Avião com refugiados de Gaza chega ao Brasil
Ao todo, 32 pessoas, entre brasileiros, palestinos com registro de imigrante, e parentes, foram repatriados; entenda como foi resgate dos refugiados em Gaza
05:58 | Nov. 14, 2023
Com informações do repórter João Paulo Biage
Pousou na noite dessa segunda-feira, 13, o avião com 32 refugiados de Gaza resgatados pelo governo brasileiro na operação "Voltando em Paz". O grupo chegou a Brasília (DF) por volta das 23h30min, horário local, e foi recepcionado por uma comitiva integrada por ministros e pelo presidente Lula (PT).
Na chegada, Lula recebeu os 22 brasileiros e sete palestinos com Registro Nacional Migratório (RNM), além de parentes, que tiveram a saída de Gaza permitida pelo governo israelense pela fronteira com o Egito, em Rafah, no domingo, 12. O avião decolou do país africano na manhã dessa segunda-feira, e realizou paradas na Espanha e em Recife (PE), antes da chegada a Brasília.
"É um massacre", diz refugiado palestino no Brasil
Após o desembarque, dois dos repatriados falaram à imprensa. Hasan Rabee, refugiado no Brasil desde 2014, que havia retornado à Palestina para visitar parentes, e Shahed al-Banna, nascida em Gaza e filha de brasileira, que voltou à terra natal para que a mãe, com câncer, se despedisse de familiares.
"A gente ficou lá 37 dias, muito sofrimento, às vezes passando fome, sede", disse Hasan após agradecer o apoio do governo brasileiro. "O que está acontecendo lá na verdade é um massacre", complementou, "com bombas caindo [por] todo lado".
Hasan disse que, na primeira semana, tentou confortar as filhas - de três e seis anos, ambas nascidas no Brasil - falando que as explosões dos mísseis disparados por Israel eram fogos de artifício. Ao entenderem a situação, disse ele, elas passaram a fechar as janelas de casa "para sentir proteção" ao ouvirem a aproximação de aviões israelenses.
A mãe e irmã de Hasan, que não têm cidadania brasileira, seguem em Gaza. Ele pediu ao governo que ajude os familiares a virem ao Brasil. Segundo Lula, o país seguirá trabalhando para repatriar brasileiros que queiram deixar Gaza, assim como parentes palestinos.
Shahed, que permaneceu no território palestino após a morte da mãe, afirmou que "era um dia normal" quando os ataques começaram. "Eu estava me preparando para ir à faculdade", disse ela, "quando as bombas começaram a cair, começaram a bombardear em todo lugar, sem aviso".
Israel iniciou a ofensiva em 7 de outubro, após uma ação do braço terrorista do Hamas resultar em 1,4 mil mortes e na captura de cerca de 240 reféns. O país afirma que os mísseis disparados em direção a Gaza são direcionados a alvos ligados ao Hamas. Entre os locais atingidos estão centros de refugiados da ONU e hospitais, que também têm servido de alojamento a desabrigados pelo conflito - o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, chegou a pedir que o governo israelense pare de atacar unidades de saúde.
"A gente chegou, a um ponto, a pensar", continuou Shahed, "'vamos todos morrer e ninguém vai saber da gente'". "Até agora não estou conseguindo acreditar que estou aqui, estou viva ainda", adicionou. Ela pontuou, porém, que, apesar da alegria por ter escapado do conflito, segue tendo preocupação por conhecidos que continuam em Gaza. "Eu já perdi muitos familiares, muitas amigas nessa guerra já estão mortas, minha casa foi destruída também. Se quisermos um dia voltar para lá, não podemos".
Shahed ecoou o pedido de Hasan, para que o governo brasileiro auxilie no resgate de familiares dos repatriados nessa segunda-feira. Em resposta, Lula disse que "todo o esforço que estiver ao alcance da diplomacia brasileira" será feito para trazer os refugiados ao País. "Enquanto tiver possibilidade de a gente tirar uma pessoa, mesmo que seja uma só pessoa, da Faixa de Gaza, a gente vai estar à disposição para buscar as pessoas", afirmou.
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Lula sobe tom sobre ataques de Israel a Gaza
Nas últimas semanas, Lula tem condenado de forma incisiva a retaliação israelense. A posição inicial do governo foi de atuar como mediador do conflito, apresentando uma proposta de resolução ao Conselho de Segurança da ONU, pedindo o cessar-fogo e a abertura de um corredor humanitário.
Apesar de aprovado por votação, o texto foi vetado pelos Estados Unidos. Alguns dias depois, a Assembleia-Geral da entidade teve 120 votos favoráveis a um texto de teor similar.
No fim de outubro, Lula passou a criticar a resposta israelense de forma mais enfática, chegando a classificar as ações como genocídio. A acusação é negada por Israel.
Na tarde dessa segunda-feira, o presidente afirmou que a maneira como Israel conduz os ataques é "tão grave quanto" a ação do Hamas no começo de outubro. Nesta madrugada, Lula subiu ainda mais o tom: "se o Hamas cometeu um ato de terrorismo e fez o que fez, o Estado de Israel também está cometendo vários atos de terrorismo".
"Eles não estão matando soldados, estão matando crianças, já são mais de 5 mil crianças, tem mais de 1.500 crianças desaparecidas", pontuou o presidente. "Se alguém não tem dó de soltar uma bomba para matar gente em hospital, para matar recém-nascidos, para matar crianças, eu sinceramente não sei [de] que ser humano nós estamos falando", concluiu.
Governo seguirá repatriando brasileiros, diz chanceler
Após o discurso de Lula, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, também falou à imprensa. Vieira lembrou que o avião vindo do Egito foi o décimo a repatriar brasileiros e familiares desde o começo do conflito. Oito aviões vieram de Israel e um da Jordânia, totalizando cerca de 1.400 pessoas resgatadas.
Segundo o chanceler, o governo seguirá oferecendo auxílio para cidadãos que queiram ser repatriados. "Vamos continuar trabalhando através das nossas embaixadas em Ramallah [Cisjordânia], Tel-Aviv [Israel] e no Cairo [Egito] para localizar outros brasileiros que estejam na região", disse.
Vieira também pontuou que o País continua buscando ajudar as vítimas do conflito, não apenas brasileiras, com a proposta de interrupção dos ataques. "Vamos seguir trabalhando, no Conselho de Segurança das Nações Unidas", disse ele, "para que se possa encontrar uma solução diplomática e negociada que crie um corredor humanitário, uma pausa humanitária".
Segundo o ministro, o objetivo é "que possam sair os feridos, os reféns" e cidadãos de outros países "que estejam em Gaza e manifestem o desejo de sair". A proposta também é defendida pela União Europeia, pelos países do G7 (grupo das sete maiores economias do mundo), e também foi pedida pelo papa Francisco. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, recusou os apelos.