Fake news sobre vacinas contribuíram para aumento de mortes por Covid-19 no Brasil, aponta estudo da Uece

Pesquisa inédita relaciona desinformação à hesitação vacinal e reforça urgência em políticas públicas de enfrentamento às fake news

19:39 | Jul. 04, 2025

Por: Victor Marvyo
Fiocruz alerta para circulação simultânea da covid-19 e gripe (foto: )

Uma pesquisa inédita conduzida por pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará (Uece) revelou que a disseminação de fake news durante a pandemia de Covid-19 esteve diretamente associada ao aumento da mortalidade pela doença entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022. Os dados foram publicados recentemente na Revista de Enfermagem da Universidade Federal do Piauí (UFPI).

O estudo “Impacto das Fake News sobre a vacinação na mortalidade por Covid-19: uma análise epidemiológica no Brasil” foi liderado pela jornalista e pesquisadora Adriana Rodrigues, e é o primeiro a demonstrar estatisticamente essa correlação no país.

Desinformação como fator de risco

Segundo Adriana, as fake news não interferem apenas na decisão de se vacinar, mas também afetam outras medidas de prevenção, como o uso de máscaras e o isolamento social. “Além da recusa à vacinação, a gente via muitas pessoas não usando máscara, não ficando em casa”, disse em entrevista à rádio O POVO CBN nessa quarta-feira, 2.

A análise utilizou dados do Ministério da Saúde, além de conteúdos identificados pelas agências de checagem Lupa e Aos Fatos. Foram identificadas 159 fake news relacionadas à vacina no período estudado. O pico de casos confirmados ocorreu em março de 2022, com 933.452 registros, enquanto o de óbitos foi em abril de 2021, com 78.942 mortes.

A pesquisa mostrou que, quanto maior a circulação de desinformação sobre vacinas, maior a taxa de mortalidade por Covid-19. Por outro lado, a cobertura vacinal não apresentou uma correlação estatisticamente significativa com as mortes, o que aponta para a influência de outros fatores, como desigualdade regional, variantes do vírus e, principalmente, a hesitação vacinal impulsionada por conteúdos falsos.

LEIA MAIS | Prefeitura assumirá gestão da Santa Casa por meio de decreto de intervenção

Impacto direto na decisão da população

O estudo também revelou que, apesar de 72% da população inicialmente afirmar que pretendia se vacinar, a influência das fake news gerou medo e insegurança. “As pessoas ficam com medo de tomar uma decisão errada, mas acabam tomando a pior, se baseando em informações que não têm embasamento nenhum”, alerta Adriana Rodrigues.

A desinformação, segundo a autora, teve maior impacto em regiões com alto consumo de conteúdo em redes sociais, como já apontado por outros estudos internacionais. A hesitação vacinal, portanto, passa a ser mais um indicador do efeito nocivo da desinformação em tempos de crise sanitária.

O modelo estatístico utilizado incluiu análise de regressão linear e o teste de correlação de Spearman, aplicados aos dados organizados em planilhas e processados com o software SPSS. A taxa de fake news foi calculada com base no número de notícias falsas sobre vacinas em relação ao total de fake news no período.

LEIA MAIS| Vacina meningocócia ACWY passa a ser ofertada para crianças de 12 meses

Desinformação ainda pouco combatida

Para a pesquisadora, o combate às fake news ainda não é prioridade para muitos governos e instituições, o que pode comprometer campanhas de vacinação em andamento, como a da gripe. Atualmente, o Brasil tem apenas 42% do público prioritário imunizado contra a influenza, de um total de 42,8 milhões de pessoas, segundo o Ministério da Saúde.

“Uma das grandes formas que eu enxergo como uma boa expectativa é os governos se vincularem às universidades, com projetos de pesquisa financiados. Mais uma vez, a educação é o caminho. As pessoas precisam ter esse conhecimento, saber onde procurar as informações”, defende Adriana.

Ela destaca ainda a necessidade de mais investimento público em campanhas educativas e pesquisas científicas, além de maior responsabilidade dos veículos de comunicação e plataformas digitais para frear a desinformação, especialmente em momentos de emergência sanitária.