Trânsito em julgado: STF pode voltar atrás no caso Bolsonaro?

Trânsito em julgado: há chance de reviravolta para Bolsonaro no STF? Entenda

Casos de Lula e Bolsonaro mostram caminhos distintos para rever decisões e os limites impostos pelo Supremo Tribunal Federal
Atualizado às Autor Marcelo Bloc Tipo Notícia

A declaração de trânsito em julgado da condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — 27 anos e três meses de prisão por envolvimento na trama golpista — significa que a decisão se tornou definitiva no processo em que foi proferida, fechando a porta para recursos nas vias ordinárias.

Ainda assim, no sistema jurídico brasileiro, sentenças definitivas podem ser revistas em hipóteses excepcionais, sobretudo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de ações rescisórias ou mudanças de entendimento da própria Corte.

A discussão sobre essas possibilidades reacende o debate sobre os limites da “coisa julgada” e remete ao caso mais emblemático de reversão recente: a anulação das condenações do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O precedente Lula e a possibilidade de revisão

Em março de 2021, o ministro Edson Fachin anulou todas as condenações impostas a Lula no âmbito da Operação Lava Jato, decisão confirmada posteriormente pelo plenário do STF. A revisão não tratou de inocência ou de mérito, mas da incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba: entendeu-se que os casos do tríplex e do sítio de Atibaia não tinham relação direta com desvios na Petrobras, que fundamentavam a jurisdição da Lava Jato na capital paranaense.

A partir disso, os processos foram remetidos a outras jurisdições, e Lula recuperou seus direitos políticos.

A conjuntura jurídica e institucional também teve papel relevante. A Vaza Jato, série de reportagens publicadas pelo The Intercept, revelou conversas de Telegram indicando atuação coordenada entre o então juiz Sergio Moro e procuradores e fortaleceu a avaliação de que havia vícios processuais profundos, contribuindo para o alinhamento do STF em favor da anulação.

Precedente aplica-se ao caso Bolsonaro?

A situação de Bolsonaro, porém, é estruturalmente distinta. Os processos mais recentes tramitam diretamente no STF ou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), instâncias constitucionalmente competentes para julgar autoridades com foro privilegiado e para analisar crimes contra o Estado Democrático de Direito, abuso de poder político.

Enquanto Lula foi condenado por instâncias iniciais, cuja competência territorial foi questionada e derrubada, Bolsonaro é julgado pelas Cortes superiores — justamente os órgãos competentes para o tipo de conduta que lhe é atribuída. Por isso, a tese central usada no caso Lula (incompetência territorial) não encontra paralelo possível no caso Bolsonaro.

Para que houvesse uma anulação semelhante, a defesa teria de sustentar que o próprio STF ou o TSE seriam incompetentes para julgá-lo, o que não tem amparo no debate jurídico atual.

Vias possíveis de reversão

Mesmo após o trânsito em julgado, a defesa de Bolsonaro ainda dispõe de instrumentos excepcionais, embora de difícil acolhimento:

  • Ação rescisória: permite pedir a anulação de decisão definitiva, mas é admitida em hipóteses restritas e raramente prospera no STF. 
  • Mudança de entendimento do próprio Supremo: o tribunal pode, em tese, alterar sua posição sobre determinados temas e aplicar esse novo entendimento a casos já transitados em julgado. Foi assim que se formou o ambiente que permitiu revisar decisões da Lava Jato.

Essas vias existem, mas dependem de circunstâncias jurídicas e políticas específicas.

Limites recentes impostos pelo STF ao alcance das revisões

Nos últimos anos, o STF aprovou regras que restringem de maneira inédita a possibilidade de voltar atrás em decisões definitivas:

O Supremo estabeleceu que, mesmo que uma decisão definitiva seja rescindida, os efeitos retroativos não podem ultrapassar cinco anos contados do ajuizamento da ação rescisória.

  • Prazo ampliado para propor rescisória

O prazo passou a ser de dois anos a partir de um novo entendimento vinculante do tribunal — mas sempre com o limite de cinco anos para efeitos passados.

Segundo o então presidente do STF, Luís Roberto Barroso, o objetivo era evitar revisões tardias capazes de produzir “impactos deletérios”, como cobranças ou consequências retroativas que afetem a estabilidade do sistema jurídico.

Esses limites reduzem significativamente o alcance de uma possível revisão em favor de Bolsonaro.

O peso da composição do STF no médio prazo

Alterações na composição do Supremo também podem influenciar entendimentos futuros. A aposentadoria compulsória atinge, nos próximos anos, Luiz Fux (2028), Cármen Lúcia (2029) e Gilmar Mendes (2030). Além disso, renúncias antecipadas, como a de Roberto Barroso, mostram que mudanças inesperadas são possíveis.

O presidente eleito em 2026 poderá indicar três novos ministros, o que pode alterar o equilíbrio interno da Corte. Ainda assim, mudanças de composição não implicam automaticamente revisão de processos já julgados — e o tribunal hoje opera sob limites mais rígidos para reverter decisões definitivas.

Em resumo, o trânsito em julgado da condenação de Jair Bolsonaro marca o encerramento da via recursal ordinária, mas não elimina por completo a possibilidade de revisão.

Essas hipóteses, porém, são excepcionais e muito mais estreitas do que as que permitiram a anulação das condenações de Lula.

Sem um vício de competência, sem um ambiente de ruptura institucional semelhante ao da Lava Jato e diante de novas restrições impostas pelo próprio Supremo, as chances de reversão são limitadas e dependem de circunstâncias jurídicas pouco previsíveis.

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