Pela primeira vez no Ceará, criança é registrada com o nome totalmente indígena

Após três semanas do nascimento da criança, a família conseguiu registrar a criança com o nome de suas etnias

A pequena Lua Maara Jenipapo-Kanindé Kariri, nascida em 26 de outubro deste ano, em Crateús, tornou-se a primeira cearense com sobrenome oficial formado somente pelas etnias da família. Com apenas dois meses de vida, a menina indígena carrega em seu nome a luta contra o apagamento histórico do movimento indígena no Estado. A conquista, no entanto, foi alcançada após um intenso processo para regularizar o registro no cartório.

Filha do produtor cultural e coordenador do Memorial dos Povos Indígenas, Lucas Sipya Kariri, de 25 anos, e da professora e artista Janaína Jenipapo-Kanindé, 28, Lua pôde ser registrada com os sobrenomes étnicos apenas três semanas depois do nascimento.

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“Para registrar o nome da nossa criança, o desafio começou no hospital. Logo após o nascimento, foi o momento em que a gente encontrou as pessoas do cartório, que desconheciam o documento que permite o registro dos nomes étnicos, pois era a primeira vez que isso acontecia. Eles nos informaram que ela só poderia ser registrada com as etnias quando completasse 18 anos.”

Alterada em 2015, a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973) e a Lei 7.116/1983 asseguram a qualquer indígena o direito ao registro público — assim como a indicação da sua etnia — expressa em certidão de nascimento, certidão de casamento e carteira de identidade. Para isso, bastará requerer a inclusão, sem necessidade de comprovar a origem étnica.

Normalmente, a certidão de nascimento é emitida quando a criança ainda está no hospital. No caso de Lua, no entanto, ela seguiu sem nome por quase um mês.

Ao longo do processo, a família precisou apresentar documentos de pertencimento étnico das duas aldeias: Maratoan, em Crateús, e Lagoa Encantada, em Aquiraz. Enquanto isso, a família buscou o apoio de organizações e autoridades.

Entre eles, a secretária dos Povos Indígenas do Ceará, Juliana Alves; o presidente da Associação Indígena Kariri de Crateús e liderança da aldeia Maratoan, Luciano Kariri; o presidente do Conselho Indígena Jenipapo-Kanindé, Erasmo Jenipapo-Kanindé; o historiador e especialista em etnologia indígena, Valdivino Neto Kariu-Kariri; e da vice-cacique da aldeia Maratoan, Diana Kariri.

Além de um momento importante para o movimento indígena no Estado, o nome de Lua homenageia ainda uma lenda índigena do povo Kariri, que conta a história de uma princesa amaldiçoada pelo rei Manacá a se transformar em serpente. O conto diz que quando Maara nasce, ela desperta o povo Kariri.

“Outros povos têm sim os nomes de seus filhos registrados com suas etnias, mas a gente tentou ir o mais longe possível. Não colocamos nomes vindos de pessoas brancas, de colonizadores, mesmo sabendo que eles compõem a maioria dos nomes brasileiros. Nós pensamos em colocar o nome das nossas etnias e, assim, dizermos ao Estado que, a partir de agora, os nomes de nossos filhos levarão as nossas etnias”, afirma.

Lua Maara será batizada seguindo o ritual indígena na data do Ano Novo para a nação Kariri, comemorado no dia 5 de junho de 2024. De acordo com a tradição, o período marca o fim do inverno e a chegada da primavera — renovação da flora e da fauna.

Para Lucas, o registro da filha é uma forma de manifestação da existência dos povos originários cearenses em meio ao silenciamento socialmente imposto.

“É uma forma de quebrar esse silenciamento, que foi colocado de forma agressiva aos nossos troncos velhos, aos nossos ancestrais. A Lua nasce com esperança da gente levantar a bandeira de apresentar a nossa luta para mostrar que no Ceará existem indígenas de diversas etnias espalhados por vários locais do Estado”, conclui Lucas.

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