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"Nova CPMF" digital impacta no preço dos produtos e deveria substituir outros impostos, analisam especialistas

A proposta do governo é tributar todas as transações financeiras que ocorrem de forma digital com uma alíquota entre 0,2% e 0,4%
14:23 | Jul. 17, 2020
Autor Lais Oliveira
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Lais Oliveira Estagiária do O POVO Online
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Tipo Notícia

A reforma tributária voltou ao debate público nesta semana. Entre as propostas do governo está a criação de um novo imposto, nos moldes da antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que incidiria sobre o comércio eletrônico, incluindo toda e qualquer transação financeira digital. Especialistas ouvidos pelo O POVO indicam que a nova taxa pode impactar no preço final dos produtos e precisa vir substituindo impostos existentes.

De acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, a ideia da nova CPMF digital é tributar todas as transações financeiras que ocorrem de forma digital com uma alíquota entre 0,2% e 0,4%. Isto é, para cada R$ 100 de operação realizada, por exemplo, seria cobrado de R$ 0,20 a R$ 0,40 centavos de imposto. Isso inclui desde compras online até a assinatura na Netflix, por exemplo.

“Se você comprar uma máquina de lavar pela internet você vai pagar 0,2% do valor dela. E por aí, vai”, didatiza o economista Christiano Penna, professor da Pós-Graduação em Economia (Caen) da Universidade Federal do Ceará (UFC).

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Para Penna, isso pode ser um problema porque o imposto se torna cumulativo. Ou seja, em uma cadeia de produção muito extensa, com vários tipos de transação financeira, o custo da tributação a cada operação deve refletir no preço final do produto. “No final das contas, você não vai pagar só 0,2%”, avalia.

Ele acrescenta que um eventual alívio na folha de pagamento para as empresas e, consequentemente, geração de mais empregos, depende de qual vai ser a proposta final do Planalto. “Tudo ainda é muito nebuloso. Há especulação de baixar o imposto de renda, mas cortar gasto com saúde e educação. Isso pode atrapalhar a classe média”, afirma.

O professor Carlos César Sousa Cintra, do Departamento de Direito Público da UFC, também prevê um impacto direto para o consumidor sobre o valor total a ser desembolsado para quem utilizar o pagamento digital, “especialmente ao adquirir produtos do comércio eletrônico”.

Na visão de Cintra, doutor em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), a tributação do comércio digital é uma tendência irreversível. “Mas ela deverá vir em substituição a certos tributos hoje existentes no atual sistema tributário brasileiro, e não ser adicionada ao conjunto de tributos que presentemente oneram os contribuintes”, completa.

Também economista, Gevano Rios é favorável à ideia da nova CPMF digital, mas com ressalvas. Ele acredita que deve ser estabelecido um limite para a isenção ao imposto, dando cobertura à maioria dos brasileiros assalariados e atingindo a parcela das pessoas com maior nível de renda per capita, ou seja, aqueles que apresentam grandes movimentações financeiras.

“O limite seria a definir. Quem movimenta um valor X estaria isento desta CPMF. A maioria do povo brasileiro assalariado não tem alterações financeiras de grande vulto”, defende. Rios, que também é auditor da Secretaria da Fazenda do Ceará (Sefaz-CE), cita outras categorias de isenção como possibilidades. Entre elas, operações bancárias maiores para compra de bens, como unidades individuais de casas ou carros, por exemplo.


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Comércio eletrônico em alta

Segundo a Receita Federal, em 2020, o comércio eletrônico teve vendas crescentes em quantidade e em volume. A tendência de elevação intensificada ocorreu a partir de março. Em relação ao mesmo mês de 2019, a média diária de vendas apuradas com a nota fiscal eletrônica neste ano cresceu 20,6% em março, 17,5% em abril, 37,4% em maio e 73,0% em junho.

O economista Christiano Penna analisa que a tática do governo de tributar o comércio eletrônico pode ser boa para aumentar a arrecadação de imposto, com o mercado digital em alta. Mas pondera que a nova CPMF ainda não foi completamente esclarecida em seus detalhes. Existe a promessa de alteração de diversos outros tributos, mas não se sabe em que medida.

“Tudo vai depender muito de como o governo vai compensar a criação desse imposto. Para não ampliar [a carga tributária], esse novo imposto vai ter de ser compensado pela redução do Imposto de Renda, por exemplo, mas não tivemos acesso à proposta do governo”, enfatiza Penna.

O ministro Paulo Guedes sustenta que o objetivo do Governo é justamente não taxar mais a população. Ele argumenta que só há um jeito para reduzir e simplificar as alíquotas: ampliando a base. "Quando se fala em imposto sobre pagamentos digitais, a ideia é justamente ampliar a base. Se todo mundo pagar um pouquinho, você não precisa pagar muito",disse. Ele rebateu as críticas dizendo também que o novo imposto é "feio, mas não é tão cruel". 

Congresso buscará frear proposta

No Congresso Nacional, a nova CPMF digital deve enfrentar resistência. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) já se manifestou contra a sugestão. “Não há espaço para debater uma nova CPMF. Nossa carga tributária é alta demais, e a sociedade não admite novos impostos”, escreveu ontem, 16, em uma rede social.


Apesar disso, Maia defendeu unidade entre Câmara, Senado e o Governo Federal para aprovação da reforma tributária no sentido de colaborar na retomada econômica. Guedes prometeu ir pessoalmente entregar a primeira fase de sua proposta na próxima terça-feira, 21. 

Veja alguns prós e contras da nova CPMF digital, segundo especialistas

1. Efeito cumulativo sobre o preço dos produtos
O novo imposto pensado pelo Governo é comparado com a antiga CPMF, que girou em torno de 0,2% a 0,38%, e incidia sobre todas as movimentações bancárias, exceto em negociações de ações na Bolsa, saques de aposentadorias, seguro-desemprego, salários e transferências entre contas correntes de mesma titularidade.

A antiga CPMF gerava uma receita tributária em torno de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do País. No final das contas, ela gerava mais arrecadação do que esses 0,2%, como deve ocorrer com a nova CPMF no comércio digital.

Por seu efeito cumulativo, ela deverá ser sentida no preço final das compras online, por exemplo, pesando no bolso do consumidor. A notícia boa para o Governo, porém, é que haverá mais arrecadação. O volume de receita pretendido gira em torno de R$ 100 bilhões por ano.

2. Recuperação do PIB

Com a pandemia causada pela Covid-19, diferentes setores econômicos foram fortemente atingidos. O Governo criou o auxílio emergencial para trabalhadores informais e pessoas de baixa-renda, e já repassou cerca de R$ 121,1 bilhões, o que equivale a 6.6% dos gastos públicos. Assim sendo, o Planalto busca formas de financiar esse gasto emergencial. A nova CPMF digital seria uma saída para isso.

Fazendo alguns cálculos: a previsão de recuo no PIB estimada pelo Governo está entre -4,7% e - 6,6%. Considerando que o produto interno bruto de 2019 foi de R$ 7,3 trilhões, uma queda de 6% deve resultar em um PIB de R$ 6,85 trilhões.

Se a nova CPMF corresponder a cerca de 1,5% desse PIB, como a antiga, e o PIB for de R$ 6,85 trilhões em 2020, a receita com o imposto novo seria de aproximadamente R$ 103 bilhões a mais no orçamento. Contudo, esse valor dependerá muito da alíquota final, que tem pretensão de ser fixada entre 0,2% ou 0,4%.

3. Diminuição na evasão fiscal

A princípio, a tentativa de evasão fiscal da nova CPMF digital, isto é, “fugir” do imposto para não pagá-lo, só seria possível lidando com dinheiro em espécie, saindo das transações digitais. No entanto, isso é uma prática cada vez menos recorrente. Portanto, seria mais dificultoso “evitar” esse pagamento.

4. Possível desoneração da folha de trabalho

Isso dependerá da proposta final do Governo e do bojo da reforma tributária como um todo. Caso haja uma compensação adequada na redução de outros impostos, pode ser viável melhorar a empregabilidade. Porém, não está claro de que modo o Governo deve alterar outros tributos.

5. Modernização do sistema tributário

Os sistemas financeiros digitais estão em ascendência e tributar esse ambiente virtual deve facilitar a cobrança para o Governo. O novo imposto seria extremamente fácil de ser cobrado. Assim como a antiga CPMF, tão logo a transação é realizada, o tributo é descontado e já direcionado para as contas do Tesouro. Logo, ocorreria desburocratização considerável no sistema tributário.

com informações da Agência Brasil


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