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Ingo Schulze e o embate entre Leste e Oeste

12:26 | 22/02/2013
Nascido em 1962 na parte comunista da Alemanha, Schulze só começou a escrever após queda do Muro de Berlim. Se criticava o antigo regime da RDA, ele hoje considera a reunificação como uma anexação de fato. Uma das estrelas da atual cena literária alemã, Ingo Schulze é um dos autores mais traduzidos e comentados no mercado internacional e convidado frequente em palestras e festivais ao redor do mundo. Nascido em Dresden em 1962, na então Alemanha Oriental, ele chegou tarde à cena, começando a escrever e publicar apenas após a Reunificação Alemã, em 1990. Schulze foi inspirado a se voltar para a literatura pelo impacto social de autores como Sarah Kirsch e Wolf Biermann poeta-compositor de grande repercussão cultural e política, expulso da Alemanha Oriental em 1976. O livro de estreia de Ingo Schulze, a coletânea de contos intitulada 33 Augenblicke des Glücks (33 momentos de felicidade), foi lançado em 1995. As histórias são ambientadas em São Petersburgo, Rússia, onde o autor viveu por alguns anos. Em 1998, publicou o romance Simple Storys, que receberia elogios do futuro Prêmio Nobel Günter Grass, seguido de publicações menores, até o lançamento do épico epistolar Neue Leben (2005), publicado no Brasil como Vidas novas pela editora Cosac Naify, em 2009, ano do vigésimo aniversário da queda do Muro de Berlim. O livro teve grande repercussão na imprensa brasileira, sendo lançados no país também a coletânea de contos Celular 13 histórias à maneira antiga pelo qual o autor recebeu o Prêmio da Feira do Livro de Leipzig em 2007 , e o infantil Senhor Augustin. Brasil e Alemanha: paralelos políticos e literários Há paralelos curiosos entre a produção literária atual na Alemanha e no Brasil. O ano de 1989 teve acontecimentos políticos importantes para ambos os países em termos de redemocratização. Enquanto na Alemanha caía o Muro de Berlim, o Brasil voltava às urnas pela primeira vez desde o golpe de 1964 (ou seja, três anos após a construção do Muro de Berlim), o início da ditadura militar. Estudos mostram que, nos últimos anos, a literatura brasileira viu o crescimento marcante de narrativas em torno desse período de repressão, cujo fim só se anunciaria em 1985. Porém poucos países confrontam e são tão confrontados por seu passado quanto a Alemanha, e esses embates deixam marcas profundas na literatura do país. O século 20 e agora o 21 têm visto ondas recorrentes de reavaliação e leitura dos acontecimentos traumáticos num país onde foram regra. Seja Alfred Döblin narrando as consequências da Primeira Guerra Mundial sobre a República de Weimar em seu épico Berlin Alexanderplatz(1931), que se encerra com a ascensão nazista; sejam os mais diversos autores, como Bertolt Brecht, Heiner Müller ou Günter Grass descrevendo o período da ditadura nazista, desde a queda do Muro: a Alemanha viu surgir a Wendeliteratur a "Literatura da Virada". Esta trata do período em que as duas Alemanhas permaneceram divididas, por vezes cara a cara, por vezes tentando dar-se as costas. As transformações aceleradas dos primeiros anos da Reunificação são outra constante da produção recente. Anexação em vez de reumificação Na última década, essa releitura e reescrita do passado tanto na literatura como no cinema alemães tiveram uma polaridade que vai da nostalgia do filme Adeus, Lênin! (Wolfgang Becker, 2003), à descrição da vida sem liberdades sob o controle totalitário do governo, em A vida dos outros (Florian Henckel von Donnersmarck, 2006). Sem querer celebrar o passado dual comunista/capitalista do país, nem o presente uniformemente capitalista, a escrita de Ingo Schulze integra-se à forte tradição realista da literatura alemã, recorrendo por vezes a técnicas clássicas dos grandes romances do século 19, como se vê no uso do epistolar em Vidas novas. Crítico da vida sob o regime comunista, no entanto Ingo Schulze insiste em entrevistas que não houve uma reunificação mas sim uma anexação da Alemanha Oriental por parte da Ocidental, negando a ambas a oportunidade de uma transformação interna que apontasse para novos caminhos. Interesse pelos índios brasileiros A recepção de seu trabalho não é unânime no elogio. Vertido para o inglês pelo importante tradutor John E. Woods responsável pela tradução de gigantes da literatura alemã como Thomas Mann, Alfred Döblin e Arno Schmidt, todos autores de obras épicas , Ingo Schulze recebeu nos últimos anos alguns elogios sóbrios e algumas expressões de desapontamento na imprensa internacional. Sua prosa clara e seu domínio narrativo são louvados, e não se nega sua capacidade de criar alegorias convincentes sobre a dissolução de um mundo político. Entende-se, neste aspecto, que Günter Grass o aprecie, ou que um resenhista do New York Times tenha pensado em Milan Kundera ao ler seu trabalho. Para outros, sua escrita parece plana demais, as narrativas esquemáticas em suas alegorias. Ou, como apontou um crítico da revista norte-americana The Quarterly Conversation,a atenção dada a Schulze estaria melhor aplicada a autores mais experimentais, como Thomas Stangl ou Reinhard Jirgl. Ingo Schulze vive hoje em Berlim. Seus lançamentos mais recentes foram o romance Adam und Evelyn, finalista do Prêmio do Livro Alemão em 2008, e os contos/crônicas Orange und Engel (2009) além de artigos políticos publicados em antologias e jornais como o Süddeutsche Zeitung. Interessado pela sociedade indígena brasileira e suas inovações agrícolas, como a "terra preta", ele produziu em 2011, para os canais ZDF e 3sat, o documentário Rettung aus dem Regenwald? (Salvação vinda da floresta tropical?). Autor: Ricardo Domeneck Revisão: Augusto Valente

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