Ceará tem apenas 73 auditores fiscais do trabalho para atender demandas externas

Quadro reduzido de profissionais, pouco transporte e até mesmo falta de computador dificultam atuação dos profissionais responsáveis por verificar cumprimento da legislação trabalhista

Atuando diretamente no combate ao trabalho escravo e infantil no Ceará, os auditores fiscais do trabalho enfrentam dificuldades estruturais e quadro reduzido de profissionais para atender às demandas. O Estado tem somente 73 auditores para cobrir todo o território realizando fiscalização em campo e dispondo de dois carros. Em 2020, foram recebidas 24 denúncias relacionadas a mão de obra análoga a escravidão, mas somente seis operações foram realizadas.

De acordo com o auditor fiscal Daniel Arêa, chefe da Fiscalização do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho no Ceará (SRT/CE), nem sempre é possível verificar todas as denúncias recebidas dado o número insuficiente de profissionais e transportes disponíveis.

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“Quando a demanda não é atendida no prazo mais breve possível, a situação de trabalho análogo à escravidão pode não mais ser encontrada, pois, em regra, são trabalhos temporários que possuem data para iniciar e terminar”, comenta.

Além do combate ao trabalho escravo e trabalho infantil, os auditores fiscais do trabalho atendem outras solicitações atreladas ao descumprimento da legislação trabalhista, como fraude do benefício emergencial, segurança e saúde no trabalho e atraso ou não pagamento de salário. Só no ano passado foram recebidas 3.242 denúncias pelo setor estadual.

No total, o Ceará tem 91 auditores fiscais no Ceará, 89 lotados em Fortaleza. No entanto, nem todos estão disponíveis para atuação externa. Existem auditores cedidos para desenvolver projetos internos no órgão central da fiscalização em Brasília, auditores lotados em cargos de chefia e auditores fiscais do Trabalho lotados no setor de processos administrativos.

Sobre esses últimos, Daniel explica: “São auditores que fazem as análises dos autos de infração e das defesas dos empregadores, portanto, para não haver conflito de interesses, eles não podem estar em campo.”

Outros empecilhos, ainda segundo o chefe da fiscalização da SRT/CE, são de natureza infraestrutural e dificultam o andamento efetivo do trabalho. Faltam computadores para todos os auditores e não há equipamentos como máquinas fotográficas para registro das situações encontradas pela fiscalização.

É de competência da União organizar, manter e executar a Inspeção do Trabalho no Brasil. Dessa maneira, os auditores fiscais do Trabalho estão vinculados diretamente à Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), órgão do Ministério da Economia.

O último concurso público para a área ocorreu em 2013, segundo o auditor fiscal Eduardo Macedo, vice-presidente do sindicato local de auditores fiscais do trabalho, que é vinculado ao Sindicato Nacional dos Auditores do Trabalho (Sinait). O País conta atualmente com 2.058 auditores-fiscais do Trabalho.

“A quantidade de auditores no País e no Estado é um fator que dificulta bastante as ações [de combate ao trabalho escravo], pois, como atendemos aos mais variados setores, às vezes, não sobra tempo suficiente para o desenvolvimento desejado de fiscalizações nesta área, apesar de não faltar empenho dos colegas em debelar esse mal”, relata.

O auditor fiscal atua no Ceará desde janeiro de 2010, quando foi removido de Macapá (AP) para o município do Crato. Posteriormente, em 2015, veio para Fortaleza, onde vem fiscalizando no setor de segurança e saúde.

Conforme Eduardo, outro obstáculo é a dificuldade em identificar os locais onde ocorrem situações de mão de obra escrava tendo em vista que os empregados “se sentem intimidados a denunciar e muitas vezes nem sequer sabem como fazê-lo”. A segurança nas ações, normalmente, é garantida com o apoio da Polícia Rodoviária Federal ou da Polícia Federal.

O POVO questionou o Ministério da Economia para saber se existe previsão de ampliação no quadro de auditores fiscais no Brasil, com abertura de novo concurso público. A reportagem também buscou esclarecimento sobre a falta de estrutura relatada pelos profissionais no Ceará. O Ministério enviou nota na tarde desta segunda-feira, 1º.

Leia íntegra da nota enviada pelo Ministério da Economia

Realizar concursos no momento iria contra a Lei Complementar (LC) 173/2020, que proíbe a realização de concurso público nos níveis federal, estadual, distrital e municipal, como uma das medidas fiscais em razão da pandemia da COVID-19. No entanto, é importante destacar que não há prejuízo para as ações fiscais e o efetivo atual tem sido suficiente, inclusive, para aumentar o número de fiscalizações de trabalho escravo. Nos anos de 2017, 2018 e 2019 os números de ações foram de 249, 253 e 280, respectivamente. Em 2020 foram 266 ações em virtude da pandemia, que provocou o afastamento de fiscais do grupo de risco nas ações presenciais. Mesmo assim é um número importante, maior até do que 2019, quando não houve pandemia.

De acordo com a Seção de Inspeção do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho no Ceará - SEINT/SRTb-CE, atualmente estão disponibilizados quatro veículos para atendimento das fiscalizações. Importante lembrar que diversas ações são realizadas com parceria com outros órgãos, como a Polícia Federal, o Ministério Público do Trabalho, Polícia Rodoviária Federal, entre outros, e pode haver o uso da estrutura também de outros órgãos, o que aumenta a efetividade das ações e a estrutura disponível. A fiscalização do Ceará conta atualmente com drones exclusivos para o combate ao trabalho análogo à escravidão que servem para mapeamento das demandas e registros das ações fiscais.

A Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério da Economia também informa que está em curso a aquisição de 900 notebooks para distribuição às Regionais, mediante levantamento de demandas. Em 2020, foram implementadas novas ferramentas para ampliar a presença fiscal com menos custo e mais efetividade, como as malhas de fiscalização (FGTS, subnotificação de Acidentes de Trabalho, não pagamento de verbas salariais, entre outras), inteligência artificial para predição de irregularidades, autodiagnóstico (https://autodiagnostico.sit.trabalho.gov.br/) e canal de denúncias on-line (https://denuncia.sit.trabalho.gov.br/).

Capital teve 26 casos de trabalho escravo na última década

Nos últimos dez anos, Fortaleza registrou 26 casos de trabalho escravo. No Estado, o município com o maior número de ocorrências foi Paracuru (141), seguido de Granja (118), Beberibe (74) e Parambu (51). Vinte cidades cearenses registraram denúncias do tipo.

Segundo Daniel Arêa, chefe de fiscalização no Estado, os setores econômicos com mais resgates de trabalhadores em situação análoga à escravidão são da extração da cera da carnaúba, construção civil e confecção têxtil.

Ele observa que o setor da extração da cera da carnaúba apresentou uma melhora relativa, sem flagrantes dessa mão de obra nos últimos três anos. “No inicio da década de 2010, houve flagrantes constantes de situação de trabalho análogo à escravidão dos empregados”, compara.

Em contrapartida, não é possível verificar a mesma evolução nos setores da construção civil e confecção têxtil. “As condições de trabalho continuam precárias e com constantes flagrantes de trabalhadores em situação análoga à escravidão”, acrescenta Daniel.

Um dos casos recentes aconteceu em 2019, quando seis trabalhadores em condições análogas à escravidão foram resgatados em uma obra no Meireles, um dos bairros nobres da Capital.

O Ceará registrou 289 trabalhadores resgatados em condições de trabalho similares à de escravidão na última década, sendo 2013 o ano com mais pessoas encontradas nessas condições, com 103 resgatados. Essa condição é caracterizada por péssimas condições de trabalho, jornadas exaustivas, servidão por dívida e trabalho forçado.

Do final de 2014 até o começo de 2021, foram 49 denúncias de trabalho escravo no Estado. Ao ser constatada a condição de trabalho análogo à de escravidão, são tomadas medidas como a imediata remoção dos trabalhadores para alojamento adequado e embargo de obra ou interdição de estabelecimento, caso o local de trabalho possua situação de grave e iminente risco à saúde.

Além disso, há envio de relatório para o Ministério Público do Trabalho e para o Ministério Público Federal para que sejam executadas providências na seara judicial trabalhista e criminal, respectivamente.


Identifique situações de trabalho análogo à escravidão:

Jornada exaustiva
Longas horas de trabalho (14 a 16 horas), geralmente em trabalho manuais/braçais, que geram desgaste físico. As jornadas são, em regra, de domingo a domingo. Portanto, sem tempo para descanso e reposição das energias. Essa intensidade de trabalho provoca a exaustão do trabalhador, que é acometido de doenças e possíveis acidentes do trabalho

Condição degradante
Péssimas condições de trabalho, por exemplo: alojamento com superlotação de trabalhadores, ausência de água potável ou utilização da mesma água para cozinhar alimentos, higiene pessoal e consumo próprio, alojamento improvisados sem proteção contra intempéries; ausência de banheiros ou existência de banheiros sem água; ambientes de trabalho com grave e iminente risco de saúde e segurança dos trabalhadores sem utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Deve ser sempre somado a todas as condições de trabalho. Nunca é analisado de forma separada essas condições

Trabalho forçado
O empregador que, por meio de ameaças de morte do empregado ou mesmo dos familiares, obriga o trabalhador a prestar serviços. Em algumas vezes, ficam sob vigilância de pessoas armadas para impedir a fuga.

Servidão por dívida
Empregador aluga ou vende materiais de trabalho, os quais devem ser concedidos de forma gratuita, a preços acima do mercado. Paga passagens para visita à família, medicamentos, entre outros. Essas dívidas nunca conseguem ser pagas em razão da aplicação de valores exorbitantes ou aplicação de juros para que o empregado, por meio do seu salário, jamais consiga quitar.

Fonte: Daniel Arêa, chefe da Fiscalização do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho no Ceará (SRT/CE)

Medidas tomadas pela fiscalização do trabalho ao ser verificada situação de trabalho análogo à escravidão:


- Autos de infração que geram multas;
- Empregador deve pagar as verbas da rescisão do contrato de trabalho dos empregados;
- Concessão do seguro desemprego para trabalhador resgatado (3 meses);
- Embargo de obra ou interdição de estabelecimento, caso o local de trabalho possua situação de grave e iminente risco à saúde e segurança dos trabalhadores
- Imediata remoção dos trabalhadores para alojamento adequado, no caso de alojamento precário e degradante;
- Concessão de meios para deslocamento dos trabalhadores para seus locais de procedência, quando os trabalhadores não são residentes na localidade do trabalho;
- Envio de relatório para o Ministério Público do Trabalho e para o Ministério Público Federal para a tomada de providências na seara judicial trabalhista e criminal, respectivamente.

Fonte: Daniel Arêa, chefe da Fiscalização do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho no Ceará (SRT/CE)

Como denunciar

Sistema Ipê - Canal de denúncia da Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia https://ipe.sit.trabalho.gov.br/

Setor de Fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho no Ceará (SRT/CE)
Contato: (85) 3878 3217 (WhatsApp)

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