Justiça determina que Governo do Estado reforme unidades socioeducativas e evite superlotação

A medida decidiu sobre uma Ação Civil Pública (ACP) protocolada há 12 anos pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca)

Atualizada às 22h01min

Após decisão judicial, o Governo do Ceará deve reformar, no prazo de um ano, sete unidades socioeducativas do Estado, além de evitar a superlotação nos centros não internando adolescentes em unidades com ocupação 30% acima do limite. O poder estadual também deve garantir profissionais de saúde e medicamentos para internos.

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A medida decidiu sobre uma Ação Civil Pública (ACP) protocolada ainda em 2009 pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca). A decisão em primeira instância foi expedida em 2019 pela 3ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Fortaleza e confirmada, em segunda instância, no último dia 7 de junho pela desembargadora Lisete de Sousa Gadelha, do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).

A Justiça determinou também que não seja aplicada nenhuma medida de contenção (a exemplo das "trancas") que viole a dignidade humana. Conforme a decisão, o Estado deve apresentar as medidas tomadas para prevenir conflitos entre profissionais e adolescentes nos Centros Educacionais em até 120 dias.

Apesar de tardia, a decisão segue atual, conforme destaca o advogado Renan Santos Pinheiro, assessor jurídico do Cedeca Ceará. “O que o Estado tem alegado é que tem cumprido essas disposições, mas temos argumentado que existem mudanças e reformas a serem feitas”, salienta. Ele reconhece a complexidade envolvida na ação, mas cita também a "morosidade" da Justiça em relação a processos coletivos de maior proporção.

Segundo Renan, de junho a julho deste ano o Cedeca realizou inspeções em três centros educacionais: Cardeal Aloísio Lorscheider, Patativa do Assaré e Dom Bosco, todos localizados em Fortaleza. Em uma das unidades, ainda foi constatada a existência de trancas.

"As realidades que vimos mostram que essas medidas [da Justiça] são atuais. Ainda existem muitas necessidades de atendimento médico, encontramos no Patativa de Assaré muitas denúncias de violência institucional praticadas por agentes do Estado e um ala disciplinar completamente falida e degradante, conhecida como 'tranca", afirma.

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A "cela forte" ou "tranca" é um local sem ventilação, iluminação ou colchão, e de acesso restrito. Os internos que recebem o “castigo” ficam sem comunicação e proibidos de participar das atividades de educação e lazer.

A presença desses locais foi denunciada ainda em 2008 na publicação "Monitoramento das unidades de privação de liberdade de adolescentes no estado do Ceará", realizada pelo Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente - Ceará (EDCA).

Também segundo o advogado Renan Santos, os adolescentes enfrentam obstáculos para o acesso a tratamento médico e existem déficit de profissionais. Além disso, muitas unidades estão fora do padrão do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).

O Governo ainda pode recorrer da sentença judicial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF). Caso não consiga reverter a decisão, pode estar sujeito a multas de valor “altíssimo”, conforme o assessor jurídico do Cedeca Ceará.

Em nota, a Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas) afirma que todas as demandas apontadas pela Ação Civil Pública foram solucionadas, por meio da elaboração de um plano de gestão.

O órgão enfatizou que as "trancas" não existem mais nas unidades, conforme implantação de um novo regime disciplinar nos centros socioeducativos. Em relação à superlotação, a Seas também defende que não há unidades superlotadas no Estado.

"Destacamos que houve a implementação de um processo de reordenamento do Sistema de Atendimento Socioeducativo com o objetivo de qualificar o serviço prestado aos adolescentes, realizando, para tanto, adequação arquitetônica das unidades, realização de seleção e contratação de quadro próprio de servidores, além da regulamentação de todas as rotinas e dinâmicas operacionais", aponta o órgão em nota.

Em setembro de 2020, um relatório apontou situações de violência física e psicológica no Centro Aldaci Barbosa, em Fortaleza. As denúncias foram recebidas pelo Cedeca, pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Ceará (CEDDH) e pelo Fórum Cearense de Mulheres (FCM), durante visita.

As violações incluíam utilizar roupas íntimas de outras pessoas, ficar na "solitária" algemada por horas e levar castigos por ser LGBT. 

Violações históricas

A Ação Civil Pública contra o Governo do Estado foi protocolada pelo Cedeca Ceará com base em irregularidades constatadas em inspeções realizadas pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), entre agosto de 2007 e janeiro de 2008.

À época, unidades com capacidade para 60 adolescentes abrigavam até 220 internos. A resolução nº 46 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) estabelece o número de 40 adolescentes por Unidade de Internação.

Devido à superlotação, os adolescentes dormiam em colchões no chão por falta de camas. Havia ainda um número insuficiente de profissionais e ausência de privacidade para uso do banho e instalações sanitárias.


O que o Estado precisa fazer, segundo a decisão judicial

1) Reforma e/ou recuperação da estrutura física de sete unidades em até um ano a contar da data de intimação:

  • Centro Educacional Cardeal Aloísio Lorscheider
  • Centro Educacional Patativa do Assaré
  • Centro Educacional Dom Bosco
  • Centro Educacional São Francisco
  • Centro Educacional São Miguel
  • Centro Educacional Aldacir Barbosa Mota
  • Centro de Semiliberdade Mártir Francisca

A medida deve deixar os centros em condições adequadas de habitabilidade e sanitárias, em estrita observância ao que prevê o art. 94 c/c 123 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), demais diretrizes da Lei No 12.594 e da Resolução 46, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA);

2) Garantir a prevenção de superlotação nos referidos centros educacionais, abstendo-se de internar novos adolescentes quando a quantidade de internos for igual ou superior a 30% da capacidade máxima, providenciando a transferência de adolescentes a outros Centros Educacionais, quando a quantidade indicada for atingida;

3) Garantir o fornecimento de remédios bem como designar profissionais da área de saúde para atendimento dos adolescentes, cuja composição esteja em conformidade com as normas de referência do Sistema Único de Saúde;

4) Garantir o direito à visita íntima aos adolescentes submetidos ao regime de internação, desde que obedecidos os critérios estabelecidos pela Lei n.o 12.594, competindo ao juízo da execução decidir sobre cada caso;

5) Abster-se de aplicar qualquer medida de contenção que viole o princípio da dignidade da pessoa humana, a exemplo da medida conhecida como “tranca”, por constituir violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, dado seu caráter desumano e degradante;

6) Apresentar, no prazo de 120 dias, as medidas tomadas para prevenir conflitos entre profissionais e adolescentes nos Centros Educacionais.

Leia a íntegra da nota divulgada pela Seas:

A Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas) informa que desde a sua criação todas as demandas apontadas na referida Ação Civil Pública foram solucionadas, não havendo mais referências as práticas citadas na mesma. Foi elaborado um Plano de Gestão para sanar as falhas apontadas no Sistema de Atendimento Socioeducativo, cumprindo integralmente os termos contidos no documento.

Informamos, ainda, que não existe a prática conhecida como “trancas” nas unidades, tendo sido implantado um Regime Disciplinar nos Centros Socioeducativos, conforme determinação do SINASE, com realização de Comissões Disciplinares baseada em práticas restaurativas. Também, com o regulamento da Central de Regulação Vagas -CRV, disposto na Portaria nº067/2021, baseada em decisão do STF, publicada em Acórdão em 24 de agosto de 2020 e resolução nº 367/2021 do CNJ, não há mais Centros Socioeducativos Superlotados, tendo todas as unidades respeitado o limite máximo de 100% de ocupação.

Destacamos que houve a implementação de um processo de reordenamento do Sistema de Atendimento Socioeducativo com o objetivo de qualificar o serviço prestado aos adolescentes, realizando, para tanto, adequação arquitetônica das unidades, realização de seleção e contratação de quadro próprio de servidores, além da regulamentação de todas as rotinas e dinâmicas operacionais, com a implementação de ações efetivas e permanentes nas áreas de educação formal, profissionalizantes, arte, esporte, cultura e lazer, além da implantação do modelo de gestão compartilhada dos centros, formalizando parcerias com Organizações da Sociedade Civil.

Além disso, a Seas cumpriu todas as metas estabelecidas no acordo de resultados 2019 e 2020, ampliando assim a eficácia e a eficiência do atendimento integral ao adolescente em cumprimento de medida socioeducativa, contribuindo para sua reinserção sociofamiliar e comunitária, conforme relatório disponível no endereço: https://www.seplag.ce.gov.br/wp-content/uploads/sites/14/2021/06/Secretaria-da-Protecao-Social-Justica-Cidadania-Mulheres-e-Direitos-Humanos-2.pdf.

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