Insegurança alimentar: mulheres negras têm maior risco de desnutrição e obesidade

Pesquisa da UFPB utilizou dados de mais de 46 mil participantes do INA, um módulo dentro da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018

06:00 | Out. 30, 2025

Por: Bárbara Mirele
Imagem de apoio ilustrativo. Conforme pesquisa, mulheres negras têm maior chance de sofrer com desnutrição, obesidade ou os dois ao mesmo tempo (foto: Reprodução/Freepik)

Na sociedade brasileira, mulheres negras em insegurança alimentar estão mais propensas a sofrer de desnutrição ou obesidade. Dados foram revelados em uma pesquisa da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Estudo apontou que grupo têm chances 42% mais altas de apresentarem obesidade e 41% de baixo peso em relação a homens brancos.

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A pesquisa utilizou dados de mais de 46 mil participantes do Inquérito Nacional de Alimentação (INA), módulo dentro da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018.

Insegurança alimentar contribui para desnutrição e obesidade

“Temos uma teoria que tenta explicar isso, a da sindemia global. São dois problemas mundiais (desnutrição e obesidade) junto com mudanças climáticas. Essas coisas estão se retroalimentando”, é o que explica o autor principal do estudo e pesquisador da UFPB, Sávio Marcelino Gomes.

Na medida que os eventos climáticos aumentam, a temperatura do planeta vai mudando.

Com isso, secas e enchentes estão mais propensas a acontecer, ou seja, há uma dificuldade na produção de alimentos e um aumento no consumo de ultraprocessados, como forma de ter mais opções de alimentos.

“A gente começa a ter um processo de aumento de peso, decorrente da obesidade e muitas das vezes de desnutrição”, afirma Sávio. Segundo ele, as pessoas acessam calorias e energia, mas não os nutrientes. “Muitas vezes é mais fácil e barato comprar um biscoito no supermercado do que um vegetal”.

O pesquisador declara que a insegurança alimentar contribui para desnutrição e obesidade.

“Uma pessoa que tá passando por isso, precisa comprar alimentos mais baratos. Muitas vezes são ultraprocessados que têm muita energia e pouco nutriente. E aí a gente vê a insegurança alimentar sendo um mecanismo também que causa esses problemas", diz.

No ano de 2021, O POVO publicou um material explicando que, insegurança alimentar refere-se quando uma pessoa não tem acesso regular e permanente a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para sua sobrevivência saudável.

Ou seja, quando, por qualquer razão, não há condições de se manter ao menos três refeições diárias saudáveis e em quantidade suficiente para suprir as necessidades do corpo.

Mulheres que moram na periferia têm dificuldade no acesso à alimentação

Questionado se o fato de morar em regiões periféricas contribui para o cenário em que essas mulheres se encontram, Sávio afirma que sim. Ele cita a existência dos desertos e pântanos alimentares.

O primeiro termo refere-se a locais e comunidades que tenham disponibilidade e acesso limitados aos alimentos saudáveis.

Já os pântanos, trata-se de territórios com abundância de estabelecimentos comerciais que ofertam ultraprocessados.

“Essas mulheres que moram na periferia tem um acesso mais dificultado à alimentação. Ou seja, elas precisam de tempo e dinheiro para se deslocar até um local que tenha alimento in natura”.

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Um mapeamento dos desertos e pântanos alimentares no Brasil, feito pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), apontou que as periferias urbanas concentram a maior parte da população em insegurança alimentar e nutricional, predominantemente mulheres, negras e com maior número de filhos.

“Nesses locais, o acesso a alimentos saudáveis e a políticas sociais é severamente limitado, e os moradores das periferias são os mais afetados pelas emergências climáticas, exacerbando o racismo ambiental", apontou o estudo.

Como resultado da insegurança alimentar e nutricional, pesquisa observou um cenário persistente de múltipla carga de má-nutrição, havendo coexistência em uma mesma população de diferentes.

Em Fortaleza, o número de pessoas em situação desertos alimentares é de 512.561 (21.2%), em relação ao total populacional de 2.421.191. Já a quantidade de pessoas vivendo em pântanos alimentares é de 314.096 (13%).

Pesquisador sugere soluções para mudar realidade de insegurança alimentar

Para tentar mudar a realidade, Sávio explicou que o MDS tem investido em políticas públicas voltadas à mudança do ambiente alimentar. Uma delas, citada pelo pesquisador, é o Alimenta Cidades.

“Temos que ampliar o acesso das pessoas por meio de feiras livres, fomento à agricultura familiar para dentro da cidade e investir no desenvolvimento de hortas comunitárias”, enumerou o pesquisador.

Outra alternativa é o consumo de alimentos biodiversos: “O consumo de biodiversidade no Brasil hoje é muito limitado”. Ele cita as Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC), como exemplo.

Segundo ele, muitas das plantas conseguiriam ser reproduzidas com menos custos. “Conseguiríamos alimentar e nutrir uma maior parte da população”, declara.

“A gente tem uma certa resistência em muitos lugares, pela falta de conhecimento e contato com esses alimentos. Então, ampliar o acesso sobre esse tipo de alimento seria interessante, inclusive para baratear o acesso”, finaliza Sávio.

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