Mulheres negras sofrem mais as consequências econômicas da pandemia

De acordo com relatório da Gênero e Número 55% das mulheres negras afirmaram que a pandemia e a situação de isolamento social colocaram a sustentação da casa em risco.

A pandemia ressalta contrastes que já existiam no Brasil e evidencia as desigualdades de gênero e raça dessa população. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) trimestral do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, no fim de 2020, a taxa de desocupação entre os homens era de 11,9%, enquanto a das mulheres somava 16,4%. Das mulheres desempregadas, 58% delas são negras e 55% afirmaram que a pandemia e a situação do isolamento colocaram em risco a sustentação da casa, de acordo com pesquisa da Gênero e Número. 

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Dentre as pessoas ocupadas, que não perderam fonte formal de renda durante a pandemia, o rendimento varia drasticamente de acordo com a raça. No primeiro trimestre de 2020, a média de rendimentos da população branca ficou em R$ 3.105, enquanto a média de pessoas pretas e pardas ficou em R$ 1.748 e R$ 1.777, respectivamente.

Na Região Metropolitana do Cariri, Leidiane dos Santos Pereira tem vivenciado dias difíceis. Aos 31 anos, ela mora com os filhos, o mais velho de 16 anos e o mais novo com 12, e o sobrinho, também adolescente. Atualmente sua principal fonte de renda tem sido fazer faxinas, trabalho que já exercia antes da pandemia.

De segunda a sábado, ela sai de casa para trabalhar pela manhã e volta à noite. O medo de se infectar pela Covid-19 é constante. "As pessoas me tocam e eu respondo que tenho três filhos para criar. Eu não posso correr o risco com essa doença. Porque, se eu for, quem vai cuidar dos meus filhos?" questiona. Em pesquisa realizada em 2010, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostrou que 86% dos trabalhadores domésticos são mulheres. Destes, mais de 60% são negras. Os dados são da pesquisa "Mulheres e trabalhos: avanços e continuidades".

Leidiane e o filho mais velho Henrique, 16, que é quem cuida do irmão e do primo mais novo
Leidiane e o filho mais velho Henrique, 16, que é quem cuida do irmão e do primo mais novo (Foto: Pessoal/divulgação )

Além do dinheiro das faxinas, Leidiane também recebe bolsa da Universidade Regional do Cariri (Urca), onde está no oitavo período do curso de Ciências Sociais. Ela também recebeu o auxílio emergencial, mas desde o começo do ano sua principal fonte de renda vem do serviço doméstico que exerce informalmente. Ela lembra que a última vez que comprou carne vermelha foi há uns três meses, para fazer uma sopa. "Na época também que eu fazia compras para o mês inteiro, porque agora só consigo comprar de forma semanal e o 'grosso'. Frutas e verduras para salada não compro faz tempo'", completa.

Para comer carne de frango durante a Semana Santa ela precisou economizar o dinheiro da passagem por dois dias. Ela mora a cerca de 45 minutos a pé do trabalho.

Em Fortaleza, Luciana Rodrigues de Andrade também exerce o papel de chefe de família em casa, na comunidade das Goiabeiras, onde mora com o marido e as duas filhas pequenas. O marido perdeu o emprego de segurança no começo da pandemia e Luciana, que trabalhava formalmente como auxiliar de cozinha, foi demitida. A questão da comida não vem pesando tanto no orçamento, porque ela vem sendo beneficiada com cestas básicas. Atualmente Luciana faz faxina em três residências de uma mesma família na Praia do Futuro. 

Em fevereiro, Luciana participou das manifestações do setor de bares e restaurantes.
Em fevereiro, Luciana participou das manifestações do setor de bares e restaurantes. (Foto: Pessoal/Divulgação )

"É um perigo que a gente corre, mas eu tenho que dizer a você que, por conta da situação, a gente se coloca em risco", lamenta Luciana. A família para a qual ela trabalha teve duas pessoas internadas pela Covid-19 em abril. Em fevereiro, Luciana participou dos protestos do setor de bares e restaurantes contra a redução do horário de funcionamento. 

De acordo com a socióloga Izabel Accioly, as mulheres negras são as mais afetadas nesses períodos por sofrerem a dupla pressão de raça e gênero combinadas. "Acontece que, em situações de contratação e desligamento de funcionário, preferem desligar uma mulher por acharem que podem engravidar e vão desfalcar o time da empresa, que vão ter problemas quando as mulheres precisam cuidar dos filhos", complementa. 

Luciana Rodrigues Amaral e a filha mais nova, Ana Laura.
Luciana Rodrigues Amaral e a filha mais nova, Ana Laura. (Foto: Pessoal/Divulgação )

Atualmente, quando sai pra trabalhar, Leidiane deixa o filho mais velho cuidando do mais novo e do primo. Ela sai de casa pela manhã e deixa a comida deles pronta, pois só volta do trabalho à noite, por volta das 18 horas. Antes de um câncer acometer o pai das crianças, em novembro de 2020, era ele quem ficava com os filhos enquanto Leidiane trabalhava. Ela conta que uma aliada durante a quarentena foi a terapia, oferecida de forma gratuita por uma psicóloga da região durante certo tempo. Em abril, ela fechou duas semanas inteiras de trabalho para poder pagar pelo processo terapêutico, à qual ela deixou de ter acesso gratuito há cerca de cinco meses.

Tanto Leide quanto Luciana tentam cumprir as recomendações para evitar o contágio, usando máscara e fazendo o uso de álcool em gel. "Tem cliente que pede pra tirar a máscara. Ora, se tem médico que passa 10 horas em pé de máscara trabalhando, porque eu não conseguiria?", conta Leide.

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