Sem zerar fósseis até 2040, mundo caminha para ecocídio, diz Carlos Nobre
O climatologista, meteorologista e co-criador do Pavilhão de Ciência Planetária conversou com exclusividade com O POVO
21:35 | Nov. 21, 2025
Na tarde do último dia oficial da COP30, sexta-feira, 21, O POVO conversou com exclusividade com Carlos Nobre, climatologista, meteorologista e co-criador do Pavilhão de Ciência Planetária, primeiro nas histórias das Confederações.
O encontro aconteceu após o painel que ele apresentou na Casa da Ciência, localizada no Museu Paraense Emílio Goeldi, no bairro de Nazaré, na capital paraense. Lugar extremamente verde e arborizado no coração de Belém.
Ele comenta sobre a COP no Brasil, alerta sobre o colapso no clima se o uso dos combustíveis fósseis continuar, a experiência inédita dos cientistas nesse encontro mundial do clima e a possibilidade de estar em outras edições oficiais com a Ciência.
Carlos Nobre: confira entrevista exclusiva ao O POVO
O POVO — Qual o balanço que o senhor faz da COP30? Quais foram os resultados mais transformadores e quais mostram que ainda estamos longe do ritmo necessário para enfrentar a emergência climática?
Carlos Nobre — Até hoje pela manhã, quando os países divulgaram o rascunho do documento final do Mutirão Global, eu vi um aspecto extremamente positivo e outro extremamente preocupante. O ponto positivo é que esta foi a primeira COP, entre as 30 já realizadas, em que todos os países concordaram em zerar o desmatamento, principalmente o das florestas tropicais, e em acelerar a regeneração dos biomas até 2030.
Isso é muito importante, porque o desmatamento representou, por décadas, até 12% das emissões globais de gases de efeito estufa. E restaurar florestas não só remove CO₂ da atmosfera, como protege a biodiversidade e reduz riscos de epidemias e pandemias.
O POVO - E o preocupante?
Carlos Nobre- Diz respeito ao tema dos combustíveis fósseis. No Pavilhão da Ciência Planetária, produzimos diversas declarações que entregamos aos negociadores, ao presidente da COP, à secretária executiva e às delegações, afirmando que, para impedir que a temperatura ultrapasse muito os 1,7°C, precisamos interromper rapidamente o uso de combustíveis fósseis. A ciência indica que o ideal seria parar totalmente o uso até 2040, e, no máximo, até 2045.
No primeiro rascunho publicado, essa declaração simplesmente não aparecia. Trinta países reagiram e disseram que o texto precisa incluir uma redução muito rápida e a eliminação completa dos combustíveis fósseis. Se conseguirmos zerar até 2040, mesmo ultrapassando 1,5°C nos próximos cinco a dez anos, a temperatura não passa de 1,7°C e começaria a cair novamente antes de 2070, podendo retornar a 1,5°C até o final do século.
O POVO — Quais países aparecem fortemente contra essa meta?
Carlos — Alguns dos maiores produtores mundiais de combustíveis fósseis. China, Índia, Rússia e Arábia Saudita, por exemplo, são grandes produtores de petróleo. Mas vale notar que a Noruega, também produtora de petróleo, não se posicionou contra e a União Europeia apoiou totalmente a linha de reduzir e zerar rapidamente o uso de combustíveis fósseis. Portanto, a resistência vem de um grupo menor, mas muito influente.
O POVO - Qual outra decisão considera importante?
Carlos Nobre - A de manter vivo o compromisso de 1,5°C. O Acordo de Paris estabeleceu 1,5°C. A COP26, em Glasgow, reafirmou. Agora, estamos tentando saber se “Belém 1.5” será possível como mandato da COP30. Isso só ocorrerá se o texto trouxer claramente a eliminação acelerada dos combustíveis fósseis. Se o mundo só zerar por volta de 2050, ultrapassaremos 2°C.
O POVO — Qual é a consequência de o mundo não assumir essa eliminação rápida dos combustíveis fósseis?
Carlos Nobre - A consequência é o que chamamos de ecocídio, um suicídio ecológico. Se chegarmos a 2°C por volta de 2050, vamos extinguir todos os recifes de corais, possivelmente antes do fim do século. Vamos ultrapassar o ponto de não retorno da Amazônia, podendo perder até 70% da floresta em 30 a 50 anos.
O derretimento das grandes massas de gelo da Groenlândia e da Antártica Ocidental vai acelerar drasticamente o aumento do nível do mar. Também derreteremos o solo congelado do Permafrost na Sibéria, no norte do Canadá e do Alasca, liberando mais de 200 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa, principalmente metano, que é entre 28 e 30 vezes mais potente do que o CO₂ no aquecimento global.
Com todos esses fatores combinados, poderemos chegar ao ano 2100 com 3 a 4°C de aquecimento global. É, literalmente, um ecocídio planetário.
O POVO — O primeiro Pavilhão de Ciência Planetária foi considerado um marco nesta COP. Em que medida essa iniciativa reposiciona o papel da ciência nas negociações climáticas e como pode influenciar as próximas conferências?
Carlos Nobre — Foi a primeira vez, em 30 COPs, que se criou um Pavilhão de Ciência Planetária. A boa notícia é que o embaixador André Corrêa do Lago e a secretária-executiva, Ana Toni, aceitaram plenamente nossa proposta de levar o pavilhão também para a COP31, na Turquia. E existe até a possibilidade de torná-lo permanente nas conferências futuras.
Não se trata de uma liderança exclusiva do Brasil, o pavilhão reúne cientistas do mundo inteiro, mas ele só nasceu porque o presidente da COP pediu e articulou politicamente para que acontecesse. Estou muito otimista de que o pavilhão continuará existindo e, com sorte, se consolidará como um espaço permanente da ciência nas COPs.
O POVO - Como o senhor e toda a comitiva da ciência deixa Belém? Saem mais preocupados, mas ainda com alguma esperança?
Carlos Nobre - Olha, claro que hoje, sendo o último dia, tudo depende do relatório final. Se o texto realmente trouxer aquilo que mais de 30 países já afirmaram que é indispensável, zerar os combustíveis fósseis, e, além disso, apresentar uma proposta concreta de financiamento, então esta pode se tornar a COP mais importante da história.
O presidente Lula disse isso claramente quando se encontrou com nós, com o Observatório do Clima, uma liderança quilombola, uma liderança indígena brasileira e outra da África do Sul. Ele afirmou que esta tem que ser a COP mais importante e reforçou a urgência de reduzir rapidamente o uso de combustíveis fósseis. Se isso entrar no texto final, será um marco. Mas agora é esperar para ver o que acontece.
O POVO - A participação dos povos indígenas teve avanços importantes nesta COP…
Carlos Nobre - Sem dúvida. Esta foi a COP com o maior número de indígenas e de povos tradicionais que eu já vi numa conferência climática. Houve também uma presença expressiva de comunidades quilombolas e outras populações locais, especialmente da Amazônia. E, graças ao nosso país democrático, eles puderam se manifestar.
O presidente Lula anunciou o maior número de demarcações já feitas em seu governo e, quando conversamos com ele, adiantou que em breve anunciará cerca de 30 novas demarcações de territórios quilombolas. Isso torna esta COP muito relevante nesse sentido.
Quem é Carlos Nobre
Carlos Nobre é um climatologista, meteorologista e cientista do Sistema Terrestre brasileiro. Atualmente é o co-presidente do Painel Científico da Amazônia, professor de estudos avançados da Universidade de São Paulo (USP) e co-criador do Pavilhão de Ciência Planetária da COP30.
Formou-se em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em 1974, e obteve o título de doutor em Meteorologia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA, em 1983. Iniciou sua carreira profissional em 1976 no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em Manaus, Brasil, como assistente de pesquisa.
Foi pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) por mais de 30 anos, onde ajudou a estabelecer um moderno centro de pesquisa em previsão do tempo e do clima (CPTEC-INPE), do qual foi diretor de 1991 a 2003, entre outras atividades.