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O que se sabe sobre a adoção interrompida pela Justiça em Tianguá, no Ceará

Município de Tianguá agiu ilegalmente ao permitir que Gabriela Moreira e seu marido levassem a criança para casa, afirmou a Associação Cearense de Magistrados. Confira o que se sabe sobre a adoção interrompida no Ceará
22:31 | Dez. 17, 2020
Autor Matheus Facundo
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Matheus Facundo Repórter do portal O POVO Online
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Tipo Notícia

O caso da adoção de um bebê de 1 mês em Tianguá, no interior do Ceará, ganhou repercussão nacional após a empresária Gabriela Fernandes Moreira, 23 anos, divulgar o caso nas redes sociais. A criança chegou a passar fins de semana e até uma semana completa com ela e o marido, após juiz da Vara de Infância e Juventude e o abrigo municipal terem dado sinal verde. A história terminou com o casal sendo intimado a devolver o pequeno para o acolhimento.

Segundo a Associação Cearense de Magistrados (ACM), o município de Tianguá permitiu ilegalmente que o bebê tivesse ficado com o casal. Isso porque Gabriela não havia entregado atestado de sanidade física necessária para a habilitação do processo. Legalmente, quando informados que haveria um bebê disponível na localidade, o casal teria a permissão judicial de se encontrar com ele somente dentro do abrigo, o que corresponde ao período de “fortalecimento de vínculos”, quando a família conhece a criança pela primeira vez.

Os pretendentes participaram de um curso de adoção, fato que não era permitido devido a não apresentação do atestado. A habilitação dos pretendentes requer uma série de documentos obrigatórios para a inserção do casal no Sistema Nacional de Adoção (SNA). Segundo o Ministério Público do Ceará (MPCE), apesar de ter sido comunicado que havia uma criança disponível para adoção no Acolhimento Municipal de Tianguá, o casal não estava formalmente habilitado porque documentos não foram apresentados no processo à época.

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Gabriela Moreira conversou com o O POVO e afirmou ter sido afetada pelo caso. "Estou sendo medicada porque desenvolvi uma crise de ansiedade. O Judiciário vai ter que arcar com isso, porque é um dano imenso e mexeu com toda a minha família", contou. A cearense agora espera o resultado de um recurso que entrou na Justiça, mas teme não conseguir o filho de volta pois o menino já foi encaminhado a outro casal, devido Gabriela ter voltado para o fim da lista de adoção.

Adoção interrompida no Ceará: O que diz a Associação Cearense dos Magistrados (nota na íntegra)

A respeito do vídeo divulgado nas redes sociais na madrugada desta quinta-feira (17/12) sobre processo de adoção em tramitação em Tianguá, na Serra da Ibiapaba, que gerou questionamentos sobre o trabalho do Juízo daquela comarca, a Associação Cearense de Magistrados esclarece que:

1. De acordo com a Lei de Adoção (nº 12.010/2009), toda e qualquer criança em situação de acolhimento institucional só poderá ser entregue a possíveis adotantes, após decisão judicial;

2. O fato de o pretendente constar como habilitado no Sistema Nacional de Adoção (SNA) não lhe confere o direito de deter a guarda da criança;

3. A respeito do caso específico, o processo de habilitação dos pretendentes à adoção foi iniciado em 2018. Ainda naquele ano, os requerentes foram intimados pessoalmente para apresentarem atestado de sanidade física e não se manifestaram. Já em junho de 2019 os requerentes foram novamente intimados para, pessoalmente, afirmarem se ainda havia interesse no processo e, novamente, mantiveram-se em silêncio, motivo pelo qual, em 02 de dezembro de 2019, após manifestação do Ministério Público do Ceará (MP-CE), o processo de habilitação foi extinto por abandono da causa.

4. Mesmo assim foi permitido aos pretendentes participar do curso de adoção, sendo os nomes dos mesmos incluídos no Sistema Nacional de Adoção (SNA);

5. Com o surgimento de uma criança acolhida no Acolhimento Municipal de Tianguá, de responsabilidade do município, foi autorizado o “fortalecimento de vínculos” que consiste apenas e tão somente em conhecer a criança no próprio acolhimento municipal. Ocorre que, sem qualquer autorização judicial, a direção do acolhimento municipal permitiu que a criança fosse para a casa dos pretendentes por três finais de semana, como afirmado pelos próprios pretendentes no procedimento judicial, o que é procedimento inteiramente ilegal, que aconteceu à revelia e sem conhecimento do Judiciário;

6. No decorrer do processo, verificada a ausência de requisitos obrigatórios, inclusive com a extinção do procedimento de habilitação diante da própria inércia dos pretendentes, o acolhimento foi comunicado e a criança retornou ao local, de onde não deveria ter saído em razão de ausência de decisão judicial. Em seguida, os pretendentes postularam a guarda da criança, tendo sido o pedido indeferido, em consonância com parecer ministerial;

7. Da referida decisão foi interposto recurso, o qual está pendente de análise pelo Tribunal de Justiça;

8. A habilitação dos pretendentes à adoção requer, ainda segundo a Lei de Adoção, uma série de documentos obrigatórios para a inserção do pretendente no referido sistema, entre os quais comprovante de renda e domicílio, atestados de sanidade física e mental, certidão de antecedentes criminais, entre outros;

9. Uma vez que este pretendente à adoção seja excluído do sistema e seja inserido novamente, a lei determina que este siga para o final da fila;

10. Ademais, a ACM reforça o compromisso dos magistrados com o superior interesse dos infantes e com o Sistema Nacional de Adoção, tempo em que lembra que os processos de adoções de crianças e adolescentes no Ceará são prioridade. Só em 2019, foram adotadas 63 crianças e adolescentes em Fortaleza. Em 2020, mesmo com a pandemia do novo coronavírus, tanto os cursos psicossociais e jurídicos, etapa obrigatória ao processo, não pararam. O Judiciário ministrou um total de dez cursos, envolvendo 79 comarcas, 165 servidores e 514 pretendentes à adoção.

ASSOCIAÇÃO CEARENSE DE MAGISTRADOS

Adoção interrompida no Ceará: O que diz o Ministério Público do Ceará (nota na íntegra)

O Ministério Público do Estado do Ceará vem a público esclarecer os fatos referentes a um pedido de adoção que tramita na comarca de Tianguá e que tem repercutido nas redes sociais nos últimos dias.

1. No dia 13 de agosto de 2020, o Ministério Público do Estado do Ceará ingressou com ação solicitando a destituição do poder familiar de um bebê que havia sido entregue voluntariamente pela genitora, em Tianguá. A criança foi institucionalizada em acolhimento do município. A genitora, apesar de formalmente notificada, não compareceu a nenhum ato do processo;

2. Em outubro, após autorização do Judiciário para fortalecimento dos vínculos (visitas dos pretendentes ao acolhimento e, portanto, sem a saída do bebê) entre a referida criança e o primeiro casal (pretendente) habilitado na fila do Sistema Nacional de Adoção (SNA) da comarca, a coordenadora da instituição fez contatos com o casal Gabriela Fernandes Moreira e Thallys Antônio Bevilaqua de Lima, residente em Tianguá. A coordenadora do acolhimento por sua vez, autorizou a saída da criança para passar fins de semana e, inclusive, uma semana inteira na residência dos pretendentes, sem autorização judicial e sem consentimento da autoridade judiciária e do Ministério Público, ou seja, contra as hipóteses previstas em lei. Este fato só chegou ao conhecimento do MP no dia 16 de dezembro de 2020, através de vídeo publicado nas redes sociais.

3. Há de se ressaltar que a guarda apenas é concedida pelo juízo competente, após oitiva do membro do Ministério Público (artigo 33, § 1°, da Lei 8069/90). Atente-se, no entanto, que mesmo diante da autorização judicial de apenas haver o fortalecimento dos vínculos da criança com o casal, sem a saída do menor dos átrios do acolhimento institucional e na companhia de um profissional habilitado, a coordenadora do acolhimento descumpriu o procedimento previsto nos arts. 46 e 197-C, previstos no ECA.

4. Ademais, posteriormente, houve a constatação de um equívoco. O casal comunicado não estava formalmente habilitado, pois faltavam documentos que o casal, apesar de notificado, não acostou ao processo à época. O casal foi intimado para juntar todos os documentos faltantes e regularizarem o processo, o que não o fez, dando ensejo à correta extinção do processo sem resolução de mérito.

5. Comunicado do equívoco ocorrido (cadastro equivocado dos pretendentes) e posterior correção, e ante a irregularidade verificada, ao ser consultado, o Ministério Público posicionou-se pela convocação criteriosa dos habilitados no cadastro de adoção da comarca, conforme disposto no artigo 50, § 12°, da Lei 8069/90;

6. Observe-se que, mesmo com a regularização da documentação dos pretendentes à adoção e posterior reinclusão ao Cadastro Nacional de Adoção, a decisão de destituição do poder familiar do bebê foi exarada no dia 15/12/2020, de forma que a guarda apenas poderia ter sido concedida após esta data, momento em que o casal já não mais ocupava posição superior no cadastro, constando como o sexto na fila de adoção.

7. Urge ainda salientar acerca da importância do correto e legal seguimento do trâmite de adoção e, em que pese o Ministério Público se solidarizar com a dor dos pretendentes, é necessário que o Órgão Ministerial, como fiscal da lei, aja conforme os preceitos legais, tendo em vista ainda que enquanto órgão com atribuição de zelar pela obediência da ordem cronológica do cadastro de adoção e do melhor interesse da criança (trabalhar para que seja entregue apenas a pessoa formalmente habilitada, evitando inclusive futuras e costumeiras “devoluções” das crianças que geram traumas irreparáveis).

8. Outrossim, ressalte-se que sem a guarda do bebê ou autorização judicial os pretendentes ou qualquer outro não podem expor a imagem da criança, visto que de acordo com o artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais, ocorrência que está sendo verificada e a qual se tomarão todas providências no sentido de responsabilizar a coordenadora do acolhimento em razão da concessão da guarda sem autorização das autoridades competentes.

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