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Bolívia tenta quebrar com tradição de violência contra mulheres

12:48 | 08/03/2013
Sete em cada dez bolivianas já foram vítimas de violência, e número de assassinatos cresce no país. Até agora o Estado não lhes fornecia qualquer proteção especial. Uma nova lei deverá mudar essa situação. "Eu corri, corri o mais rápido que pude", conta a mulher de 31 anos, de olhos baixos e sentada numa cadeira de plástico. Ela amassa um lenço encharcado de lágrimas, seu rosto da está muito inchado, embaixo do olho direito, um hematoma. A boliviana, mãe de três crianças, veio da metrópole de El Alto, próxima da capital La Paz, para apresentar denúncia contra o marido, que há 12 anos a espanca e maltrata. A polícia oferece há 16 anos uma central permanente de atendimento para mulheres e famílias vítimas de violência. "Nós recebemos todos os dias, aqui, entre 35 e 50 casos de violência doméstica", conta Rocío Molina, chefe da unidade especial de proteção à família. Violência é normalidade De cada dez bolivianas, de sete a oito sofreram violência. Esse resultado faz parte de um estudo feito por diferentes Organizações Não Governamentais (ONGs) que se engajam pelos direitos das mulheres no país. A Bolívia é uma das nações da América Latina com maior índice de violência contra mulheres. Segundo estatísticas, são registrados anualmente mais de 100 mil ataques violentos contra elas. A maioria dos casos ocorre dentro do lar, praticados pelo marido ou por outros membros masculinos da família. Betty Pinto se ocupa do problema há anos. Ela trabalha como encarregada nacional para os direitos das mulheres na Defensoría del Pueblo, a ouvidoria de direitos humanos da Bolívia. "O que mais nos inquieta é que a violência contra a mulher se estabeleceu como algo normal", acentua. De onde vem a violência contra o sexo feminino na Bolívia? A ativista tenta traçar as razões por trás do fenômeno. "Nosso sistema de ensino tem fortes raízes patriarcais. Em nossa sociedade, os homens sempre foram tratados com preferência", diz Pinto. Além disso, na cabeça de muitas bolivianas só é homem de verdade quem bate na mulher. Pancadas, chutes e, em casos extremos, até mesmo assassinatos. As vítimas esperam muitas vezes inutilmente pelo apoio do Estado. "No nível institucional, existe muitos pontos fracos", aponta Pinto. Sua experiência nos últimos anos mostrou que a maioria das denúncias nem chega a ser investigada pelas autoridades, e os culpados permanecem impunes. Ser mulher é motivo suficiente para ser morta Um problema especial ocorre na Bolívia é o número crescente de feminicídios. "Somente no ano passado registramos 150 casos na Bolívia", relatade Mary Marca, diretora do Centro para Informação e Desenvolvimento da Mulher (Cidem). Os criminosos: esposos, parceiros ou ex-parceiros, mas também outros membros da família como irmãos e tios. "Mulheres serão assassinadas por serem mulheres", é a explicação simples e brutal para o triste fenômeno. Parte das vítimas é executada cruelmente: não raro encontram-se mulheres mortas com os seios ou a barriga cortados "aquelas partes do corpo em que a feminilidade mais se expressa ", conclui Betty Pinto. Uma junção entre organizações e instituições, entre elas o Cidem, trabalha há anos no projeto de uma "Lei Integral da Violência contra a Mulher".Pois até o momento não existe qualquer lei que proteja as bolivianas de forma especial contra ações violentas. Ainda não. Contudo, no início de 2013, um caso de grande repercussão pressionou os políticos a revisar a atual legislação. Em meados de fevereiro Hanalí Huaycho, jornalista de um conhecido canal de televisão nacional foi morta pelo marido, um delegado de polícia. Pouco depois veio à tona que, por 14 vezes, a jornalista apresentara queixa a diferentes departamentos contra o marido violento, e nenhuma vez houve uma investigação policialsubsequente. O caso desencadeou passeatas de protesto em todo o país. Vida sem violência Em reação, o Congresso Nacional da Bolívia se ocupa agora com maior intensidade da Lei Integral da Violência contra a Mulher, que abrange 100 artigos. No final de fevereiro, as duas câmaras aprovaram o projeto "Finalmente um sucesso se delineia após anos de trabalho", comemora Pinto, da ouvidoria de direitos humanos. Com a lei, pela primeira vez o feminicídiopassará a ser registrado no código penal boliviano. Assassinos de mulheres poderão ser condenados a até 30 anos de prisão, mesmo se o criminoso for menor de idade. Crimes sexuais também poderão, no futuro, ser punidos com até 20 anos de detenção. Além disso, o governo boliviano pretende mobilizar advogados e tribunais especialmente treinados e sensibilizados para o tema. Betty Pinto espera agora que mais mulheres vítimas reivindiquem seus direitos e possam levar uma vida sem violência. Também quelas que são maltratadas entre as quatro paredes do próprio lar. "Nós não podemos esperar até que outro assassinato ocorra", insiste a ativista. Autoria: Vera Freitag (jor) Revisão: Augusto Valente

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