Ceará registra 112 homicídios contra crianças e adolescentes nos três primeiros meses do ano

Crianças e adolescentes enfrentam duas graves epidemias: a de Covid-19 e a de homicídios. Comparação entre dados registrados no primeiro trimestre de 2021 com o mesmo período de 2019 mostram aumento de 93%

O Ceará registrou 112 assassinatos contra crianças e adolescentes nos três primeiros meses de 2021, o que representa 12 mortes a cada dez dias. Em comparação ao mesmo período do ano passado, o Estado apresentou redução de 32,5% em relação à letalidade de crianças e adolescentes. No entanto, o trimestre de 2020 coincide com o período de motim de policiais militares (fevereiro de 2020), quando foram registrados altos índices de violência. No comparativo com 2019, houve aumento significativo no número de homicídios: 93% de alta em assassinatos de pessoas entre 0 a 18 anos.

O acompanhamento dos números foi feito pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca Ceará), com base nos dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). Os números mostram que o contexto de assassinatos de crianças e adolescentes no Estado se agravou de maneira significativa no período de isolamento social, em decorrência da pandemia de Covid-19.

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Para Carla Kemile Moura, assessora técnica do Cedeca, a falta de políticas assistenciais voltadas para esse período da pandemia foi uma das causas para esse aumento tão alarmante. “As pessoas que já eram vulneráveis, sobretudo os jovens, tiveram uma vulnerabilidade ainda maior no contexto da pandemia por conta do isolamento social", explica Kemile Moura. “Não questionamos a importância fundamental do isolamento. Mas, com as aulas remotas e a suspensão de outras atividades presenciais, ficou mais difícil para professores ou monitores estabelecerem uma rede de proteção a essas crianças e adolescentes”.

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A assessora técnica avisa que os números de mortes tocavam exatamente os jovens das áreas da periferia de Fortaleza e da Região Metropolitana, onde faltam ações coordenadas voltadas para o enfrentamento de homicídios entre crianças e adolescentes.

O estudante Wesley de Sousa Silva, 17, foi uma dessas vítimas, durante o período do Carnaval, no Barroso, em fevereiro deste ano. Segundo sua irmã, Fernanda Sousa, 24, o adolescente foi atingido por um tiro nas costas. Ele ainda chegou a ser socorrido, mas não resistiu e morreu. “Isso causa revolta, indignação. E nada do que a gente faça vai trazer o Wesley de volta”, lamenta ela.

Em Fortaleza, há três anos, foi criado o programa Cada Vida Importa, com objetivos plurianuais, entre 2018 e 2021, de cinco metas para serem alcançadas nesse período. Do total de planos apresentados, dois foram retirados: a implantação de centro de atendimento para adolescentes e a realização de atendimento psicossocial aos familiares vítimas de violência por homicídio. Eles são de responsabilidade das secretarias de saúde do Ceará e dos municípios.

Foram mantidas as metas de realizar parcerias com organizações da sociedade civil para desenvolver ações de redução de homicídios de adolescentes, de implantar a Casa Abrigo destinada a crianças e adolescentes ameaçados e a de desenvolver serviço de acompanhamento comunitário de medidas socioeducativas em meio aberto civil. Duas delas tiveram orçamentos iniciais reduzidos. 

Para Carla Kemile Moura, a falta do espaço escolar, o contexto de acirramentos dos confrontos territoriais, o acesso precário a políticas socioassistenciais e a falta de ações coordenadas e específicas para o enfrentamento de homicídios de crianças e adolescentes, aprofundaram um contexto que já era preocupante antes do cenário de pandemia.

Secretaria da Segurança

 

Em nota, Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informa que os esforços empregados pelas forças de segurança do Ceará para combater os homicídios vêm apresentando quedas consecutivas mês a mês em relação ao mesmo intervalo do ano passado. A redução no índice também foi registrada na faixa etária que vai até os 18 anos. No primeiro trimestre de 2021, em comparação com o mesmo período no ano anterior, a retração foi de 32,5%, saindo de 166 casos ano passado para 112 este ano. Além disso, destaca que somente nos meses de fevereiro e março de 2021 foram registradas diminuições de 47,8% (de 67 para 35 casos) e 46,9% (de 64 para 34 registros), respectivamente, se comparados com os mesmos meses do ano de 2020.

A SSPDS reforça que atua de forma preventiva visando coibir os Crimes Violentos Letais Intencionais de qualquer faixa etária e/ou gênero, por meio da territorialização do policiamento em locais com maior incidência de crimes. Atualmente o Programa de Proteção Territorial e Gestão de Riscos (Proteger) disponibiliza policiamento 24 horas em pontos estratégicos na Capital e na Região Metropolitana de Fortaleza. Além da instalação dessas estruturas fixas da PMCE, o Proteger realiza o mapeamento de 70 indicadores como renda, saneamento e educação, referentes às áreas críticas de Fortaleza. Com a integração entre diversos atores municipais e estaduais, Polícia e demais instituições da sociedade civil, as ações ocorrem no intuito de melhorar a situação dos microterritórios no município.

A pasta ressalta que suas vinculadas reforçaram as ações para evitar os crimes violentos contra a vida. Como é o caso da criação e início das atividades coordenadas pelo Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis (DPGV) da Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE), entre os anos de 2018 e 2019, bem como a ampliação do número de delegacias do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), de cinco para 11 ainda em 2017, dedicadas à investigação de CVLIs na Capital.

A SSPDS salienta ainda a ampliação do trabalho de investigação nas delegacias de todo o Estado, o que deu ainda mais capilaridade à Polícia Judiciária cearense, bem como intensificou as investigações de crimes em todo o Ceará. O número de delegacias 24 horas no Ceará mais que dobrou nos últimos cinco anos, passando de 13 para 32 unidades plantonistas.

Além disso, ainda de acordo com a pasta, o acompanhamento de crianças e adolescentes em situação de violência também é feito por meio da Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dececa). Onde não há uma unidade especializada de atendimento a esse tipo de violência, a população pode comparecer às delegacias municipais, metropolitanas e regionais para registrar os crimes, que serão apurados pelos investigadores das unidades da Polícia Civil em todo o Estado. O próprio DPGV da Polícia Civil capacita profissionais em todo o Estado para atuarem no atendimento a esse tipo de ocorrência.

A SSPDS salienta que foca nas ações de territorialização nas regiões onde são registrados os maiores índices de crimes contra a vida, bem como atua no fortalecimento da polícia investigativa nesses locais para coibir a atuação e a disputa entre organizações criminosas. Destaca ainda que a presença permanente da Polícia nos territórios tem o objetivo de neutralizar a ação de grupos criminosos e construir uma relação de confiança junto aos moradores.

A pasta também ressalta que o combate aos crimes também se faz com investimentos em urbanização, sinalização e obras estruturais, bem como alternativas de inclusão comunitária, como espaços de lazer e convívio, oferta de unidades de saúde, programas de capacitação profissional de jovens e outros projetos conduzidos pelo Governo do Estado e prefeituras.

O POVO encontrou em contato com a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), com a Secretaria Municipal da Saúde de Fortaleza (SMS) e com a Secretaria dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social de Fortaleza aguarda uma resposta. As pastas são as responsáveis pelas metas que foram retiradas do programa.

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