Pacientes com câncer do Interior enfrentam estrada e filas de madrugada por atendimento em Fortaleza

Dos nove hospitais habilitados para receber pacientes com câncer no Estado, sete se concentram em Fortaleza

Com a maior parte das unidades de saúde que tratam pacientes com câncer concentradas em Fortaleza, os pacientes do interior do Ceará precisam se deslocar até a Capital para conseguir atendimento. Longas viagens, filas de madrugada e desconforto na espera fazem parte da realidade de pacientes que moram em outros municípios.

Moradora de Tauá, no Sertão dos Inhamuns, a recepcionista Eveline Alexandrino Feitosa, 57, viaja regularmente à Fortaleza há cinco anos para realizar o tratamento oncológico. Apesar de gostar do atendimento que recebe pelo Instituto do Câncer do Ceará (ICC), conveniado com a Prefeitura de Fortaleza e com o Governo do Estado para atender pacientes do SUS, Eveline reclama das longas horas de viagem.

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Segundo ela, não há nenhum outro local mais próximo do município em que reside que poderia fazer o seu tratamento. As vindas constantes para Fortaleza ainda requerem gastos com transporte e acordos com os empregadores. “Graças a Deus, eles são muito compreensivos. Sabem que eu preciso vir”, diz.

Além das horas de viagem, Eveline reclama do acolhimento enquanto espera as consultas. Na terça-feira, 1º, ela e outras dezenas de pacientes atendidos pelo ICC aguardavam atendimento do lado de fora do Núcleo de Atendimento ao Cliente (NAC), na rua Delmiro de Farias, no bairro Rodolfo Teófilo. As cadeiras e bancos de plástico utilizados por quem estava na fila eram disponibilizados pelos comerciantes de lanches que trabalham na frente do local.

A mulher conta que é atendida no Hospital Haroldo Juaçaba, na rua Papi Júnior, a poucos quarteirões do NAC. Na unidade, que também é do ICC, os pacientes começam a formar a fila do lado de fora ainda de madrugada.

Quem vem do Interior se adianta para pegar as primeiras senhas da manhã. Depois, esperam atendimento debaixo de uma tenda armada em um terreno localizado na frente do hospital. Mesmo com horário de procedimentos ou consultas marcados, a ordem de chegada ainda é importante para quem deseja passar menos tempo aguardando.

É o caso de uma moradora de Quixelô, que não quis se identificar. Para pegar o ônibus disponibilizado pela prefeitura da cidade em que mora, a mulher precisa chegar no hospital até as 5 horas. Assim, consegue receber atendimento e sair de lá a tempo de voltar na condução à noite. “Teve uma vez que eu nem consegui voltar”, disse.

Apesar de reclamar da dinâmica da espera por atendimento, a moradora de Quixelô afirma que a viagem para Fortaleza é a parte mais cansativa. Ela relata que muitos pacientes em quimioterapia acabam passando mal no trajeto. “Eu vim domingo para ser atendida hoje [terça-feira, 1º]. A gente sai dez da noite, chega aqui às quatro da manhã e vem para a fila”, conta.

Apesar de ter uma unidade de atendimento oncológico em Barbalha, mais próximo do município em que vive, a paciente começou o tratamento já em Fortaleza. A mulher também costuma ficar na casa de apoio do ICC, a Casa Vida, desde que a prefeitura de Quixelô diminuiu a frequência de ônibus para os pacientes que precisavam vir à Capital.

Segundo Reginaldo Costa, diretor clínico do hospital, cerca de 60 a 70 pacientes do Interior, em média, são atendidos na casa de apoio diariamente. “Muitos ainda preferem ficar indo e voltando. A gente entende que parcialmente consegue atender a esse fato, mas infelizmente tem uma questão do contexto social que extrapola até a capacidade do próprio ICC de resolver”, afirma.

As filas desde a madrugada também são formadas devido à dinâmica de deslocamento dos pacientes, conforme o ICC. Reginaldo relata situações comuns vividas pelos pacientes, como ter consultas e exames à tarde, mas chegar de madrugada do Interior e permanecer na fila o dia inteiro.

Ceará tem déficit de unidades para tratamento oncológico

O Ceará tem nove hospitais para tratar pacientes com câncer. São eles: Hospital São Camilo, Hospital Geral de Fortaleza (HGF), Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), Hospital Haroldo Juaçaba (Instituto do Câncer do Ceará, ICC), Hospital Distrital Dr. Fernandes Távora (Crio) e Santa Casa de Misericórdia, em Fortaleza; Hospital Maternidade São Vicente de Paulo, em Barbalha; e Santa Casa de Misericórdia de Sobral.

Dentre eles, apenas a Santa Casa de Sobral e o Hospital Haroldo Juaçaba, em Fortaleza, são Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon). Segundo a coordenadora de Regulação, Avaliação, Controle e Auditoria das Ações e Serviços de Saúde de Fortaleza, Helena Paula Santos, isso representa um déficit.

Helena relembra a Portaria 140, da Secretaria de Atenção à Saúde (SAS/MS), de 2014, que propõe a habilitação de um Cacon a cada 500 mil habitantes. “A gente tem uma rede que não vem se expandindo ao longo dos anos. Já tem mais de 20 anos que a gente só tem nove unidades habilitadas no cenário do Ceará”, afirma. Pela proporção de Cacons e habitantes, o Ceará poderia ter 17 unidades.

Apesar da lei 12.732/12, que garante aos pacientes com câncer o direito de iniciar o tratamento pelo SUS até 60 dias após o diagnóstico da doença, em 2023, 283 pessoas tiveram um intervalo maior até a primeira consulta. O dado é do Painel-Oncologia, que utiliza informações do Sistema de Informação Ambulatorial (SIA), do Sistema de Informação Hospitalar (SIH) e do Sistema de Informações de Câncer (SISCAN).

O Governo do Estado anunciou em julho o aporte de R$ 10 milhões para o atendimento de pacientes com câncer em Fortaleza de forma emergencial pelo ICC, R$ 12 milhões para firmar outros convênios e R$ 82 milhões para a abertura do serviço oncológico de alta complexidade no Hospital Regional do Vale do Jaguaribe.

ERRAMOS: Diferente do informado na primeira versão desta matéria, o valor para abertura de serviços oncológicos para alta complexidade no Hospital Regional do Vale do Jaguaribe é de R$ 82 milhões. Na lista de hospitais com serviços oncológicos foi incluído o Hospital Distrital Dr. Fernandes Távora, parceiro do Centro Regional Integrado de Oncologia (Crio).

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