Campo de Concentração do Patu é tombado como patrimônio do Ceará

Local servia para confinar milhares de pessoas que fugiam da seca no interior do Ceará em 1932

O Campo de Concentração do Patu, localizado no município de Senador Pompeu, a 265 quilômetros de Fortaleza, teve o tombamento aprovado nesta segunda-feira, 8. A medida ocorreu durante reunião extraordinária do Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural do Estado do Ceará (Coepa), na Biblioteca Pública Estadual do Ceará (Bece), em Fortaleza.

O tombamento do sítio histórico do Patu foi realizado por intermédio da Secretaria da Cultura (Secult), pelo Instituto Federal do Ceará (IFCE), pela Prefeitura de Senador Pompeu e pela Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa.

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O tombamento vai transformar o campo em patrimônio material do Ceará. O Campo de Concentração do Patu, como ficou conhecido, servia para confinar milhares de pessoas que fugiam da seca no interior do Ceará. No entanto, no local, elas eram expostas a uma série de sofrimentos, como trabalho de mão de obra escrava.

A história do local e as reivindicações para sua preservação são assunto nas páginas do O POVO desde 1996, quando reportagem especial da jornalista Ariadne Araújo com quatro páginas contou a história do Campo do Patu. Neste ano, O POVO+ publicou um especial sobre os campos de concentração da Seca de 1932 no Ceará. Confira:

Conforme o secretário da Secult, Fabiano Piúba, o tombamento reúne tanto a dimensão do patrimônio material, o patrimônio edificado, como os registros históricos do Sítio Patu. "Também traz uma dimensão da memória, da história desse lugar como referência porque traz conceitos importantes, como o da memória sensível e difícil onde aspectos de injustiça social, violência, descaso com as pessoas não possam ser mais pensadas como algo para a nossa sociedade" comenta o titular da pasta.

De acordo com a coordenadora de Patrimônio Cultural e Memória da Secretaria da Cultura do Ceará, Jéssica Ohara, o tombamento é um marco para a valorização da memória do Estado. "Os sofrimentos das pessoas que passaram pelo processo de seca, os flagelados vão ser lembrados e valorizados pelo Estado”, comenta.

Ainda segundo a coordenadora, quando há o tombamento acontece algumas restrições no local. “Não podem haver destruições, mutilações, novas construções sem a autorização da Secult. E também dentro das nossas recomendações, nós vamos trabalhar a possibilidade de prospecção e expedição arqueológica no campo com centros comunitários e colaboração com outros órgãos e entidades governamentais”, informa.

O titular da Secult ainda comenta que a pasta possui um plano para a região. "O tombamento não termina em si. A partir daí, tem um plano de desenvolvimento e gestão que reúne a sociedade, a prefeitura municipal de Senador Pompeu e agora o Governo do Estado, por meio da Secretaria da Cultura, essa corresponsabilidade ganha uma responsabilidade muito maior”, pontua.

Para Agna Ruth Martins, historiadora e diretora da Cultura de Senador Pompeu, a valorização histórica e cultural do local ganha um novo aliado com o tombamento estadual do Sítio Histórico do Patu, que era tombado, desde 2019, a nível municipal. “A gente tem uma força enorme agora para executar todas as ações para contribuir para com a valorização histórica. Vem projetos de intervenção de restauro, manutenção, educação para patrimonial, enfim, muita coisa pela frente para ser feita”, comenta.

A diretora da Cultura ressalta que um projeto elaborado a nível municipal para o Campo de concentração do Patu poderá, agora, ser tonificado juntamente com o Estado, a partir das normas da Secult. “O plano era intervenção urbana no trajeto da Caminhada da Seca, recuperação do Casarão da Inspetoria, facilitar o acesso às ruínas com trilhas e acessibilidade e desenvolver um trabalho de educação patrimonial com as famílias que residem naquela área, com intuito de torná-las guardiãs e defensoras de todas a preservação daquela área”, explica Agna.

O que muda com o tombamento?

O historiador com doutorado em História pela Universidade Federal do Ceará (UFC) Ítalo Bezerra explica, primeiramente, que os tombamentos são apenas de bens materiais, diferente dos bens imateriais onde são feito apenas registros. O que muda a partir da aplicação do tombamento, é que esse bem não pode ser destruído ou descaracterizado.

“Isso significa dizer que qualquer intervenção no local vai precisar de uma autorização do Iphan ou dos órgãos estaduais e municipais, que estejam cuidando dessa preservação, no qual o tombamento pode ser feito por essas três esferas”, diz o historiador.

Ser patrimônio material significa e tem a ver com a preservação da memória coletiva. “O Campo de Concentração do Patu ele é o registro de uma experiência humana no tempo passado de ordenamento e controle das pessoas que fugiam da escassez de chuva. Os historiadores colocam como era a forma de abrigo desses trabalhadores, a que condições eles estavam submetidos. Patrimônio significa a preservação de um bem cultural e sua plena utilização em estado de conservação”, esclarece Ítalo Bezerra.

Ainda segundo Ítalo, outras mudanças que podem ocorrer com o tombamento são as relações com o entorno do local. Toda área de projeção que está localizada na vizinhança do imóvel tombado, que ela é definida através de estudos, haverá uma delimitação desses espaços com objetivo de preservar, não só a edificação, mas também o ambiente. O órgão que estabeleceu o tombamento vai estabelecer os limites, assim como foi explicado pelo titular da Secult.

Em memória dos mortos na seca de 1932

Além da edificação do Campo de concentração do Patu, outro bem no município de Senador Pompeu que busca a valorização cultural, por meio de registro de patrimônio imaterial, acerca da época é a Caminhada da Seca, que completa 40 anos neste ano.

O evento ocorre a cada ano no segundo domingo de novembro, e integra, por meio da Lei 360, o roteiro turístico do Ceará para lembrar a morte dos retirantes. No Patu, segundo matéria publicada pelo O POVO em 30 de junho de 1932, estiveram concentrados 16.221 retirantes. 

A diretora da Cultura de Senador Pompeu, Agna Ruth, comenta que o registro como patrimônio imaterial da Caminhada da Seca continua. “O Sítio Histórico do Patu tem esses dois elementos, o patrimônio material, que é o campo, e o imaterial com caminhada, em um só elemento”, disse. A expectativa, segundo a diretora, é que neste semestre o registro seja realizado.

A caminhada em memória dos mortos no flagelo da seca de 1932, em Senador Pompeu, é considerada o maior evento religioso em memória dos mortos no Ceará em decorrência da seca que castigou as famílias dos sertanejos naquele ano.

Os campos de concentração tinham o objetivo de evitar que os retirantes, que tentavam sobreviver da seca do sertão, chegassem à Fortaleza para buscar comida, assistência à saúde e ocupação, além de isolar eles dos demais. No Ceará, além do Patu, outros cinco campos foram instalados no Estado durante a grande estiagem de 1932, em Cariús, Crato, Quixeramobim, Ipu e Fortaleza.

Atualizada às 7 horas de 09/08/2022

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