Entenda o peso político da viagem de Lula pela Europa e os efeitos para 2022

Cumprindo agenda internacional desde o dia 11 de novembro, Lula já visitou Alemanha, Bélgica e França. Seu roteiro pelos países europeus se encerra nesta quinta-feira, 18, na Espanha.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está realizando uma viagem pela Europa para participar de uma série de encontros com líderes políticos e sociais do continente europeu, desde a quinta-feira, 11. Lula iniciou as visitas na Alemanha, passando por Bélgica, França e deve concluir a turnê na Espanha, nesta quinta-feira, 18.

O pré-candidato à Presidência nas eleições de 2022 consolida na Europa uma agenda de compromissos, reuniões e debates a respeito do cenário mundial e da imagem do Brasil no exterior. Em suas redes sociais, Lula afirmou que o foco da visita é “recuperar a confiança” do País.

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“Estou viajando para dizer ao mundo que o que o Brasil tem de melhor é o povo brasileiro. O Brasil não se resume a seu atual governante. Essa é a razão da minha viagem. Recuperar a confiança no Brasil”, escreveu o petista.

O POVO ouviu especialistas em Relações Internacionais e Ciências Políticas que analisaram o peso das viagens internacionais de Lula para a política brasileira. Entre as preocupações do petista, eles apontam busca por legitimidade internacional e também apoio do público nacional, ao endossar suas boas relações com importantes líderes mundiais. As comparações com a agenda internacional do atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que percorre o Oriente Médio, também foram inevitáveis.

Busca por legitimidade

Para Demetrius Cesario, professor de Relações Internacionais da ESPM e PhD em Ciências Políticas, as articulações de Lula com países europeus demonstram seu foco nas eleições de 2022, mesmo que política externa seja um tema ainda em ascensão em campanhas eleitorais. Segundo análise de Cesario, o petista se preocupa com seu reconhecimento pela comunidade internacional, numa eventual crise de legitimidade.

“Nas campanhas, política externa geralmente não é um tema muito abordado pelos candidatos. Mas cada vez mais vem sendo abordado, então existe um aumento da preocupação com as relações internacionais, talvez pelo processo de globalização e interdependência que vêm ocorrendo cada vez mais forte no mundo e também talvez para uma eventual vitória determinar que o governo vai ser reconhecido. Caso seja eleito, o Lula vai ser reconhecido pela comunidade internacional. (...) Então mostra que ele poderia voltar a ser presidente e manter relações com países relevantes no sistema internacional,” afirmou.

De acordo com Cesario, a candidatura de Lula à Presidência do Brasil, na visão interna, já está praticamente consolidada. “Como candidato, ele já ganhou bastante legitimidade quando os processos contra ele foram sendo anulados, ele foi sendo apoiado cada vez mais internamente. Agora ele busca também o reconhecimento internacional”, explicou.

Para o especialista em Relações Internacionais Iago Caubi, pesquisador vinculado ao Núcleo Geopolítica, Sistema Mundial e Integração Regional da UFRJ, os compromissos externos de Lula reafirmam o interesse do pré-candidato em reforçar para o mercado suas boas relações no cenário internacional e o apoio que recebe das lideranças mundiais.

“O Lula está fazendo essa agenda obviamente com interesses partidários, e políticos, porque ele sabe que ele está se colocando nesse papel, e que mesmo a imprensa brasileira dando pouca visibilidade, é um apoio que ele terá no próximo ano para falar para o próprio mercado, que ao contrário do que se diz, ele não vai ser algo ‘não esperado’. Na verdade, ele vai se colocar como alguém apoiado pelo cenário internacional, pelo mercado internacional, isso é o que eu acho que ele pretende, para tentar levar talvez até no primeiro turno (as eleições). Algo que vai demonstrar um retorno da política externa brasileira, uma política externa de desenvolvimento, de relação Sul-Sul”, disse o pesquisador.

Lula x Bolsonaro

Para Caubi, é impossível analisar a agenda internacional de Lula sem comparar com as viagens presidenciais de Bolsonaro, que esteve na Europa recentemente e agora está no Oriente Médio (Qatar, Dubai e Bahrein). O pesquisador aponta o isolamento do mandatário durante eventos importantes como o G20, enquanto seu principal oponente político é recebido como chefe de Estado por líderes como Emmanuel Macron e Olaf Scholz.

“Eu acho que essa comparação é válida e necessária porque a gente consegue entender um pouco de como a política externa do Brasil está sendo vista pelos nossos parceiros internacionais. O Jair Bolsonaro, há algumas semanas atrás, durante a reunião do G20, estava a poucos metros das principais lideranças europeias do mundo e ficou notório, através de vídeos que circularam por toda internet, o distanciamento, o isolamento no qual ele mesmo se colocou. E isso é um reflexo da própria política externa brasileira no seu governo, de isolacionismo”, disse Caubi.

Conforme o especialista, ao mesmo tempo que os objetivos da política externa do governo Bolsonaro “são muito ambiciosos e dependem de um arranjo político internacional com lideranças europeias”, quando o mandatário está cumprindo sua agenda internacional, “ele não consegue ter esse diálogo, essa aproximação e essa busca de convergência com esses líderes.”

“Hoje o Lula está conseguindo fazer um papel de representação do Estado brasileiro, mesmo que não oficial, muito maior do que o próprio Jair Bolsonaro, o que é um pouco espantoso, mas que reflete a realidade do cenário político que temos. Porque mesmo o Lula não tendo cargo, ele é recebido hoje pelas principais lideranças da União Europeia. O presidente da França, Emmanuel Macron, o recebeu com pompas, quase de um chefe de Estado, coisa que não aconteceu com Jair Bolsonaro mesmo os dois estando bem próximos. (...) E hoje, querendo ou não, os principais líderes europeus, que não necessariamente cabem nessa visão brasileira de esquerda e de direita, veem no Lula uma representação muito mais oficial e com poder real na política brasileira”, argumentou.

Quanto aos destinos atuais dos dois políticos brasileiros – Lula em países europeus e Bolsonaro no Oriente Médio – Demetrius Cesario destaca que as diferenças entre as viagens revelam as diferenças na política externa dos partidos de esquerda e direita brasileiros.

“Se percebe que a política externa de partidos mais da esquerda, como no caso o PT, e era a política externa do Lula e também da Dilma, era uma aproximação maior com os países em desenvolvimento, especialmente da América Latina, mas também África e Ásia. Então essa ida do Lula para a Europa pode significar que ele já tem o apoio dos países em desenvolvimento, e agora também tem o apoio dos países ricos, os países europeus, os países desenvolvidos”, explicou.

No que diz respeito ao presidente Jair Bolsonaro, o professor ressalta que as conexões internacionais do governo atual sempre foram mais direcionadas para países desenvolvidos, como os Estados Unidos, e agora o Oriente Médio ascende na lista de prioridades internacionais do mandatário.

“A política externa dele (Bolsonaro) sempre foi voltada aos países desenvolvidos, especialmente Estados Unidos, na presidência do Trump, havia essa identidade muito forte com os EUA. E, agora, o Oriente Médio parece ser uma região também prioritária para a política externa, especialmente, no início Israel, e agora países árabes também, para talvez compensar um pouco a aproximação com Israel, mas é uma região também que vem ganhando importância na política externa do Bolsonaro”, disse Cesario.

Para Caubi, no entanto, analisando o roteiro das articulações diplomáticas do chefe do Executivo, os destinos escolhidos parecem “não trazer muitos benefícios para a política externa brasileira”. Principalmente se comparado a agenda que o ex-presidente Lula vem traçando na comunidade internacional.

“O Lula está se contrapondo oficialmente como um chefe de Estado não oficial do Brasil, nas relações internacionais, e ele está conseguindo isso com sucesso. Você tem hoje o Bolsonaro no Bahrein, abrindo uma embaixada lá e não tem sentido real, não traz muitos benefícios para política externa brasileira enquanto o Lula tá sendo recebido pelo Macron, pelo Olaf Scholz, entre outros”, afirmou o pesquisador.

A rota de Lula pela Europa

Alemanha

Lula chegou a Berlim na quinta-feira passada, 11, onde se reuniu primeiramente com líderes de entidades sindicais alemãs. Entre eles, estavam o presidente da Confederação Alemã de Sindicatos, Michael Vassiliadis, o presidente do Sindicato de Minas, Química e Energia, Frank Werneke, e a presidente do Sindicato Unido de Serviços e 2ª presidente do IG Metall, o maior sindicato metalúrgico do mundo, Christiane Bonner.

Na ocasião, Lula ressaltou que o grupo debateu “os desafios de organização da classe trabalhadora no Brasil e no mundo”.

Ainda em solo alemão, na sexta-feira, 12, o ex-presidente se encontrou com deputadas do Partido Social Democrata (PSD), Yasmin Fahimi e Isabel Cadermatori, vencedoras da última eleição alemã, em setembro.

Fahimi já participou de outras reuniões com Lula nos anos de 2014 e 2015. Durante a prisão do petista, a deputada veio ao Brasil protestar contra o ocorrido. Já Cadermatori é neta do último ministro da Economia de Salvador Allende, que cometeu suicídio durante a ditadura de Pinochet.

Lula também se reuniu com Martin Schulz, ex-líder do Partido Social Democrata alemão e ex-presidente do Parlamento Europeu. Schulz também esteve no Brasil, na ocasião da prisão de Lula. O político visitou o ex-presidente enquanto este esteve preso em Curitiba, em 2018.

Sobre o reencontro com o líder brasileiro, Schulz afirmou que “Lula é a esperança do Brasil para o fim da política de divisão e agitação de Jair Bolsonaro”, em publicação no Twitter.

O advogado Gregor Gysi também publicou em sua conta do Twitter o momento em que Lula encontrou Heinz Bierbaum, líder do Partido Europeu de Esquerda. Gysi disparou na postagem: “Os brasileiros merecem um presidente melhor do que o incompetente e perigoso Jair Bolsonaro.” O tuíte foi compartilhado pelo petista.


Finalizando os encontros na Alemanha, Lula esteve com Olaf Scholz, atual líder do PSD alemão e vencedor das últimas eleições do país. Scholz é apontado como provável sucessor de Angela Merkel no cargo de chanceler federal. Em resposta à visita do pré-candidato a presidência do Brasil, o político se disse “muito satisfeito com as boas discussões” que teve com Lula. “Espero continuar o nosso diálogo”, finalizou.

Bélgica

Em Bruxelas, Lula deu continuação a suas visitas a líderes sindicalistas. No primeiro encontro do dia 14, domingo, o político se reuniu com a secretária geral da Confederação Sindical Internacional (ITUC), Sharan Burrow. Na pauta, foi discutida “a necessidade de renovação das estruturas sindicas”.

A ITUC representa mais de 200 milhões de trabalhadores, e promove a defesa dos direitos da categoria por meio da cooperação internacional entre sindicatos, trabalhando em colaboração com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Burrow, representou a classe trabalhadora na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26), em Glasgow.

A segunda reunião de Lula na Bélgica foi com Josep Borrell Fontelles, vice-presidente da Comissão Europeia e Alto Representante da União Europeia para Assuntos Externos. Os líderes discutiram a conjuntura brasileira e latino-americana.

A reunião também contou com a presença do ex-chanceler brasileiro Celso Amorim, e do ex-ministro Aloizio Mercadante. O encontro entre as lideranças aconteceu na chancelaria da União Europeia, em Bruxelas.

Na sede do Parlamento Europeu na Capital belga, Lula concedeu entrevista com a participação da deputada espanhola Iratxe Garcia Pérez, membro do parlamento desde 2004 e representante da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas.

Ainda entre os encontros realizados na Bélgica, Lula também se reuniu com o ganhador do Prêmio Nobel de Economia (Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel), Joseph Stiglitz, ex-presidente do Conselho de Assessores Econômicos no governo do Presidente Bill Clinton (1995-1997), e ex-vice-presidente para Políticas de Desenvolvimento do Banco Mundial.

Em solo belga, o petista também participou, na segunda-feira, 15, da Conferência de Alto Nível da América Latina, um evento realizado pelo bloco social-democrata. No discurso que fez no Parlamento Europeu o político foi ovacionado pelos presentes.

“Acreditamos em um mundo cada vez mais plural, unido em torno de valores como solidariedade, cooperação, humanismo e justiça social. Acreditamos numa nova governança mundial, começando pela ampliação do Conselho de Segurança da ONU, e vamos continuar lutando por ela. Podemos ser felizes juntos. E seremos”, disse Lula. No Twitter, ele agradeceu a oportunidade de falar no Parlamento.

França

O ex-presidente chegou a França na terça-feira, 16, onde foi recebido pela prefeita de Paris, Anne Hidalgo. Lula celebrou o reencontro com a gestora, após tê-la visto pela última vez quando recebeu título de cidadão honorário da cidade, em 2020.

O petista também ministrou palestra no Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), voltando ao local onde dez anos atrás ganhou o título de doutor honoris causa. No discurso, pelo qual também foi ovacionado, Lula não poupou críticas ao neoliberalismo, e defendeu a democracia, a reconstrução do Brasil, bem como o restabelecimento das relações do país com o mundo.

Já nesta quarta-feira, 17, as recepções ao ex-presidente continuaram. Lula foi recebido pelo presidente Emmanuel Macron, no Palácio do Elysée, com todo o protocolo de um chefe de Estado. François Hollande, ex-mandatário da França, também compartilhou fotos de um encontro com o petista nas redes sociais.

Ainda na França, o político brasileiro recebeu o prêmio Coragem Política, da revista Politique Internationale, em Paris.

Espanha

Nesta quinta-feira, 18, o pré-candidato à Presidência chegou ao último destino de sua tour pela Europa. Atualmente na Espanha, Lula participou do seminário “Cooperação multilateral e recuperação regional após Covid-19”, em Madrid. Em seu discurso, o político reforçou que “a construção de um outro mundo é possível”. “Um mundo mais sustentável, menos desigual, mais justo, mais solidário e mais feliz”, pontuou.

 

 

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