Professor cearense adota ex-aluna ao encontrá-la no sistema de adoção

O homem e sua esposa tiveram suas vidas transformadas após o educador encontrar sua ex-aluna no sistema de adoção

06:00 | Jun. 17, 2025

Por: Carlos Daniel
Imagem de apoio ilustrativo. A pedido da família, a jovem não será identificada na matéria (foto: Reprodução / Shutterstock)

Ensinar não é uma tarefa fácil. Muitos que se aventuram nessa façanha enfrentam obstáculos pelo caminho, mas há quem transforme essas dificuldades em pontes para o amor. Foi o que aconteceu com o educador cearense Hermesson Nunes, de 29 anos.

Professor de robótica em uma escola de Fortaleza, ele não imaginava que uma aluna calada e introspectiva mudaria o rumo da sua vida e da sua família.

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Hermesson é casado com a professora de Língua Portuguesa Catarina Mesquita, de 30 anos. Eles se conheceram nos tempos da faculdade, em 2019. “Desde o começo do nosso relacionamento, já conversamos sobre a possibilidade de adotar uma criança, mas a decisão veio mesmo no início de 2024”, relata o casal.

Em abril, deram início ao processo de habilitação para adoção, que durou cerca de cinco meses. Foram etapas intensas de documentação, entrevistas, cursos e visitas domiciliares. No cadastro, o perfil desejado era o de uma criança de até nove anos — mas o destino tinha outros planos.

Mesmo lecionando em áreas diferentes, Hermesson e Catarina costumam compartilhar em casa as vivências com seus alunos. Foi assim que, entre conversas rotineiras, surgiu o nome de uma aluna que ele descrevia como “muito calada, pouco participativa, mas com uma energia diferente dos demais”.

Apesar da timidez e da dificuldade em acompanhar as aulas práticas de robótica, a menina mantinha um bom relacionamento com os colegas. “Algumas vezes ela conversava bastante, mas em outros momentos ficava muito retraída, com um olhar triste”, lembra Hermesson. “Eu sentia que ela precisava mais do que explicações técnicas. Ela precisava ser vista.”

Do acolhimento ao reencontro

Tudo mudou quando, durante o intervalo das aulas, Hermesson decidiu fazer uma busca no Sistema Nacional de Adoção e identificou uma adolescente cuja descrição lembrava sua ex-aluna. Foi um susto, pois ele nem sabia que a jovem estava no cadastro.

“O coração acelerou, mas, como eu não tinha certeza, guardei a informação e depois mostrei à Catarina. Após conversarmos, decidimos ir atrás”, relembra.

A jovem, de 13 anos, estava cadastrada na seção destinada a crianças e adolescentes com poucas chances de adoção. “Eu não a conhecia pessoalmente, só pelo o que o Hermesson contava. Quando ele me mostrou o perfil, senti receio pela idade, mas, ao mesmo tempo, parecia claro que era ela”, conta Catarina.

Após confirmarem a identidade com o setor de cadastro, receberam um vídeo da adolescente e não restaram dúvidas. “Ali foi a confirmação. Era ela. Nossa filha”, diz o docente, emocionado.

O reencontro e a construção do vínculo

A aproximação começou com visitas monitoradas. Três vezes por semana, o casal passava duas horas com a adolescente, sempre acompanhados por uma profissional da unidade de acolhimento. Com o tempo, os encontros foram se estendendo para os fins de semana.

“No começo, ela era muito tímida, tudo era novidade. Mas os jogos nos ajudaram bastante a quebrar o gelo”, conta o casal. Uma das lembranças mais marcantes foi quando a jovem lembrou a data de aniversário do educador e pediu para comemorar com ele no acolhimento.

“Foi um gesto que nos tocou profundamente. Nesse mesmo dia faríamos um almoço aqui em casa com toda a família e queríamos muito que ela viesse, mas sabíamos que isso era impossível. Foi um momento muito desafiador”, lembra Catarina.

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O olhar da jovem sobre a nova família

A adolescente, que não será identificada a pedida dos pais, conta que jamais imaginou ser adotada por um professor.

“Eu gostava das aulas, mas muitas vezes não participava porque sentia sono ou estava triste. Eu achava que ficaria no acolhimento até os 18 anos. Quando soube que ele e a esposa queriam me adotar, fiquei muito ansiosa”, conta.

O processo trouxe mudanças significativas para sua vida. “Hoje me interesso mais pelos estudos. Gosto muito dos momentos de cinema em casa, quando colocamos colchões na sala e dormimos todos juntos depois do filme.”

Sobre os novos pais, a jovem é objetiva: “Minha mãe é uma mulher forte e acho que meu pai sabe tudo. Eles sempre estão comigo quando eu mais preciso”.

Novos desafios e aprendizados

Para o casal, a chegada da filha transformou completamente a rotina. “Tudo mudou. Precisamos adaptar nossa casa e nossas agendas e aprendemos a lidar com novas responsabilidades. Mas o amor e a paciência têm guiado nosso caminho”, diz Catarina.

Entre os momentos difíceis, eles lembram de uma reação alérgica que a menina teve ainda no acolhimento. “Queríamos estar com ela no hospital, foi angustiante. Depois, ela pediu para vir para casa e conseguimos buscá-la com autorização”, relata o casal.

Outro episódio que selou o vínculo foi o retorno para o abrigo após um fim de semana em família. “Ela foi o caminho todo triste. Ali entendemos que ela já se sentia parte da nossa casa.”

O papel da Defensoria Pública

Segundo a defensora pública Sandra Sá, o caso seguiu todos os trâmites legais e não houve nenhum tipo de favorecimento devido à ligação anterior entre o professor e a adolescente.

“Neste caso, houve uma coincidência. O professor nem sabia que ela estava no cadastro. Foi durante uma busca ativa que ele acabou encontrando a adolescente, só tendo a confirmação de que realmente era ela dias depois”, explica.

Sandra reforça que todo o processo de vinculação entre adotantes e crianças é feito por meio do Cadastro Nacional de Adoção, gerido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A Defensoria Pública entra no processo apenas após a etapa de vinculação, atuando judicialmente na ação de adoção.

“O setor de vinculação do fórum é responsável por essa aproximação. Quando a criança já está vinculada ao casal, é que recebemos o caso e entramos com a ação judicial. Seguimos rigorosamente os critérios legais definidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”, esclarece.