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O melancólico ocaso do "Kaiser"

00:05 | Ago. 02, 2019
Autor DW
Tipo Notícia
Franz Beckenbauer conquistou a glória como jogador e técnico da seleção alemã. Mas sua carreira como dirigente e organizador da Copa de 2006 não teve o mesmo final feliz. Desde então, a vida do "Kaiser" desandou.Conta a lenda que por ocasião de um jogo amistoso do Bayern em Viena, em 1969, um fotógrafo pediu a Beckenbauer para que ele posasse ao lado da estátua de Franz Joseph 1°, Kaiser (imperador) da Áustria de 1848 a 1916. No dia seguinte, o jornalista Seep Graf escreveu uma coluna num diário local e descreveu o jovem jogador alemão como sendo o novo "Kaiser do Futebol". Foto e texto passaram a ser considerados metáforas perfeitas para descrever o jogador fora de série, além da aura intangível que o envolvia. Assim surgia a figura imponente do Kaiser Franz Beckenbauer no cenário do futebol mundial. Aos 20 anos, ele já havia encantado até os mais críticos jornalistas esportivos com seu toque elegante e ao mesmo tempo eficiente na condução da bola. Reinventou a posição de líbero, dando-lhe uma interpretação mais ofensiva do que a habitual. Na Copa de 1966 por pouco não se tornou campeão mundial, traído tão somente por um gol na final com a Inglaterra, gol esse que até hoje é alvo de calorosa polêmica. Quem não se lembra de sua atuação na Copa do México em 1970, quando, com a clavícula lesionada encarou uma semifinal contra a Itália? Esse seria considerado o melhor jogo de todas as Copas. A Alemanha perdeu aquele confronto épico na prorrogação, mas entrou na história como uma equipe heroica cujo herói maior atendia pelo apelido de "Kaiser". Mais maduro, aos 28 anos, comandou a esquadra alemã na Copa de 1974. A "Mannschaft" conquistou o seu segundo título ao vencer a Holanda na final em Munique. O artífice maior do triunfo foi Franz Beckenbauer com sua arte no trato da bola, sua capacidade de fazer lançamentos precisos, seu talento natural para se posicionar em campo e seu carisma ímpar ao comandar os companheiros. O "Kaiser", o mais popular e melhor jogador alemão do século 20, não parou por aí. Ele assumiu o comando técnico da seleção em meados da década de 1980 e se tornou campeão mundial mais uma vez. Foi na Copa da Itália em 1990. Os comandados de Beckenbauer triunfaram sobre a Argentina de quem haviam perdido a final no México em 1986. A conquista do tri teve ainda um sabor todo especial porque se deu justamente no ano da reunificação da Alemanha. Em 1991 Beckenbauer, então com 45 anos, ao olhar pelo retrovisor para sua carreira, tinha motivos de sobra para se orgulhar. Tudo o que um jogador e técnico de futebol pode ganhar, ele ganhou. Faltava apenas a carreira de dirigente. O Bayern, seu clube de origem, lhe abriu as portas e o elegeu como presidente em 1994, cargo que exerceu durante 15 anos. Na qualidade de um dos vice-presidentes da Federação Alemã de Futebol chefiou o comitê da candidatura alemã para a Copa de 2006. Com seu carisma e sua influência na FIFA, obteve os votos necessários para a Alemanha sediar o Mundial mais uma vez. Foi ainda o presidente do comitê organizador daquela Copa. Parecia que a terceira carreira do "Kaiser", dessa vez como dirigente, a exemplo das duas anteriores, também teria um final feliz. Entretanto, em outubro de 2015, a revista Der Spiegel revelou que o empresário Robert Louis-Dreyfus cedeu um empréstimo 6,7 milhões de euros ao comitê da candidatura alemã, chefiado por Franz Beckenbauer, supostamente para garantir votos pró-Alemanha de alguns delegados asiáticos. O dinheiro acabou sendo transferido para uma conta da empresa Kemco, no Catar, cujo proprietário é Mohammed bin Hammam, na época presidente da Confederação Asiática de Futebol. Um mês depois das revelações da Der Spiegel , no dia 6 de novembro de 2015, a Procuradoria Federal da Suíça deu início a um inquérito por fraude e lavagem de dinheiro. Beckenbauer seria a figura-chave na compra de votos a favor da Alemanha como país-sede da Copa de 2006. Desde então, a vida de "Kaiser" desandou. Em 2016, a morte do seu filho Stephan, de apenas 46 anos, além de lhe causar profunda tristeza, teve forte impacto também sobre sua saúde. Num espaço de dois anos se submeteu a duas cirurgias cardíacas, além do implante de uma prótese no quadril. Recentemente, sofreu um grave derrame ocular e, de acordo com testemunhas, teria dito: "...não enxergo quase nada com o olho direito...". Os advogados de Beckenbauer encaminharam atestados médicos à Procuradoria dando conta de que o estado de saúde do seu cliente tem se deteriorado desde abril, inclusive apresentando massivas lacunas na memória com considerável incapacidade de discernimento. Os médicos de Beckenbauer entendem que ele não tem condições de ser levado a julgamento sem sofrer danos irreversíveis e que podem representar sério risco de morte em plena sala do tribunal. A Justiça suíça não se deu por satisfeita com as explicações dos advogados e solicitou exames comprobatórios adicionais. Não resta muito tempo para a Procuradoria. A defesa usará todos os meios legais para protelar um eventual julgamento do seu cliente. O objetivo é claro. Os crimes pelos quais Beckenbauer teria que responder em juízo prescrevem daqui a oito meses, em abril de 2020. De todo modo, indo a julgamento ou não, é um melancólico ocaso para uma carreira de tanta glória e nos faz lembrar também que toda glória humana é efêmera. Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Desde 2002, atua nos canais ESPN como especialista em futebol alemão. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças. 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