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"Incêndio climático" entra para o discurso político

00:03 | Set. 22, 2020
Autor DW
Tipo Notícia
Crescem os apelos nos EUA e na Austrália para que se use novo termo no lugar de "incêndios florestais". Objetivo é deixar claro que destruição recorde causada pelas chamas está diretamente ligada ao aquecimento global.Enquanto enormes chamas devastavam a costa oeste dos Estados Unidos no início do mês, uma voz dissonante se recusava a falar em incêndios florestais: "Não se trata de meros incêndios florestais, e sim de incêndios climáticos", disse Jay Inslee, governador do estado de Washington, em meio aos restos carbonizados da cidade de Malden, a oeste de Seattle. Inslee faz parte de um grupo crescente de políticos, cientistas e personalidades públicas que se negam a falar em "incêndios florestais" por afirmarem que o termo implica incêndios naturais. "Incêndios climáticos", por outro lado, vincula os incêndios históricos que ocorreram na Califórnia, Oregon e Washington ao aquecimento global causado por ação humana. "Este não é um ato de Deus", completou Inslee na ocasião. "Isso aconteceu porque alteramos o clima no estado de Washington de maneiras dramáticas". As considerações de Inslee sobre a origem dos incêndios foram corroboradas pelo governador da Califórnia, Gavin Newsom, ao inspecionar a zona rural coberta de cinzas de Oroville, em seu estado natal: "Trata-se de uma maldita emergência climática", assegurou o californiano. A associação com o clima é, em parte, uma resposta à insistência do presidente americano, Donald Trump, de que uma gestão florestal deficiente, e não a mudança climática, seria a culpada pelos incêndios. Pesquisas indicam que apenas 13% dos boletins noticiosos transmitidos sobre os incêndios na costa oeste americana em seu pico mencionaram as mudanças climáticas. "Estes não são incêndios florestais" Sam Ricketts, que liderou a política e a estratégia climáticas para a campanha presidencial do governador Jay Inslee em 2020, escreveu no Twitter em 11 de setembro, usando a hashtag #climatefires, que não se tratavam de incêndios florestais, mas de incêndios climáticos, causados pela poluição de combustível fóssil. "A taxa, a força e a devastação provocadas por esses desastres são alimentadas pelas mudanças climáticas", afirmou Ricketts à DW sobre os incêndios que consumiram mais de 20 mil quilômetros quadrados na Califórnia, no Oregon, no estado de Washington e na vizinha Idaho. Ricketts observa ainda que, em um período de dois dias no início de setembro, houve mais queimadas no estado de Washington do que em praticamente qualquer outra temporada inteira de incêndios até agora, com exceção do ano de 2015. A Califórnia, por sua vez, virou um barril de pólvora após registrar o verão mais quente de sua história, com os termômetros no Vale da Morte chegando a quase 55 graus Celsius, de acordo com o Serviço Nacional de Meteorologia dos Estados Unidos – a mais alta temjá medida na Terra. Como já foi demonstrado pelo desastroso verão entre 2019 e 2020 na Austrália, os incêndios estão aumentando em dimensão e duração, com novos recordes estabelecidos a cada ano. Termo começou a ser usado na Austrália O governador Inslee foi o primeiro a falar em incêndios climáticos nos EUA. O termo, porém, também já havia sido usado para se referir aos incêndios na Austrália no final de 2019. Diante de uma parede de chamas de mais de 2 mil quilômetros e com funcionários do governo e da mídia minimizando a ligação com as mudanças climáticas, a senadora do Partido Verde Sarah Hanson-Young é categórica ao afirmar que a referência a incêndios florestais é inadequada. "Temos que começar a chamá-los de incêndios climáticos, que é o que eles são", diz a senadora australiana à DW. Hanson-Young afirma que os cientistas vêm alertando há décadas que esses são os efeitos do aquecimento global. "Somos alertados que esses tipos de destruição e eventos climáticos extremos seriam o resultado das mudanças climáticas, e isso está bem aqui à nossa frente", afirma ela em seu estado natal, Austrália Meridional – onde, no início de setembro, já haviam sido emitidos alertas de incêndio. "Chamá-los de incêndios climáticos tornou tudo absolutamente claro. É essencial que não haja ambiguidade", complementa Hanson-Young, que logo após usar o termo deliberadamente passou a divulgá-los nas redes sociais por meio da hashtag #climatefires. A necessidade de usar uma linguagem mais explícita ao falar sobre eventos climáticos extremos ligados às mudanças climáticas é parte de um impulso mais amplo para se referir à urgência do aquecimento global. Em 2019, por exemplo, a ativista Greta Thunberg tuitou que o termo "mudança climática" não refletia a gravidade da situação. "Será que todos nós podemos agora, por favor, parar de dizer 'mudança climática' e, em vez disso, chamar pelo que é: colapso climático, crise climática, emergência climática, colapso ecológico, crise ecológica e emergência ecológica?", escreveu a jovem sueca. "Há muito tempo que se fala das mudanças climáticas como um perigo no futuro", diz, por sua vez, Hansen-Young. "Mas as consequências já estão aqui. Quando as pessoas ouvem a palavra crise, elas entendem que algo tem que acontecer, que uma ação tem que ser tomada", complementa a a senadora australiana. Alguns desses termos agora já são usados em políticas públicas de alguns governos estaduais e nacionais. O próprio Parlamento da União Europeia declarou emergência climática oficial no ano passado. Palavras que refletem a ciência Mas enquanto todos os governadores da costa oeste americana fervorosamente associam os incêndios a uma crise climática em curso, o presidente dos EUA, Donald Trump, continua a evitar qualquer referência ao clima. "Vai começar a esfriar. Basta observar", declarou Trump recentemente.. Ele respondia às propostas de Wade Crowfoot, secretário de Recursos Naturais da Califórnia, para trabalhar junto com os estados na crise climática. Crowfoot rebateu dizendo que os cientistas discordam. Mas Trump revidou: "Não acho que a ciência saiba, na verdade." A afirmação do presidente americano faz lembrar a abordagem anticientífica da pandemia do coronavírus pelo governo Trump, ao menos publicamente. As empresas de combustíveis fósseis também têm se beneficiado desta rejeição à ciência do clima, com a saída dos EUA do Acordo de Paris e a reabertura da infraestrutura de combustíveis fósseis, como o oleoduto Keystone XL. Mas a comunidade científica reagiu. A revista Scientific American endossou o candidato democrata à presidência, Joe Biden – o primeiro apoio a um postulante à Casa Branca em 175 anos de história. Segundo Hanson-Young, o uso de uma linguagem explícita como "incêndios climáticos" também tem sido importante na Austrália devido à negação do clima por políticos e pela imprensa, especialmente em publicações de propriedade de Rupert Murdoch. Enquanto incêndios consumiam grande parte da costa sudeste da Austrália, eles eram comumente atribuídos a atos incendiários – uma tática também usada recentemente nos EUA. Em pauta nas eleições A linguagem usada para questões climáticas começou a influenciar a campanha para as eleições presidenciais dos EUA. O candidato democrata Joe Biden rotulou, por exemplo, o presidente Trump de "incendiário do clima". Biden está promovendo um plano climático robusto que inclui uma meta de emissões zero para 2050 e um retorno ao Acordo de Paris. Embora não tenha a ambição do Acordo Verde europeu, seu projeto está no centro da plataforma política democrata nos últimos dias, num momento em que cinco furacões atingem a costa do Golfo dos EUA e a fumaça que cobre a costa oeste se espalha até o leste. Segundo Ricketts, as pessoas estão vivenciando a crise climática de forma visceral e quase que universalmente elas a associam à linguagem de uma emergência. "Elas sabem que algo está errado", comenta o estrategista político. Autor: Stuart Braun

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