O ano em que resolveram pular dez dias do calendário

As pessoas foram dormir no dia 4 e acordaram no dia 15 de outubro de 1582

Cinco de outubro de 1582 nunca existiu. Nem o dia seis, nem o sete, nem o oito... Na verdade, dez dias sumiram do calendário que conhecemos hoje. As pessoas foram dormir na quinta, 4, e acordaram na sexta, 15, daquele ano do século XVI.

Para entender porque aqueles dias foram retirados do calendário, precisamos voltar no tempo.

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A história do calendário

Provavelmente, você já ouviu falar do calendário maia (aquele que supostamente "previa" o fim do mundo em 2012), do calendário chinês, do judaico... Ao longo dos séculos foram usados vários tipos de calendário para contar os dias em diferentes sociedades e culturas ao redor do mundo. Existem aproximadamente 40 calendários em uso ainda hoje.

De uma forma geral, esses “contadores de tempo” se baseiam na translação e rotação da Terra em torno do Sol ou nas fases da Lua, e podem ter três classificações: os solares, os lunares e os lunissolares.

 

O primeiro registro que se tem de um objeto manuseado para contagem do tempo é o "Osso de Lebombo", que foi encontrado na África do Sul por volta de 35.000 a.C.

O osso é uma parte da perna de um babuíno. Pesquisadores encontraram nele pequenos riscos parecidos com traços, possivelmente referentes ao calendário lunar.

Dentre as civilizações antigas, os sumérios tinham um calendário parecido com o que conhecemos hoje. Era um ano dividido em 12 meses de 30 dias.

Na Babilônia, o "contador de tempo" era constituído com base nas lunações. Eles observaram que a lua levava cerca de 29,5 dias para completar o ciclo entre nova, crescente, cheia e minguante.

O ano então era constituído de 12 meses de 29 dias porque a soma era igual ao ciclo das estações, o que correspondia a um ano lunar, que totaliza 354 dias. 

Mas o problema é que o astro que rege as estações - e, portanto, o período de plantio e colheita - é o sol. Dessa forma, o ano solar tem 365,4 dias pois é tempo necessário pela Terra dar uma volta ao redor do sol, enquanto o ano lunar dura 354 dias.

Já os egípcios utilizavam um calendário que possuía 360 dias, divididos em 12 meses de 30 dias, e acrescentavam mais cinco dias no final de cada ano.

Acredita-se que ele esteja ligado às estações que marcavam atividades agrícolas após ocupação das margens do rio Nilo. Eram elas: Akhet, Peret e Chemu, ou, estação das inundações, das sementeiras e da colheita, respectivamente.

Na Grécia não existia um calendário único, isso porque cada cidade-Estado representava uma entidade política autônoma, porém eram bem parecidos uns com os outros. Os gregos utilizavam os calendários lunissolares, que tinham 12 meses, podendo conter 29 ou 30 dias, totalizando 354 dias.

Para ficar mais próximo ao ano solar, acrescentava-se, de forma não regular, um 13° mês de 22 dias ou 23 dias (dietérida). Assim, as estações não ficariam tão defasadas com o passar do tempo. 

Os romanos e a origem do ano bissexto

O primeiro calendário romano coincide com a fundação da cidade por Rômulo, o primeiro rei de Roma, em 753 a.C. Inicialmente, ele possuía 10 meses, totalizando 304 dias.

Eram eles: 

Martius Março - 31 dias, dedicado a Marte
Aprilis Abril - 30 dias, dedicado a Apolo
Maius Maio - 31 dias, dedicado a Júpiter
Junius Junho - 30 dias, dedicado a Juno
Quintilis Quintílio - 31 dias, número ordinal
Sextilis Sextílio - 30 dias
September Setembro - 30 dias
October Outubro - 31 dias
Nouember Novembro - 30 dias
10°December Dezembro - 30 dias

 

Numa Pompílio, o segundo rei de Roma, foi o responsável pela primeira reforma sobre como era contado o tempo. 

Ele manteve os meses de 31 dias com 31 dias, reduziu os meses de 30 para 29 dias e incluiu os dois meses que faltavam ao calendário: o Januarius (janeiro), com 29 dias, dedicado ao deus Jano, e o de Februarius (fevereiro), com 27 dias, dedicado às Februa, período de purificação. Com isso, ele aumentou para 354 dias o ano, igualando-se ao ano lunar.

 

Januarius 29 dias
Martius 31 dias
Aprilis 29 dias
Maius 31 dias
Junius 29 dias
Quintilis 31 dias
Sextilis 29 dias
September 29 dias
October 31 dias
10°Nouember 29 dias
11°December  29 dias 
12° Februarius27 dias 

 

Coube ao imperador Júlio César modificar o método de tempo por volta de 45 a.C., abolindo o calendário lunar e tornando-o solar, na tentativa de ficar em harmonia com as estações do ano. A partir de agora, o ano normal teria 365 dias.

Este calendário ficou conhecido como calendário juliano.

Oo calendário juliano contava que a duração média de um ano era de 365 dias e 6 horas. Para cobrir as 6 horas "excedentes" no ano, os romanos ordenaram a utilização dos anos bissextos (aqueles que possuem 366 dias) a cada quatro anos.

A nova forma de contagem do tempo somava as 6 horas excedentes de cada ano de um período de quatro anos, o que dava 24 horas, portanto, um dia "extra".

O problema do calendário juliano era justamente nessa conta: eles contavam que a duração média de um ano era de 365 dias e 6 horas. Contudo, o ano dura exatamente 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 46 segundos. Portanto, havia 11 minutos e 14 segundos a mais por ano.

Esse descompasso já havia sido detectado desde a Roma antiga, mas era um erro considerado quase insignificante na época. Contudo, em mil anos, essa "sobra" acumulada chegou a sete dias. 

Os dias que nunca existiram

O papa Gregório XIII foi o responsável pelas reforma do calendário como conhecemos hoje
O papa Gregório XIII foi o responsável pelas reforma do calendário como conhecemos hoje (Foto: Reprodução/ Wikimedia Commons)

Quinze séculos depois da mudança feita pelo imperador Júlio César, a defasagem já era de dez dias e a contagem do tempo estava dessincronizada do ano solar - feito para coincidir com as datas de mudança de estação -, tornando assim, o calendário adiantado.

Com o problema, uma estação prevista para começar em determinado dia do calendário oficial, por exemplo, só começava na prática dez dias depois. 

Foi aí que o assessor astronômico do papa Gregório XIII, Cristóvão Clávio, fez os cálculos, identificou a falha do calendário e propôs as modificações.

A mudança do calendário juliano para o gregoriano (o atual) veio em 24 de fevereiro de 1582, com a assinatura de um documento intitulado como "Inter gravíssimas", que reformava o calendário.

O objetivo era justamente acabar com essa defasagem por causa das horas que sobravam no calendário juliano.

Os ajustes de Gregório foram feitos para que as estações do ano começassem sempre no mesmo dia, ou seja, fazer com que o equinócio da primavera voltasse para o dia 21 de março e o erro existente na época, fosse desfeito.

Pelo decreto do papa, o dia seguinte ao dia 4 de outubro de 1582 seria 15 de outubro do mesmo ano. Foi aí que dez dias sumiram do calendário, fazendo com que ele se ajustasse com as estações do ano.

Os anos bissextos ocorreriam a cada quatro anos, mas agora, o dia "extra" seria acrescentado em fevereiro, o 29 de fevereiro. 

Pela nova regra, os anos bissextos seriam aqueles divisíveis por 4 cujo resultado da divisão dê um número exato. Veja o exemplo:

 

E assim, a população viu dez dias sumirem do “dia para a noite”. Com essa medida, ocorreram alguns fatos curiosos, como o funeral de Santa Teresa de Jesus, fundadora da Ordem das Carmelitas Descalças. A freira faleceu na noite do dia 4 para 5 de outubro de 1582, e foi enterrada no dia seguinte: 15 de outubro.

A mudança para o calendário gregoriano não foi imediato. Império de Portugal, (incluindo Brasil), Espanha, Itália, Polônia, e outros países católicos, aos poucos, foram aceitando a ideia e concordando com a bula papal.

Lugares onde o luteranismo e o anglicanismo eram predominantes demoraram para adotá-lo. Foi o caso da Alemanha, em 1700, Grã-Bretanha, em 1752. Na Suécia, a mudança houve até um dia 30 de fevereiro para que o ajuste fosse feito. A Turquia foi o último país a oficializar a mudança do calendário mulçumano para o gregoriano em 1927.

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