Entenda a polêmica envolvendo Zezé Di Camargo, o SBT e Lula

Conflito expõe a dificuldade de setores ideológicos de aceitar a lógica empresarial e institucional diante da polarização política

12:07 | Dez. 17, 2025

Por: Wilnan Custódio
Críticas de Zezé Di Camargo ao SBT repercutem nas redes (foto: Reprodução/Instagram @zezedicamargo)

O desentendimento entre Zezé Di Camargo e a família Abravanel não surgiu de forma isolada, nem pode ser explicado apenas por uma declaração polêmica nas redes sociais. O episódio expõe um conflito mais amplo entre expectativas ideológicas, interesses empresariais e a radicalização do debate político no Brasil, especialmente entre artistas ligados ao campo conservador.

No centro da controvérsia está a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no lançamento do canal SBT News, evento interpretado de maneiras opostas por diferentes públicos.

O caso e a repercussão

Para Zezé, cantor que ao longo dos últimos anos se aproximou publicamente do bolsonarismo, a participação de Lula no evento representou uma ruptura simbólica com aquilo que ele acredita ser a tradição da emissora fundada por Silvio Santos. Em vídeo publicado na madrugada de 15 de dezembro, o artista pediu que o especial de Natal dele não fosse exibido e criticou diretamente as herdeiras da emissora. “A maneira que vocês pensam, para mim, não faz sentido (...) desculpem, se prostituindo. Não faço parte disso”, afirmou o cantor.

A fala teve repercussão imediata porque, além de criticar a emissora, Zezé direcionou suas palavras a familiares de Silvio Santos, hoje responsáveis pela gestão do grupo. Em outro trecho do vídeo, ele afirmou que as filhas do ex-apresentador “pensam totalmente diferente do que o pai pensava”, sugerindo que o SBT estaria abandonando valores históricos da emissora. A declaração foi interpretada como ofensiva e misógina por parte da opinião pública e de figuras políticas.

A resposta institucional veio em forma de nota. A presidente do SBT, Daniela Abravanel Beyruti, uma das herdeiras, publicou uma carta aberta defendendo a linha editorial da emissora e o projeto do novo canal de notícias. “Somos imparciais e isentos. Cabe a nós mostrarmos os fatos, e ao público julgá-los”, afirmou. Segundo a nota, a presença de autoridades no lançamento do SBT News reflete pluralidade institucional e não alinhamento partidário.

Diante do desgaste, o SBT decidiu não exibir o especial de Natal gravado com Zezé Di Camargo, que estava previsto para ir ao ar nesta quarta-feira, dia 17 de dezembro. A emissora avaliou que o tom das declarações e a ausência inicial de retratação inviabilizavam a exibição. O especial acabou sendo engavetado, encerrando a relação entre o artista e o canal.

Após a repercussão negativa, Zezé divulgou um pedido público de desculpas à família Abravanel. Na retratação, afirmou que usou a palavra “prostituindo” em “sentido figurado”, e que não teve a intenção de ofender pessoalmente as herdeiras do SBT. Ainda assim, o gesto não foi suficiente para reverter a decisão da emissora sobre o especial natalino.

O conflito, no entanto, ultrapassou os limites da televisão. Em São José do Egito, no sertão de Pernambuco, a prefeitura cancelou um show do cantor que seria realizado na Festa de Reis de 2026. O contrato previa pagamento de cerca de R$ 500 mil, e o prefeito Fredson Brito (Republicanos) afirmou que a cidade não poderia ser envolvida em polêmicas políticas geradas por declarações individuais do artista.

Relações

Desde a fundação, o SBT construiu uma relação pragmática com o poder político no Brasil, independentemente da orientação ideológica dos governos de plantão. Silvio Santos sempre manteve diálogo institucional com presidentes de diferentes campos, tratando a política como uma dimensão estratégica para um grupo empresarial de comunicação.

Essa tradição incluiu relações cordiais com governos de direita e de esquerda, inclusive com o próprio Lula em mandatos anteriores. Para a família Abravanel, a presença do presidente no lançamento do SBT News segue uma lógica histórica: preservar interlocução com o Estado e com as instituições, sem assumir compromissos ideológicos explícitos.

Na carta divulgada após as críticas de Zezé, Daniela Abravanel reforçou esse ponto ao afirmar que o novo canal nasce com a missão de fazer jornalismo factual e plural. A nota destacou que autoridades de diferentes Poderes e espectros políticos foram convidadas justamente para simbolizar essa diversidade institucional.

O episódio, porém, evidenciou uma dificuldade crescente de parte do público em aceitar tal postura empresarial. Para setores mais radicalizados, especialmente ligados ao bolsonarismo, a neutralidade institucional passou a ser interpretada como traição ideológica, o que ajuda a explicar a reação intensa contra o SBT.