Estudo da Uece aponta eficácia do canabidiol no autismo como limitada
Apesar de alguns relatos positivos, análise científica identificou poucos estudos e resultados inconsistentes. Uso deve ser feito com cautela e sob prescrição médica
Um estudo realizado pela Universidade Estadual do Ceará (Uece) concluiu que as evidências científicas disponíveis até o momento são insuficientes para comprovar a eficácia do canabidiol (CBD) no tratamento de crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
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A pesquisa aponta que, embora alguns estudos indiquem benefícios pontuais, como melhora na agitação, ansiedade e sono, esses achados ainda são considerados frágeis do ponto de vista metodológico, com grau de evidência classificado como baixo a moderado e alto risco de viés.
Coordenado pelo professor Gislei Aragão e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo Ministério da Saúde, por meio do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit), o projeto teve como objetivo revisar toda a literatura científica mundial sobre o uso do CBD no tratamento do TEA em pacientes pediátricos.
Poucos estudos confiáveis e alta variabilidade nos resultados
A equipe da Uece investigou bases científicas nacionais e internacionais e identificou somente oito estudos observacionais e quatro ensaios clínicos randomizados que tratavam do uso de cannabis medicinal em crianças com autismo.
A escassez de estudos robustos e a grande heterogeneidade entre os métodos, faixas etárias, tipos de canabinoides utilizados e instrumentos de avaliação impediram a realização de uma metanálise estatisticamente válida.
“Apesar de alguns estudos relatarem benefícios, os dados não são consistentes. A maioria dos efeitos positivos foi relatada pelos pais, com base em questionários não padronizados, aumentando a possibilidade de viés”, explica o professor Gislei.
CBD puro não apresenta efeitos significativos
Outro achado importante foi que o CBD isolado, o único derivado da cannabis autorizado pela Anvisa para uso medicinal no Brasil, no tratamento de epilepsia refratária, não mostrou efeitos relevantes nos sintomas do autismo.
Os estudos que relataram melhorias utilizaram o canabidiol associado a pequenas doses de THC, substância psicoativa da planta, levantando preocupações sobre a segurança do uso em cérebros em desenvolvimento.
O THC é justamente o composto que gera os efeitos psicoativos da cannabis. Mesmo em baixas doses, ainda não sabemos se é seguro para uso contínuo em crianças”, alerta Gislei.
Resposta ao tratamento é variável e individual
A análise da Uece também aponta que os efeitos da cannabis medicinal são altamente variáveis. Há casos em que crianças apresentaram melhora, enquanto outras não tiveram alteração alguma ou até pioraram os sintomas. Isso reforça a necessidade de um acompanhamento médico cuidadoso e personalizado.
Além disso, o estudo observou que doses elevadas de CBD podem provocar o efeito inverso, com piora dos sintomas, exigindo cautela na prescrição.
A cannabis não é tratamento de primeira escolha
O professor Gislei Aragão ressalta que, embora o uso da cannabis medicinal seja permitido no Brasil mediante prescrição, ela não deve ser a primeira opção de tratamento para crianças com autismo.
“As terapias mais eficazes continuam sendo as não farmacológicas, como acompanhamento psicopedagógico, terapia ocupacional, fonoaudiologia e fisioterapia. A medicação é indicada apenas em casos específicos, e a cannabis deve ser considerada somente quando os tratamentos convencionais não surtirem efeito”, ressaltou o professor.
Ele também alerta sobre o risco da automedicação. “É fundamental que o uso da cannabis seja sempre feito com acompanhamento médico. Os pais não devem, em hipótese alguma, administrar por conta própria”, enfatiza.
Mais estudos são necessários
“O sofrimento das famílias é real, e entendemos a esperança depositada nesse tipo de tratamento. Mas é nossa responsabilidade científica ser honestos: ainda não há comprovação suficiente de que a cannabis seja eficaz para o autismo infantil. O que temos hoje são indícios, não certezas. Precisamos seguir investigando com seriedade, ética e responsabilidade”, destacou o coordenador.