Pessoas trans ganham 32% menos no mercado formal, diz Ipea

Pela primeira vez, o Ipea mapeia pessoas trans em empregos formais e revela desigualdades de renda, região e gênero no mercado brasileiro

21:02 | Out. 22, 2025

Por: Mariah Salvatore
Estudo inédito mostra que só 1 em cada 4 pessoas trans têm emprego formal no Brasil (foto: Lorena Louise/Especial para O POVO)

Um estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que apenas 25% das pessoas trans têm emprego com carteira assinada, índice quase sete pontos percentuais abaixo da média nacional.

O levantamento integra o Boletim Mercado de Trabalho nº 80 e foi elaborado pelos pesquisadores Filipe Matheus Silva Cavalcanti, Felipe Vella Pateo e Alberto Luis Araújo Silva Filho, da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc/Ipea).

A pesquisa apresenta uma metodologia inédita para identificar a população trans em bases oficiais, cruzando dados do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) — registros que, até hoje, não informavam identidade de gênero.

Invisibilidade histórica e avanço metodológico

A técnica permitiu identificar 38,7 mil pessoas trans com idade entre 14 e 64 anos. Quase metade delas (47,6%) realizou a retificação de nome e gênero entre 2023 e 2025, e 45,8% possuem nome social registrado.

Segundo os autores, é um passo fundamental para tornar visível uma população historicamente apagada das estatísticas oficiais.

“A ausência de dados sobre identidade de gênero é um dos maiores obstáculos para entender e enfrentar as desigualdades vividas por pessoas trans”, afirmam os pesquisadores.

A maioria das pessoas identificadas está na faixa de 18 a 30 anos (59,8%), com maior concentração no Sudeste (51,1%), seguido pelo Sul (15,9%). As regiões Norte e Nordeste aparecem com menor representatividade.

Mulheres trans enfrentam as piores barreiras

Os números mostram que as desigualdades são mais acentuadas entre mulheres trans, cuja taxa de inserção é de apenas 20,7%, frente a 31,1% entre homens trans.

Mesmo nas regiões economicamente mais dinâmicas, como Sul e Sudeste, as barreiras à contratação e à permanência no emprego seguem elevadas.

Além disso, o estudo revela que os rendimentos médios das pessoas trans são 32% menores que os da população total. Enquanto a média nacional é de R$ 3.987, pessoas trans recebem cerca de R$ 2.707 por mês.

Mesmo entre quem tem ensino superior, a diferença permanece: 27,6% a menos em comparação a profissionais não trans com o mesmo nível de escolaridade.

Setores de baixa remuneração e pouca estabilidade

Mais da metade das pessoas trans com emprego formal estão concentradas em comércio, atividades administrativas e de serviços e alojamento e alimentação — setores marcados por baixos salários e alta rotatividade.

A presença no serviço público também é mínima: apenas 5,5% têm vínculos estatutários, proporção duas vezes menor que a da população geral.

“Esses dados reforçam que as pessoas trans continuam confinadas em postos de trabalho de menor prestígio e proteção trabalhista”, destacam os autores.

Raça e gênero agravam desigualdades

A desigualdade é ainda mais dura quando cruzada com cor e raça. Pessoas trans negras, pardas e indígenas ganham consideravelmente menos que pessoas trans brancas, e também menos que pessoas não trans da mesma cor.

Uma pessoa trans preta, por exemplo, recebe em média 80% do salário de uma pessoa trans branca e 26% a menos que uma pessoa preta na população geral.

Os pesquisadores alertam que os números ainda representam apenas parte da realidade. Isso porque a metodologia alcança apenas quem conseguiu alterar nome e gênero nos documentos, um processo que ainda enfrenta custos e burocracias.

De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), mais de 60% das pessoas trans no país ainda não conseguiram fazer essa retificação.

Do dado à ação

O estudo conclui que o desafio agora é transformar evidências em políticas públicas. Os autores defendem ampliar as bases de dados para incluir outras formas de trabalho, como o microempreendedorismo individual (MEI) e o trabalho doméstico, além de estudos sobre os impactos diretos da discriminação na progressão profissional.

“A visibilidade é o primeiro passo. Só é possível combater a desigualdade quando o Estado reconhece e enxerga quem está sendo deixado para trás”, afirmam os pesquisadores.

O estudo completo “A inserção e as características das pessoas trans no assalariamento formal” está disponível no site do Ipea.

Entenda o Dia Nacional da Visibilidade Trans | Trailer O POVO+

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