Entenda impasses em torno da volta do Hospital da Polícia Militar no Ceará

Possível retorno do Hospital da PM é marcado por manifestações, além de ter sido alvo de recomendação do Ministério Público Federal em atuação conjunta com o Ministério Público do Estado do Ceará. Em medida mais recente, o Conselho Nacional de Saúde se manifestou contra à iniciativa

16:00 | Mai. 14, 2025

Por: Rogeslane Nunes
FACHADA do Hospital da Polícia Militar (foto: FERNANDA BARROS)

Em junho do último ano, o governador Elmano de Freitas (PT) divulgou em evento que o Governo do Estado estava negociando para que o Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar (HMJMA), em Fortaleza, voltasse a ser o Hospital da Polícia Militar do Ceará (PMCE).

À época, o diálogo com a Secretaria de Saúde estadual (Sesa) havia sido iniciado. O anúncio foi realizado em evento no dia 28 de junho de 2024, momento em que o petista empossou 423 policiais militares na corporação.

De lá para cá, o impasse foi marcado por manifestações de funcionários da instituição, além de ter sido alvo de recomendação do Ministério Público Federal (MPF) em atuação conjunta com o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). Em medida mais recente, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) se manifestou contra à iniciativa.

Fundado em 1939 como Hospital Central da PMCE, o local prestava atendimento exclusivo a militares até 2011, quando foi integrado à rede do Sistema Único de Saúde (SUS) durante a gestão do ex-governador Cid Gomes (PSB).

Em meio a questionamentos sobre como a mudança poderia afetar o Sistema Único de Saúde, o governador do Ceará chegou a reforçar, em entrevista à rádio O POVO CBN no dia 30 de julho do último ano que os pacientes não seriam afetados.

Ainda sobre restringir os atendimentos apenas para os agentes de segurança, Elmano disse: "[Os agentes] Devem ter o reconhecimento da nossa parte. Eles têm, do governador, o absoluto reconhecimento ao devolver essa instituição, o HPM. Isso conjugado com o fortalecimento do Sistema de Saúde Único do Estado do Ceará".

Na ocasião, o governador chegou a afirmar que os pacientes seriam realocados para outras unidades, como o Hospital Universitário do Ceará (HUC), que veio a ser inaugurado em 19 de março de 2025.

As falas do chefe do Executivo estadual ocorreram após pacientes e funcionários do HMJMA realizarem protesto na frente do Hospital e defenderem que as mudanças não seriam benéficas, visto que poderiam sobrecarregar a rede hospitalar do Estado e que essas pessoas transferidas ficariam em filas de espera.

Divergências

Nessa terça-feira, 13, o governador Elmano enviou à Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) uma mensagem propondo a transferência da administração do Hospital e Maternidade José Martiniano da Sesa para a Polícia Militar do Ceará (PMCE).

Após a mudança, caso seja aprovada, a unidade passará a ser chamada de Hospital e Maternidade da Polícia Militar do Ceará José Martiniano de Alencar, adotando a sigla HPM.

O texto recebido pela Casa foi alvo da oposição após o líder do governo Elmano, o deputado Guilherme Sampaio (PT), falar em seu discurso na tribuna, que apenas 30% dos leitos seriam destinados aos agentes de segurança. A questão é que na mensagem, não consta nenhuma informação sobre essa parcela.

A divergência foi alvo de questionamentos, visto que o parlamentar citou 30% dos leitos, mas o texto integral do projeto não prevê uma porcentagem definida. Atualmente, a unidade conta com 80 leitos disponíveis e, desses, 70% continuariam atendendo a pacientes do SUS.

No plenário, Guilherme Sampaio afirmou que a mensagem mostra o respeito que o Governo do Ceará tem com a categoria. "Eles merecem um tratamento adequado, eles merecem segurança no atendimento, na assistência hospitalar", disse.

Após discussão no plenário da Casa, foi aprovado regime de tramitação em urgência para a matéria, em um placar que marcou 23 votos a favor e seis contra. No processo de tramitação do texto, enviado pelo Governo pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), os deputados Queiroz Filho (PDT) e Dra. Silvana (PL) pediram vistas.

Posicionamentos contrários

Em 29 de janeiro de 2025, a mudança foi alvo de recomendação do MPF em atuação conjunta com o MPCE para que o repasse não fosse realizado sem que fossem demonstrados os possíveis prejuízos ao SUS.

Ao O POVO, o MPF confirmou que a recomendação de janeiro se mantém. "De janeiro para cá, foram realizadas diversas audiências e reuniões no âmbito do procedimento instaurado, para que seja definido, em conjunto, o melhor modelo a ser implementado a partir de dados coletados nas diligências e tratativas”, disse o órgão.

“Atualmente MPF e MPCE analisam qual posição será tomada, não existindo nenhuma nova recomendação determinando a paralisação da transferência", informou o MPF, que informou, ainda, que a recomendação segue válida.

A promotora de Justiça Ana Cláudia Uchoa, que integra as assinaturas da recomendação de janeiro, não concorda com os rumos decididos pelo Governo para a unidade hospitalar.

"Pedimos para que a Sesa dissesse para onde iria direcionar esses leitos e esses serviços retirados da população pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Na visão do MPCE, não está comprovado que não haverá prejuízo para o SUS, vai haver prejuízo grande para mais de 7 milhões de pessoas atendidas pelo SUS", disse.

Conselho Nacional de Saúde

Acionado por meio de denúncia do deputado Lucinildo Frota (PDT), o Conselho Nacional de Saúde (CNS) se manifestou por meio de ofício no último 7 de maio após análise do ato em questão e considerando “as potenciais ilegalidades e inconstitucionalidades envolvidas” e encaminhou o caso para o MPF.

“A militarização da gestão de uma unidade assistencial de saúde pública (...), representa violação aos princípios constitucionais e legais que regem a administração da saúde pública, notadamente os princípios da universalidade, integralidade, equidade, participação popular e controle social. Tal medida, além de comprometer a autonomia técnica e administrativa da saúde, afasta os mecanismos de transparência e participação previstos em lei”, diz ofício.

O órgão atesta também a ausência de justificativa técnica e da “subversão lógica da gestão civil, característica do SUS”, o que estaria violando os princípios da administração pública.

O documento diz, ainda, que “na referida Recomendação, o MPF orienta a suspensão imediata da transferência da gestão do HMJMA à Polícia Militar e determina o retorno da administração da unidade à Secretaria Estadual da Saúde, a fim de resguardar os princípios que norteiam a política pública de saúde e impedir retrocessos institucionais no funcionamento do SUS”.