Eutanásia e outros direitos: o que pode no Uruguai e ainda é proibido no Brasil
País vizinho se torna o 1º da América Latina a aprovar a eutanásia por lei. Entenda o que muda, as distinções com o suicídio assistido e outras práticas
O Uruguai se tornou o primeiro país da América Latina a legalizar a eutanásia por meio de uma lei nacional.
A decisão, aprovada pelo Parlamento na última quarta-feira, 15, representa um marco na região e reforça a imagem do país como uma das nações mais progressistas do continente.
Até então, apenas Colômbia, Peru e Equador permitiam a prática, mas apenas por decisões judiciais, não por legislação formal.
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Com a nova norma, o Uruguai se junta a países como Bélgica, Holanda, Portugal, Espanha, Canadá e Austrália, onde a eutanásia é reconhecida e regulamentada.
A medida uruguaia surge em meio a um debate mundial sobre o direito de morrer com dignidade. No Brasil, porém, o tema ainda é tabu e enfrenta resistências éticas, religiosas e políticas.
O que é eutanásia e como será no Uruguai
A eutanásia é o ato voluntário de provocar a morte de um paciente, de maneira assistida e sem dor, com acompanhamento médico.
Geralmente, é solicitada por pessoas com doenças terminais, incuráveis ou em sofrimento físico insuportável. O termo vem do grego e significa “boa morte”, expressão cunhada pelo filósofo Francis Bacon no século XVII.
Pela nova lei uruguaia, qualquer adulto em fase final de doença incurável, que esteja mentalmente apto e apresente deterioração grave na qualidade de vida, pode solicitar a eutanásia.
O processo deverá ocorrer de forma voluntária e supervisionada por uma equipe médica. A prática, contudo, é restrita a cidadãos uruguaios e exige comprovação de que o paciente está consciente da decisão. No Brasil, a eutanásia é proibida e enquadrada como homicídio.
Diferenças entre eutanásia, suicídio assistido e ortotanásia
A eutanásia é diferente do suicídio assistido. No primeiro caso, o médico é quem aplica a substância letal. No segundo, o profissional apenas prescreve o medicamento, mas o próprio paciente realiza a administração. Ambos são ilegais no Brasil.
Existe, porém, uma terceira prática: a ortotanásia, que ocorre quando o paciente decide interromper tratamentos que prolongariam artificialmente sua vida, optando por morrer de forma natural.
Essa prática é autorizada pelo Conselho Federal de Medicina desde 2006, mas ainda carece de previsão legal explícita. Muitos médicos temem retaliações ou interpretações equivocadas, o que limita a aplicação desse direito.
Há um projeto parado no Congresso desde 2000 para incluir a ortotanásia no Código Penal, deixando claro que ela não constitui crime.
Cuidados paliativos x eutanásia
Outro ponto importante é distinguir a eutanásia dos cuidados paliativos. Estes consistem em um conjunto de práticas médicas destinadas a aliviar a dor e melhorar o bem-estar de pacientes em estado terminal ou com doenças graves, sem o objetivo de antecipar a morte.
No Brasil, os cuidados paliativos são reconhecidos e incentivados dentro da medicina, mas ainda enfrentam limitações de acesso e de estrutura na rede pública.
Outras leis liberais no Uruguai
A aprovação da eutanásia é mais um capítulo na trajetória do Uruguai como um dos países mais progressistas da América Latina.
Ao longo das últimas décadas, o país consolidou uma série de legislações voltadas para os direitos individuais, que o colocam em contraste com o Brasil, onde muitos desses temas ainda enfrentam forte resistência política e religiosa.
Aborto legal
Desde 2012, o aborto é legalizado no Uruguai até a 12ª semana de gestação. O procedimento é oferecido gratuitamente na rede pública e envolve uma etapa de aconselhamento e um período de reflexão de cinco dias antes da decisão final.
Em casos de estupro, o limite se estende até 14 semanas, e quando há risco à vida da gestante ou má-formação grave do feto, o aborto pode ser realizado em qualquer momento da gravidez.
No Brasil, o aborto continua sendo crime, previsto no Código Penal desde 1940. Ele só é permitido em três situações específicas, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2012:
- quando a gestação resulta de estupro
- quando há risco de morte para a mãe
- casos de anencefalia fetal
Qualquer outro caso pode levar à prisão tanto da gestante quanto dos profissionais de saúde envolvidos.
Casamento entre pessoas do mesmo sexo reconhecido em lei
Em 2013, o Uruguai se tornou o segundo país da América Latina, depois da Argentina, a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A mudança alterou o Código Civil para definir o casamento como a união permanente de “duas pessoas de distinto ou igual sexo”.
A legislação também trouxe avanços em temas como adoção conjunta, regime de bens e sucessão, garantindo igualdade plena entre casais heterossexuais e homossexuais.
No Brasil, a união homoafetiva foi reconhecida apenas por decisão do Supremo Tribunal Federal, em 2011, e o casamento civil homoafetivo passou a ser possível em 2013, por resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
No entanto, não há uma lei específica que assegure esse direito, o que significa que a proteção jurídica depende de interpretações judiciais e pode ser alterada por decisões futuras.
Cannabis legalizada e controlada pelo Estado
Também em 2013, durante o governo de José Mujica, o Uruguai se tornou o primeiro país do mundo a regulamentar a produção, venda e consumo de cannabis.
A lei permite o autocultivo doméstico, os clubes canábicos e a compra em farmácias autorizadas, sempre mediante registro e apenas para maiores de 18 anos.
O objetivo, segundo Mujica, era enfraquecer o narcotráfico e garantir controle sanitário e tributário sobre o uso da planta.
No Brasil, a maconha segue ilegal. Seu cultivo e consumo são criminalizados pela Lei de Drogas (nº 11.343/2006).
Embora o Supremo Tribunal Federal esteja discutindo, desde 2023, a descriminalização do porte para uso pessoal. Até o momento, apenas o uso medicinal de derivados da cannabis é permitido, mediante prescrição e autorização da Anvisa.
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Identidade de gênero e nome social reconhecidos em lei
Desde 2018, o Uruguai possui uma das legislações mais avançadas do mundo no reconhecimento da identidade de gênero.
A chamada Lei Integral para Pessoas Trans permite a retificação de nome e gênero em documentos oficiais sem a necessidade de cirurgia ou laudo médico. Além disso, garante cotas em empregos públicos e políticas específicas de inclusão social.
No Brasil, o reconhecimento do nome social e da identidade de gênero foi autorizado pelo Supremo Tribunal Federal em 2018, mas, diferentemente do Uruguai, a mudança depende de decisões administrativas e não há uma lei federal que regulamente o tema. As garantias também variam conforme o estado ou município.