Trilha urbana no Mucuripe conta a história de Fortaleza
Projeto, que faz parte das atividades do Acervo Mucuripe e já é conhecido na Cidade, foi incorporado à programação oficial do Festival Bora
Na praça Nossa Senhora da Saúde, no coração do Grande Mucuripe, um grupo de pessoas se reuniu no começo da manhã deste domingo, 13, para conhecer a fundo a história de um dos mais tradicionais bairros de Fortaleza.
Procurando espaço entre os fiéis que acompanhavam a missa das 8h da manhã, o grupo olhava um mapa enquanto outro abastecia garrafas d'água, na preparação para as duas horas de caminhada pelas ruas do Mucuripe.
É + que streaming. É arte, cultura e história.
A trilha urbana, que desde 2017 faz partes das atividades do Acervo Mucuripe, é guiada por Diêgo di Paula e visa preservar a memória coletiva das comunidades que fazem parte do Grande Mucuripe.
"Geralmente nossos percursos acontecem de segunda a sábado. Com a inclusão da trilha na programação do Festival Bora, é a primeira vez que fazemos essa atividade em um domingo, e vamos observar uma movimentação diferente, as pessoas em casa, acordando mais tarde e em outra dinâmica", explicou Diêgo.
No trajeto de cerca de duas horas, o grupo percorreu ruas históricas do Grande Mucuripe enquanto discutia sobre acesso à cidade, políticas públicas, urbanismo, cultura e memória.
A própria inclusão da trilha na programação oficial foi tema de discussões. A iniciativa partiu da Secretaria Municipal da Cultura (Secultfor) em parceria com o Instituto Cultural Iracema (ICI).
De acordo com a Secultfor, a programação ampla e com uma diversidade de linguagens artísticas foi pensada justamente para alcançar diferentes territórios da Cidade.
Grande Mucuripe: uma história que vive nos olhos de quem conta
Saindo da Avenida Abolição, o grupo que participava da atividade virou à esquerda na rua Pedro Rufino. Na esquina, dois terrenos vazios e cercados denunciam os conflitos entre a comunidade tradicional e a especulação imobiliária.
Um deles já abrigou um popular cinema de rua, o Cine Cardoso, e o outro nunca recebeu nenhuma edificação em mais de 60 anos, mas abriga árvores frutíferas, como tamarindo e seriguela.
Até 2022, o terreno contava apenas com uma cerca, e os moradores podiam aproveitar as frutas abundantes da estação.
Hoje, um muro alto aparta a memória do território, enquanto o metro quadrado da região passa a valer cada vez mais.
Mas, com o trabalho do Acervo Mucuripe e a articulação entre lideranças comunitárias, a vida e a memória da região continuam a prosperar.
É o que relata dona Evani, 65, pintora, artista e uma das guardiãs do Beco dos Cará. A viela resguardada por um portão guarda a memória do bairro e dos mestres jangadeiros que lá moravam. Um deles, avô de Evani, está eternizado na parede de sua casa.
Ele foi um dos pioneiros do bairro, e quem primeiro teve a ideia de abrir um caminho no meio do terreno para dar passagem aos vizinhos e aos estudantes de uma escola que fica nas imediações do Beco.
Dona Evani se orgulha da frase gravada em sua parede: "nossa vida, nossas histórias".
"Me incomoda quando dizem que moramos em uma favela, com aquele tom de desprezo. Aqui é uma passarela, é um caminho que foi aberto pelos nossos avós e hoje todo mundo pode caminhar", relatou.
"Eu me sinto muito honrada de vocês entrarem aqui. Agora todos vocês fazem parte dessa história, parte dessa comunidade e vão explicar para os outros, onde quer que vocês forem, que aqui nós vivemos de uma forma honesta, exercendo nossa cidadania", concluiu entre aplausos do grupo.
A trilha encerrou perto do campo do Terra & Mar, onde a historiadora Ianna Uchôa, do Acervo Mucuripe, explicou sobre a luta dos jangadeiros em busca de direitos trabalhistas, em especial do Mestre Raimundo, homenageado com um mural.
Para ela, o legado desses homens e mulheres está diretamente associado à história e memória do Grande Mucuripe.
"Esses espaços da cidade, intencionalmente não vistos, precisam ser preservados. Estamos aqui para dizer que existimos, temos histórias e potência enquanto sujeitos e artistas", concluiu Ianna.
Trilha Urbana pelo Grande Mucuripe
Informações sobre novas datas da trilha podem ser encontradas nas redes sociais do Acervo Mucuripe, idealizado por Diêgo Di Paula.
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