O que dizem as leis e como buscar ajuda

A Lei Nº 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, engloba providências para coibir as violências, funcionando como uma "política pública" na visão de Vivianne. Além da tipificação dos casos, a legislação dispõe de medidas protetivas, atendimento e garantia total de sigilo dos dados das denúncias.

Apesar da legislação, Vivianne explica que ainda há lacunas a serem preenchidas pela lei. "O problema é a implementação, porque a gente também esbarra em esferas do poder federativo onde essa política, as vezes, não conversa", diz a especialista.

O relatório sobre vitimização realizado pelo FBSP também pontua sobre o silêncio: 52% das vítimas não fizeram nada após sofrer a violência - o mesmo resultado de 2016. Um total de 10,3% procuraram a delegacia da mulher, outros 8% procuraram uma delegacia comum, 5,5% ligou para o 190 e um total de 15% procuraram ajuda da família.

O Instituto Patrícia Galvão reuniu em um dossiê alguns dos exemplos que, por muitas vezes, impedem o devido acesso à Justiça pelas mulheres:

- duvidar de quem denuncia; infelizmente, ainda é comum a desacretização da palavra da mulher. O problema atinge um ponto em que muitas vezes a vítima é quem acaba sendo interrogada.

- colocar em foco o comportamento de quem foi vítima e não do autor; segundo o instituto, é bastante comum que a atribuição social de supostos papeis femininos e masculinos faça com que surja novamente esse questionamento, a exemplos do "qual roupa ela estava usando?" e "como ela estava se comportando?"

- falta de responsabilização do crime; as barreiras ideológicas na Justiça podem ser um momento "extremamente revitimizador para a mulher e, de um modo geral, estimular a aceitação à violência sexual", pontua.

O POVO reuniu os principais passos para a denúncia, baseados na legislação brasileira e com informações do Instituto Patrícia Galvão. Conheça seus direitos e como proceder em casos de violência sexual contra a mulher:

PASSO UM: a saúde da vítima

Em caso de estupro, a mulher não precisa dispor de um Boletim de Ocorrência (BO) para ser atendida na rede de saúde. Em Fortaleza, as unidades da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (Meac) e o Hospital Distrital Gonzaga Mota de Messejana são as portas de entrada para a vítima, conforme explica a coordenadora da Casa da Mulher Brasileira, Daciane Barreto. O equipamento atua como rede de proteção e atendimento humanizado às mulheres que foram vítimas de violência.

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As unidades de saúde, inclusive, devem obrigatoriamente informar o caso de violência ao Ministério da Saúde, de acordo com a Lei Nº 10.778. "As unidades realizam a profilaxia, pois é muito importante você respeitar o prazo de até 72 horas. Só depois a mulher deve ser encaminhada até a delegacia", explica.

O intervalo citado pela coordenadora é o tempo possível para evitar a gravidez indesejada e infecções sexualmente transmissíveis. Desde 2013, o Brasil conta com a Lei 12.845, que garante que hospitais da rede pública são obrigados a oferecer, de forma imediata, a chamada pílula do dia seguinte. A lei também garante para as vítimas de estupro o direito a diagnóstico e tratamento de lesões no aparelho genital; amparo médico, psicológico e social; realização de exame de HIV e acesso a informações sobre seus direitos legais e sobre os serviços sanitários disponíveis na rede pública.

Nos casos em que a violência sexual resulta em gravidez, a vítima tem o direito ao aborto previsto no Código Penal, no artigo 128. Foi esta legislação, inclusive, que possibilitou o procedimento da interrupção da gravidez da garota de dez anos estuprada pelo tio.

HOSPITAIS

Maternidade-Escola Assis Chateaubriand - Meac
Endereço: rua Coronel Nunes de Melo, S/N - Rodolfo Teófilo
Telefone: 3366.8579 (ambulatório de Ginecologia) / 3366.8536 ou 3366.8537 (emergência)

Hospital Distrital Gonzaga Mota de Messejana
Endereço: avenida Washington Soares, 7700 - Messejana
Telefone: 3105-1590

CASA DA MULHER BRASILEIRA
Endereço:
Rua Tabuleiro do Norte, s/n - Couto Fernandes
Telefones:
– Administrativo Casa da Mulher Brasileira (85) 3108.2992 / 3108.2931;
– Centro de referência e Atendimento a Mulher Francisca Clotilde (85) 3108. 2965;
– Centro Estadual de referência e Apoio a Mulher (85) 3108.2966;
– Defensoria Pública do Ceara (85) 3108.2986;
– Ministerio Publico do Ceara (85) 3108. 2940 / 3108.2941;
– Juizado da Violência Domestica e Familiar Contra a Mulher (85) 3108.2971;


PASSO DOIS: a denúncia

A denúncia dos casos em Fortaleza pode ser realizada na Casa da Mulher Brasileira, com atendimentos 24 horas e por todos os dias da semana, apesar de alterações devido à pandemia. A Casa abriga a Delegacia de Defesa da Mulher, Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e atendimentos do Ministério Público e Defensoria Pública.

Casa da Mulher Brasileira é um dos principais suportes no Estado
Casa da Mulher Brasileira é um dos principais suportes no Estado (Foto: Tatiana Fortes/O POVO)

 

Em 25 meses de funcionamento, um total de 65.059 atendimentos foram realizados na instituição. A coordenadora da Casa da Mulher Brasileira, Daciane Barreto, cita que o atendimento de vítimas de violência sexual ainda é um dos mais recorrentes no local. Lá a vítima passa por acolhimento, triagem e atendimento psicossocial para, em seguida, ser encaminhada aos órgãos ou serviços disponíveis especializados para coletar vestígios - como o Núcleo de Atendimento Especial à Mulher, Criança e Adolescente (Namca) da Coordenadoria de Medicina Legal (Comel) da Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce).

Em situações que envolvem mulheres, o Estado possui dez Delegacias de Defesa da Mulher (DDM) nas cidades de Fortaleza, Pacatuba, Caucaia, Maracanaú, Crato, Iguatu, Juazeiro do Norte, Icó, Sobral e Quixadá. Importante destacar que o sigilo é direito dela durante todo o procedimento, além da procedência de contar a história do caso apenas uma vez, para evitar reincidências.

ONDE DENUNCIAR

Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
Telefone: 180

Fortaleza
Delegacia de Defesa da Mulher
Endereço:
rua Teles de Sousa, s/n – Couto Fernandes,
Telefone:
3105-1590
E-mail:
ddmfortaleza@policiacivil.ce.gov.br

Pacatuba
Delegacia de Defesa da Mulher
Endereço: Avenida Marginal Nordeste, sn – Conj. Jereissati 3
Telefone: (85) 3384-5820
E-mail: ddmpacatuba@policiacivil.ce.gov.br

Caucaia
Delegacia de Defesa da Mulher
Endereço: rua Teles de Sousa, s/n – Couto Fernandes,
Telefone: 3105-1590
E-mail: ddmfortaleza@policiacivil.ce.gov.br

Maracanaú
Delegacia de Defesa da Mulher
Endereço: avenida Padre José Holanda do Vale, 1961 – Cagado
Telefone: 3371-7835
E-mail: ddmmaracanau@policiacivil.ce.gov.br

Crato
Delegacia de Defesa da Mulher
Endereço: rua Cel. Segundo, 216 – Centro
Telefone: (88) 3102-1250
E-mail: ddmcrato@policiacivil.ce.gov.brr

Iguatu
Delegacia de Defesa da Mulher
Endereço: avenida Monsenhor Coelho – São Sebastião, Iguatu
Telefone: (88) 3581-9454
E-mail: ddmfortaleza@policiacivil.ce.gov.br

Juazeiro do Norte
Delegacia de Defesa da Mulher
Endereço: Rua das Flores, s/n – Santa Tereza
Telefone: (88) 3102-1102
E-mail: ddmjuazeiro@policiacivil.ce.gov.br

Icó
Delegacia de Defesa da Mulher
Endereço: Rua Padre José Alves de , 963 – Novo Centro
Telefone: (88) 3101-7922
E-mail: ddmico@policiacivil.ce.gov.br

Sobral
Delegacia de Defesa da Mulher
Endereço: Avenida Lúcia Sabóia, 358 – Centro
Telefone: (88) 3101-7919
E-mail: ddmsobral@policiacivil.ce.gov.br

Quixadá
Delegacia de Defesa da Mulher
Endereço: Rua Vicente Albano de Sousa, 2072 – Jardim Monolitos
Telefone: (88) 3101-7918
E-mail: ddmquixada@policiacivil.ce.gov.br

 

PASSO TRÊS: o amparo

Dentre os serviços oferecidos pelo Estado, a Defensoria Pública oferta um tipo através do Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (Nudem). O setor atua majoritariamente na questão da violência doméstica e familiar, fornecendo acolhimento e apoio psicossocial com profissionais e estudantes de universidades do Estado, além de realizar o encaminhamento dos crimes.

"Nós explicamos que ela foi vítima, além de dar suporte para encaminhamentos e orientações porque as vezes elas não querem por medo de alguma represália", destaca a coordenadora do Nudem, Jeritza Lopes. "Fazermos toda essa narrativa para empoderá-las e ver como a Defensoria Pública pode ajudá-la".

Em casos de represália por parte do agressor, Jeritza informa que as denúncias podem ser encaminhadas para o endereço da Casa da Mulher Brasileira, evitando assim que o endereço da vítima seja divulgado ou exposto.

Números de atendimento do Nudem
Números de atendimento do Nudem (Foto: Defensoria Pública )

 

 

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