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Professores se adaptam às dinâmicas do ensino remoto para ensinar protagonismo e autonomia aos estudantes

Nesta quinta-feira, 15, é comemorado o Dia do Professor. Saiba como foi a adaptação dos educadores para a rotina das aulas remotas e como eles têm feito a diferença para os estudantes
16:22 | Out. 14, 2020
Autor Ismia Kariny
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Ismia Kariny Estagiária O POVO online
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Tipo Notícia

O Dia do Professor é comemorado nesta-quinta-feira, 15. Os profissionais da educação trabalham com ardor durante a pandemia, para fazer a diferença na vida de estudantes, que, assim como os professores, precisaram se readaptar. O ensino remoto tem seus benefícios, reconhecem os educadores. E é um formato que veio para ficar. Contudo, a jornada da mudança deve ser observada com cautela, para minimizar impactos na educação de estudantes e evitar sobrecarga desses profissionais.

A interrupção das atividades presenciais foi um processo difícil para toda a comunidade de educadores. Lidar com um cenário de ensino virtualizado, com novas tecnologias e pouca formação na metodologia de ensino a distância foi um desafio. Principalmente para os alunos, que não estavam familiarizados com o novo formato; e para os pais e responsáveis, que, mais do que antes, precisaram adotar um postura ativa de colaboração com a escola e acompanhamento da educação dos filhos.

Apesar disso, o principal cenário observado pelos educadores é a falta de capacitação para lidar com o ensino virtual; e a estrutura e recursos precários para atender a demanda dos estudantes que, nem sempre, possuem as tecnologias necessária para participar de forma efetiva do ensino remoto. Somado a isso, há ainda as consequências para a saúde mental dos profissionais, provocadas pela nova dinâmica de atuação.

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Adaptação a novas tecnologias

Professora de Língua Portuguesa, Neila Moraes conta que o primeiro momento após a suspensão das atividades na escola foi o mais difícil. Como tudo era novo, alguns professores tiveram problemas em aprender a usar os recursos necessários para o ensino virtual. Essa mudança também foi sentida pelos pais e alunos, que tiveram um longo processo para se adaptar às estratégias das escolas.

Na Escola de Educação Básica (EEB) Professora Alba Herculano Araújo, onde Neila leciona, a administração decidiu utilizar os meios disponíveis na internet para manter as atividades de ensino. Com a ferramenta Classroom, do Google, eles podem orientar e acompanhar as atividades dos alunos. Para os estudantes que não tem acesso à rede, a alternativa foi buscar outras formas de motivar e garantir a permanência desses estudantes na escola, como o acompanhamento por telefone e a entrega das atividades publicadas em cadernos, para os estudantes.

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Algumas vezes, relata Neila, a gestão da escola precisou ir até a casa dos alunos para conversar e entender porque ele não estava participando das atividades. "A gente luta muito com a questão da inadimplência dos alunos e o abandono da família. Como a gente já pode receber um número de pessoas na escola, estamos convocando os pais, porque o telefone não está mais resolvendo. Tem aluno que já pode ser considerado evadido, porque não entrega nada, e a atividade é a presença", comenta a professora, que dá aula para turmas do 7º e 9º ano, no distrito de Taíba, em São Gonçalo do Amarante.

Segundo Neila, a instituição já havia inserido tecnologias, como grupos de WhatsApp, na relação com a família dos discentes. Com a suspensão das aulas, foi necessário aprimorar apenas a comunicação e a organização, para que os conteúdos fossem repassados com clareza e para que as atividades fossem cumpridas adequadamente. Embora pareça simples, esse processo de adaptação foi árduo para os educadores, que tiveram sobrecarga de trabalho e sentiram a perda da privacidade.

“A gente trabalha muito mais do que antes, daríamos tudo para estar em sala de aula. O número do whatsapp não é mais pessoal, a gente trabalha até 22h da noite; tenho um colega aqui que disse que quando o celular apitava, dava vontade de chorar”, relata Neila. “Eu trabalho mais do que antes, mas, de tudo, o que me entristece é isso: os alunos que não querem participar. É por isso que eu corro atrás", comenta a professora.

Virtualizar não basta

Para a professora universitária Renata Brito, a maior dificuldade no ensino remoto foi a adaptação para uma realidade que os professores não estavam preparados. Segundo a professora, houve apenas uma virtualização do formato de ensino presencial. “O ensino que a gente tem agora na pandemia não é um ensino EAD como é pregado”, sustenta Renata, explicando que a metodologia de Ensino a Distância (EAD) possui sua própria estrutura.

No entendimento da professora, só virtualizar não basta. “Não surtiu muito efeito, porque no presencial você consegue manter a atenção dos alunos. Mas, no virtual, eu tive de agregar metodologias mais ativas, como joguinhos, para o aluno ficar mais concentrado; para saber que ele está lá”, detalha. Segundo a professora, essa é uma das dificuldades do ensino remoto. Como muitos alunos preferem desligar a câmera, os professores não conseguem perceber o acompanhamento que eles têm das aulas.

"Os alunos estão se esforçando mais para tentar acompanhar o virtual. Mas o que a gente vê mesmo é a falta do relacionamento pessoal, de estar presente com o aluno. Isso faz a diferença", destaca. A professora, no entanto, admite que um dos pontos positivos do ensino remoto foi a percepção de como Internet pode ser uma ferramenta de auxílio à formação e busca pelo conhecimento.

Essa reflexão contribuiu para sua forma de interagir com os alunos, como uma oportunidade de fazê-los entender a importância do protagonismo do estudante na sua educação. “Se o aluno fazia pergunta e eu não tinha a resposta, estimulava todos a procurarem artigos [sobre o assunto]”, comenta a professora. “Então, eles conseguiram perceber que se você tem condição de estar buscando [conhecimento] e um professor para orientar, esse conhecimento fica mais acessível”.

Conforme a professora, o acesso aos recursos tecnológicos também deve ser levado em consideração. Ela reconhece que nem todos os alunos têm os meios disponíveis, e os professores podem contribuir de muitas formas nesse processo. “Facilitando até mesmo a questão de uma leitura de um artigo ou de uma matéria que eles não tenham tanta maturidade para entender”, exemplifica. Renata acrescenta que, algumas vezes, os próprios alunos a ajudaram a entender informações sobre a rede que ela não conhecia. E esse crescimento em grupo é algo que ela pretende agregar na sua carreira.

Ensinar na ausência

Para o professor de educação física da Escola Municipal De Tempo Integral Professor José Júlio da Ponte, Fabrício Leomar, a maior dificuldade do ensino remoto é planejar na ausência. Segundo o educador, os docentes não foram formados para criar planos de aula ou estratégias de ensino, distantes dessa relação de professor e aluno - sobretudo quando se pensa em educação física, que requer atividades práticas.

Para minimizar as dificuldades, Fabrício pensou em estratégias de ensino voltadas para a aprendizagem compartilhada e a promoção do senso crítico dos alunos. A ideia é desenvolver a autonomia e protagonismo desses estudantes, para que eles compreendam a realidade que vivem e consigam transformá-la. As aulas teóricas abordam assuntos que sejam atuais e interessem os alunos. Como exemplo, ele cita as manifestações antirracistas no Brasil e nos Estados Unidos, que ocorreram entre maio e junho deste ano. À época, o professor aproveitou para trabalhar com os estudantes a questão do racismo no esporte.

A ausência também representa uma outra dificuldade para o professor. Fabrício explica que, como a escola é em tempo integral, ele estava sempre em contato com os alunos na hora do intervalo ou do almoço. E agora, com o ensino virtualizado, ele sente que perdeu esse relacionamento próximo. “Acho que esse foi o principal peso. Por todas as dificuldades, senti mais falta desse contato, da conversa, de estar ali para o que precisar”, comenta. Segundo Fabrício, os alunos também sentem essa falta e afirmam que, com a pandemia, perceberam o valor da escola.

“Pra mim foi o grande destaque, pensar que no possível retorno, em 2021, ele voltam mais conscientes do valor da escola e do trabalho dos profissionais de educação nesse País”, acrescenta. Conforme o professor, o ensinamento que ele vai levar para a vida profissional é que a tecnologia é importante, mas não pode ser uma “bengala para todos os problemas”. “É saber equilibrar a tecnologia com a aprendizagem presencial e ampliar esse uso com formação para professores e com acesso para os estudantes”, finaliza.

Efeitos sobre a saúde mental

De acordo com a psicóloga e professora do curso de psicologia do Centro Universitário Fanor (Unifanor), Diva Barreto, os profissionais da educação já enfrentam na sua rotina regular de trabalho uma certa medida de sobrecarga. Com a pandemia, a linha que separa a vida pessoal das atividades profissionais se tornou quase inexistente. Somada à urgência para se adaptar às novas dinâmicas de ensino, com o uso de tecnologias que não estavam habituados, o resultado foi o agravamento de crises de ansiedade e estresse.

“A carga de trabalho do professor aumentou, as exigências aumentaram, e isso causa um cansaço muito grande entre os professores. A gente teve que se readaptar e aprender a manusear recursos digitais. Foi um esforço a mais para fazer nosso trabalho da melhor forma possível para nossos alunos”, relata a psicóloga. Essa sobrecarga, acrescenta Diva, não é saudável e pode repercutir negativamente na saúde da mente e do corpo.

Ela reconhece que toda mudança e adaptação é um processo difícil. Mas que os educadores precisam estar atentos a sua saúde, e, na medida do possível, acrescentar atividades prazerosas no seu dia a dia. Além de separar horários para se distanciar do uso de computadores e celulares, por exemplo, que são utilizados no trabalho. “É importante manter uma rotina em relação às atividades [do trabalho], para que elas não acabem adentrando a madrugada, na hora do almoço, muito cedo na manhã. Isso pode ajudar a gente a conseguir dividir melhor as coisas”, acrescenta Diva.

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Uma sugestão da psicóloga, para inserir atividades de lazer a rotina, é a organização para que as tarefas laborais sejam cumpridas até determinado horário, ou para ter um dia livre de descanso. “Tudo é uma questão de a gente conseguir se organizar. Porque a gente precisa acrescentar na nossa rotina atividades prazerosas, não só trabalho. Então, ver um filme que você gosta, ler um livro, assistir uma série…”, exemplifica. Conforme Diva, a organização e a atenção para o tempo de lazer, são formas de evitar que a exaustão e o estresse cheguem a níveis extremos, que prejudicam mentalmente e emocionalmente a vida dos professores.

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