Quais motivos explicam o 'cerco' de Trump contra Brasil e Índia

Quais motivos explicam o 'cerco' de Trump contra Brasil e Índia

Taxação contra a Índia começou a valer dia 26 deste mês e contra o Brasil no último dia 9. Movimentos de Trump contra os países tem raízes político-econômicas

É difícil entender a estratégia de Trump ao tentar constranger o BRICS. Não é segredo que, independentemente da administração à frente da Casa Branca, o governo dos Estados Unidos considera o bloco uma ameaça à hegemonia do país.

Entretanto, na gestão trumpista, analistas têm dificuldade para compreender quais resultados o presidente estadunidense acredita que pode alcançar em sua cruzada contra o bloco.

Mesmo com onze países membros e vários associados, é possível afirmar que os quatro pesos-pesados do bloco ainda são Brasil, Rússia, Índia e China, exatamente os fundadores da iniciativa. Entender essa questão é fundamental para compreender a empreitada de Trump.

Rússia e China são os líderes antiocidentais do bloco e a principal preocupação dos EUA. Já Brasil e Índia se caracterizam por uma política externa pragmática, que transita entre os interesses das potências ocidentais e do Sul Global. Todavia, a política externa do segundo mandato de Trump parece ter se cansado da postura conciliatória de Brasília e Nova Délhi, ao impor pesadas tarifas comerciais que, na prática, funcionam como sanções.

Ambos os países lideram a lista dos mais tarifados pela Casa Branca, com a taxação da Índia iniciada na última terça-feira, 26. Cada um deles desperta preocupações específicas em Washington: o Brasil é a maior potência latino-americana, e manter Brasília controlada é fundamental para assegurar a influência estadunidense sobre a região; já aproximar a Índia do lado americano da disputa geopolítica dá mais segurança para apoiá-la como contraponto à ascensão chinesa.

Para o professor de Relações Internacionais Luiz Philipe, o governo estadunidense erra ao adotar tais medidas contra a Índia. “Os Estados Unidos, tomando atitudes assim, farão com certeza que ela se afaste cada vez mais deles”, afirmou o acadêmico.

O professor lembra que cada um desses países é visto com cautela em Washington: a China pela impressionante evolução econômica, caminho agora trilhado também pela Índia; o Brasil por seu papel crucial na segurança alimentar global; e a Rússia por sua condição de superpotência militar, dona do maior arsenal nuclear do mundo.

“O Brasil, a Índia e a China tiveram crescimentos muito semelhantes. A China é muito maior que todos, em função da exploração do mercado de trabalho e da entrada de inúmeras empresas estrangeiras. A Índia, pelo seu desenvolvimento local e pela grande população, e o Brasil, que se tornou hoje o principal fornecedor de alimentos do mundo. Trump, estrategicamente, está tentando isolar os países-membros do BRICS, principalmente com a desculpa da questão da Rússia”, explicou Philipe.

O movimento de Trump, no entanto, pode sair pela culatra. Ao tentar enfraquecer o BRICS com tarifas e pressões unilaterais, os Estados Unidos correm o risco de acelerar justamente aquilo que mais temem: a aproximação estratégica entre Brasil, Índia, Rússia e China. Em vez de isolar o bloco, Washington pode estar ajudando a consolidá-lo como um contraponto cada vez mais sólido à sua hegemonia.

A taxação do Brasil

A taxação ao Brasil por parte do governo Trump não pode ser entendida apenas como uma medida econômica. Há um componente estratégico que busca conter a independência da política externa brasileira, sobretudo no governo Lula, que tem retomado posições autônomas, mas pragmáticas, frente a Washington. Nesse sentido, a imposição de tarifas funciona como um recado direto de que os Estados Unidos não aceitarão facilmente a consolidação de um Brasil mais assertivo no cenário internacional.

O Brasil, por ser a maior potência latino-americana, ocupa posição central na geopolítica do continente. Ao pressionar Brasília, Trump envia um sinal a toda a região: quem tentar se afastar da órbita americana pode ser alvo de sanções. Essa lógica, utilizada historicamente por diferentes administrações em Washington, ganha força no trumpismo, que vê no Brasil não apenas um parceiro eventual, mas uma peça-chave para manter a influência local.

Outro fator que motiva a medida é o esforço de Washington para minar o BRICS e, por consequência, conter o avanço da China e, em menor medida, da Rússia. A taxação ao Brasil, portanto, não é isolada, mas parte de uma estratégia mais ampla de enfraquecimento do bloco. Ao criar barreiras comerciais contra um dos membros fundadores, Trump tenta desestabilizar a coesão interna do grupo e testar até que ponto o governo Lula estaria disposto a resistir às pressões.

Também é possível identificar um cálculo político interno. As tarifas contra o Brasil contribuem para desgastar o governo Lula e podem abrir caminho para a eleição de um governo de direita em 2026, mais alinhado a Washington. Nesse cenário, o trumpismo trabalha com a expectativa de que um futuro governo brasileiro flexibilize posições estratégicas.

Por fim, há um componente mais pessoal de Trump, ligado à sua afinidade ideológica com Jair Bolsonaro. O julgamento do ex-presidente brasileiro repercute nos EUA, onde setores da sociedade americana enxergam com “inveja” a capacidade da Justiça brasileira de responsabilizar líderes acusados de tentar reverter a ordem democrática.

Para esses grupos, enfraquecer Lula e proteger Bolsonaro é uma forma tentar impedir que a justiça americana se inspire na brasileira para barrar Trump. Assim, a taxação ao Brasil transcende a lógica de Estado e passa a refletir também as disputas da direita radical americana.

A taxação da Índia

A taxação imposta por Trump à Índia pode refletir um cansaço crescente de Washington com a política externa pragmática do país asiático. Diferente de outros parceiros estratégicos, Nova Délhi não se alinha automaticamente às posições americanas, preferindo manter uma agenda própria que inclui a defesa do Sul Global e a busca por maior equilíbrio nas instituições multilaterais.

Apesar de não ser tão vocal quanto o Brasil, a Índia tem interesse ativo na reforma da governança global, especialmente em organismos como o Conselho de Segurança da ONU e o FMI. Essa posição aproxima o país de outras potências emergentes e reforça sua condição de ator independente. Para Washington, o protagonismo indiano nesse campo mina a estratégia de manter o país como simples contraponto à China e coloca em evidência uma agenda que foge do controle americano.

Durante anos, a Índia foi tratada pelos EUA como peça fundamental na contenção de Pequim. Entretanto, seu crescimento econômico acelerado começa a mudar a equação. Em algumas décadas, o país deve se consolidar como a terceira ou até mesmo a segunda maior economia do mundo, podendo superar os próprios Estados Unidos em determinadas áreas estratégicas. Assim, além de parceiro, a Índia passa a ser percebida também como potencial concorrente.

A reação de Nova Délhi às tarifas impostas por Trump deixou claro esse novo cenário. Poucos dias após o anúncio, o primeiro-ministro Narendra Modi telefonou para o líder chinês Xi Jinping, sinalizando uma inesperada aproximação. O gesto político, seguido da marcação de uma visita de Estado a Pequim, mostrou que a Índia dispõe de alternativas e pode usar sua posição estratégica para ampliar a margem de manobra frente a Washington.

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