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UFC rejeita o programa Future-se

A decisão foi tomada pela maioria dos membros do Conselho Universitário (Consumi), em reunião realizada nesta tarde.
19:26 | Ago. 14, 2019
Autor O Povo
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Tipo Notícia

A Universidade Federal do Ceará (UFC) informou em nota divulgada nesta quarta-feira, 14, que não irá aderir ao Future-se, programa anunciado em julho pelo Ministério da Educação (MEC). A decisão foi tomada pela maioria dos membros do Conselho Universitário (Consuni), em reunião realizada nesta tarde. 

Assim como a UFC, a Universidade Federal do Cariri (UFCA) e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) manifestam-se publicamente contrários à adesão ao programa federal. O reitor da UFC, Henry Campos, leu a "Declaração dos reitores das instituições federais de ensino superior do Ceará".

No documento, os reitores afirmam que o programa “resulta em uma fórmula de gestão que, se implantada, descaracterizará completamente essas instituições, submetendo-as à lógica dos interesses privados”. Apontam também preocupação com o fato de o programa ter sido lançado sem apresentar detalhes e “sem a participação das IFES na construção inicial da proposta”.

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"O que se escancara, aos nossos olhos, é que se encontra em marcha uma estratégia para reduzir a presença do Estado na garantia do direito à educação e, ao mesmo tempo, abrir à financeirização do ensino público, transformando-se a educação em mercadoria que tem o lucro – e não o compartilhamento, a geração e difusão do conhecimento – como objetivo final", afirma o texto.

Confira a declaração na íntegra:

"Os gestores da Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal do Cariri (UFCA) e Instituto Federal do Ceará (IFCE), surpreendidos com o recente lançamento do programa “Future-se”, pelo governo federal, vêm a público manifestar seu pensamento sobre a proposta, que, por sua superficialidade e intempestividade, suscita mais indagações que respostas.

Explanamos, a seguir, o que nos leva a assim pensar:

1. O chamado “Programa Institutos e Universidades Empreendedoras”, apresentado às Universidades e Institutos Federais para discussão sumária, resulta em uma fórmula de gestão que, se implantada, descaracterizará completamente essas instituições, submetendo-as à lógica dos interesses privados. Com uma proposta de desenvolver ações em três eixos – Gestão, Governança e Empreendedorismo; Pesquisa e Inovação; Internacionalização – o “Future-se” prevê o ingresso de Organizações Sociais para gerir as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), sem apresentar detalhes, sem a participação das IFES na construção inicial da proposta, o que a transforma em verdadeira “carta branca” para ser assinada, ou não, pela comunidade universitária, sem descuidar do aviso de que a IFES que não manifestar adesão ficará entregue à própria sorte.

2. Apesar da insegura e profunda mudança de rumos que a proposta traz para a Universidade Pública e Gratuita, as IFES foram mantidas ao largo, quando de sua elaboração, atitude sem precedentes na história do Ministério da Educação (MEC) que, tradicionalmente, manteve uma linha de dialogo com a Universidade Pública e Gratuita. Ancorado em preconceituosas posturas, o MEC preferiu que a briosa comunidade de professores, alunos e servidores técnicoadministrativos das Universidades e dos Institutos Federais fosse alijada da discussão, ignorando o fato de que seus gestores, escolhidos democraticamente por servidores e estudantes, gozam da mais ampla legitimidade.

3. Parca no detalhamento, a proposta delineia um futuro incerto e perigoso, enquanto esquece um presente de dolorosa crise orçamentária. Hoje, as IFES se encontram em situação de pré-colapso orçamentário, causado pelo bloqueio de aproximadamente 30% de seus orçamentos de custeio e capital. Assim, estão comprometidas importantes obrigações básicas, como despesas de água, luz, limpeza e outros serviços terceirizados, bem como a segurança patrimonial e pessoal.

4. O “Future-se” não prevê análise de impacto. Não considera especificidades, tão naturais em um país com a dimensão do Brasil. Não apresenta qualquer proposta de expansão do Ensino Superior. Ignora a Extensão universitária. Ignora que, por preceito constitucional, nossas instituições são públicas e gratuitas. Permite que agentes externos, sem necessidade de licitação, intervenham tanto na gestão como nas políticas acadêmicas – um atentado ao princípio da autonomia. Desconsidera o fato de que qualquer política séria para Ciência, Tecnologia e Inovação deve assentar-se em um financiamento estável, previsível, imune às oscilações do mercado, tão encontradiças no ambiente privado. Desconsidera o fato de que a pluralidade dos cursos ofertados, especialmente os das áreas de humanas, possuem especificidades por vezes diferentes dos das áreas de saúde, tecnologias e ciências. O Programa não se aprofunda nestes detalhes tão importantes e lógicos. O Programa desconsidera as diferenças regionais entre os estados da federação, seus índices de industrialização e oportunidades.

5. A proposta menciona a criação de um fundo com dotação orçamentária inicial de R$ 102,6 bilhões, sendo R$ 50 bilhões oriundos dos recursos das universidades, e o restante oriundo de fontes diversas, como alienação de bens das instituições, parcerias público-privadas e fundos constitucionais. Preocupa-nos, sobremaneira, o fato de que tais fontes são reguladas por legislações específicas, não podendo ter suas finalidades desvirtuadas sem discussão e aprovação do Congresso Nacional, e ainda o fato de que essas mesmas fontes financiadoras são finitas, escassas e dependentes de políticas econômicas que podem colocar em risco a própria existência do “Future-se”. O que se escancara, aos nossos olhos, é que se encontra em marcha uma estratégia para reduzir a presença do Estado na garantia do direito à educação e, ao mesmo tempo, abrir à financeirização do ensino público, transformando-se a educação em mercadoria que tem o lucro – e não o compartilhamento, a geração e difusão do conhecimento – como objetivo final.

6. Não existe, de fato, qualquer garantia de que as formas anunciadas para captação de recursos no mercado atendam aos objetivos das universidades, pois os investimentos que interessam ao setor privado são aqueles com potencial de lucro imediato. Já a pesquisa básica, que não tem aplicação imediata – mas que é estratégica e fundamental para a construção do conhecimento futuro, que se tornará posteriormente em aplicado, e na perspectiva de uma independência econômica, social e tecnológica futura – esta seria, certa e fatalmente, relegada a segundo plano pelos investidores. Advém, igualmente, sério risco de subfinanciamento para a área de Ciências Humanas e Sociais. Cabe indagar, por exemplo, qual seria o interesse do capital especulativo e utilitarista em financiar pesquisas sobre a pobreza, a marginalidade, a violência, o preconceito e outros temas do mesmo jaez.

7. O plano do MEC surpreende ao apresentar como novidade aquilo que as universidades já operam, há muito tempo, com êxito. Iniciativas como as de internacionalização, parcerias diversas com empresas e governos, exploração de patentes e outros incentivos previstos no programa já são utilizadas pelas Instituições Federais, originando recursos suplementares e ensejando projetos inovadores, com indiscutível impacto social e econômico.

8. Recém-saídas de um ciclo de forte ampliação e crescimento qualitativo, as IFES brasileiras têm grande potencial para prover o suporte de que o País necessita, visando ao desenvolvimento de uma estrutura sólida de Ciência, Tecnologia, Inovação e demais áreas do conhecimento. É essa a fórmula que, em vários quadrantes do planeta, elevou nações periféricas ao patamar de potências econômicas. O Brasil de hoje, minado pelas incertezas, com a economia engessada e uma preocupante radicalização na política, necessita, mais que nunca, do importante patrimônio intelectual abrigado nas Instituições Federais de Ensino Superior. Não é com a fragilização da Educação e com as tentativas de desacreditar a comunidade acadêmica que se encontrarão saídas para a crise. A hora é de retomar os investimentos na Educação e voltar a pensar na ampliação e consolidação das IFES – respeitadas em seu status de instituições públicas, gratuitas e autônomas – como solução mais sábia para levar o Brasil de volta ao caminho do desenvolvimento seguro e sustentável."

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