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Vencendo o trauma, cinco anos após massacre do Bataclan

00:01 | Nov. 14, 2020
Autor DW
Tipo Notícia
Vítimas buscam na música, literatura e artes plásticas caminhos para sanar as feridas abertas nos ataques terroristas que mataram 130 pessoas em novembro de 2015 em Paris.O amor pela música foi quase fatal para Serge Maestracci na casa de shows Bataclan, em Paris, em 13 de novembro de 2015. E, no entanto, essa paixão também tem sido sua boia salva-vidas desde então. Ele começou a escrever canções pouco antes do ataque. Desde então, ensaia regularmente com sua banda em um estúdio no subúrbio de Saint-Ouen, ao norte da capital francesa. Como em uma manhã recente de quinta-feira, quando cantava uma música chamada Bataclan, que descreve como seu filho teve dificuldade para dormir na noite do dia 13. "A música me ajudou a superar o pior momento da minha vida. Fiquei apavorado depois do ataque. Tinha medo de sair de casa, de pedalar pela cidade. Senti que havia me tornado um alvo", diz o francês de 66 anos. "A música era a minha maneira de expressar meus sentimentos e o que eu experimentei. Quando você passa por um evento como este, você pensa 'escapei da morte por alguns minutos'. A vida fica paralisada. Mas então, ela continua e você pensa 'eu preciso viver a vida ao máximo!'." Naquela noite de novembro de 2015, homens armados mataram 130 pessoas a tiros e em ataques suicidas em Paris. Noventa delas foram assassinadas no Bataclan durante um show da banda de rock Eagles of Death Metal. Desde 2015, ataques jihadistas mataram mais de 250 pessoas no país e deixaram milhares com cicatrizes físicas e psicológicas. Cura pela arte A música não é a única maneira de Maestracci lidar com o trauma. No subúrbio de Colombes, oito quilômetros a oeste de Saint-Ouen, ele entra em sua oficina, um pequeno apartamento em um prédio residencial. Há um suporte de tela, tubos de tinta alinhados sobre uma mesa de madeira e pinturas a óleo penduradas nas paredes. "A pintura ocupa minha mente, me isola do que está acontecendo ao meu redor", diz. "Às vezes pinto o dia todo e quando olho para cima vejo que está escuro lá fora. Com a pintura, você faz o tempo passar e isso ajuda – o tempo ajuda. Porque aos poucos, o pesadelo que você teve que viver vai sumindo." Os temas dos quadros de Maestracci mudaram após o ataque – de cenas alegres para paisagens. "Comecei a pintar momentos calmos que fazem a vida valer a pena. Queria me afastar completamente do que havia passado", explica. Tirando uma pintura realizada logo após o ataque, claro. Essa mostra uma bandeira francesa com tinta vermelha escorrendo pelo quadro; como se a França estivesse sangrando. Horas de medo Maestracci conseguiu sair do Bataclan por uma porta lateral logo após os primeiros tiros. Mas outros, como Christophe Naudin, foram forçados a resistir mais. Enquanto os três atiradores mantinham centenas de reféns, ele se escondeu em um armário por horas, espremido com duas dúzias de pessoas. Para lidar melhor com o trauma daquela noite, Naudin publicou recentemente um livro, chamado Journal d'un rescapé du Bataclan (Diário de um sobrevivente do Bataclan, em tradução livre). A obra descreve como, durante o primeiro ano após o ataque, ele saía com frequência e se encontrava com pessoas. Mas, uma vez em casa, era confrontado com a realidade. Durante a segunda fase, Naudin começou a dar um passo para trás em relação ao que havia acontecido. E, finalmente, a partir do terceiro ano após o ataque, foi capaz de ver as coisas de uma outra perspectiva, conseguindo com que fatos relacionados ao terrorismo não o atingissem mais tão facilmente – em grande parte, após conhecer sua nova namorada, Laetitia. "Escrever meus pensamentos em vez de apenas pensar no que aconteceu realmente me ajudou", diz. "E foi bom repassar tudo de novo para colocar em papel na forma de livro. Tudo isso faz parte da minha reconstrução." Estresse após novos ataques Os sintomas de estresse pós-traumático de Naudin, dores de cabeça e insônia, estão melhorando. Embora eles voltem a surgir a cada novo ataque jihadista. Como no caso da recente decapitação do professor de história Samuel Paty, de 47 anos, morto por um extremista islâmico por ter mostrado uma charge do profeta Maomé em sala de aula. O desenho havia sido publicado pela revista satírica Charlie Hebdo, ela própria alvo de um ataque jihadista em janeiro de 2015, durante o qual 12 pessoas foram mortas. O processo judicial envolvendo os possíveis cúmplices dos extremistas está em andamento – os próprios agressores foram mortos pela polícia logo após o ataque. Naudin pode se identificar com o caso de Paty, já que ele próprio é professor de história e tem quase a mesma idade. "Tínhamos mais ou menos a mesma abordagem de ensino. Isso realmente devastou a mim e minha namorada, que também é professora", afirma, acrescentando que seus sintomas de estresse pós-traumático parecem ser menos graves do que alguns anos atrás. Laurent Tigrane Tovmassian diz que o estresse pós-traumático geralmente leva tempo para ser superado, mas que música, arte e o hábito de escrever podem ajudar. Ele é psicoterapeuta baseado em Paris e chefe do departamento de trauma psicológico do Centro de Saúde Mental Chapelle-aux-Champs, da Universidade UCL na capital belga, Bruxelas. Ele tem tratado alguns dos sobreviventes dos ataques de novembro de 2015. "Escrever permite que as pessoas voltem a se apropriar do que passaram. Ajuda-as a percorrer a distância necessária para que esses acontecimentos não mais sejam donos delas", diz. "E pintar e fazer música os reconecta com sua criatividade. Isso é importante, já que o trauma afeta a criatividade da pessoa, os projetos para o futuro e os sonhos." "Impossível apagar a memória" "Mesmo assim, é improvável que os sobreviventes se esqueçam completamente do que aconteceu com eles", acrescenta. "Você não pode simplesmente apagar isso da sua memória”, diz Tovmassian. "A única maneira de seguir em frente é aceitar o ocorrido e incorporá-lo à sua vida. Então, você pode até ser capaz de dizer 'o que não me mata me fortalece'." Já Maestracci está determinado a continuar cantando e pintando – não apenas porque isso o ajude a cicatrizar suas feridas. "Os muçulmanos radicais gostariam de ver uma sociedade na qual você não possa desenhar, fazer música ou cantar", diz. "Eles acreditam que apenas o Profeta tem o direito de fazer isso. Esta é a minha maneira de dizer 'não, eu existo'. Estou vivo e quero continuar fazendo o que sou livre para fazer em meu país." Autor: Lisa Louis

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