Venezuela: quando os interesses de Rússia e China se chocam com os do Brasil

As duas potências antagônicas aos Estados Unidos disputam influência no país sulamericano, mas esquecem de pesar os interesses do Brasil, que faz fronteira direta com a Venezuela. O POVO conversou com dois especialistas em Relações Internacionais para entender os conflitos de interesses das posições da Rússia e China com o Brasil quando se trata de Venezuela

Desde o final das contestadas eleições na Venezuela, o país sul-americano tem dominado os noticiários diante das alegações de fraude, ausência de transparência na apuração dos resultados e perseguição de opositores do regime. A recente fuga para exílio de Edmundo González, ex-candidato na eleição e que alega ter vencido o pleito, consolida a percepção do endurecimento da ditadura chavista.

Rússia e China, as duas principais contestadoras do poder norte-americano e da ordem internacional, têm interesses em manter uma boa relação com o regime venezuelano de Nicolás Maduro. A Rússia tem ambições geopolíticos na contestação à influência dos Estados Unidos na região, semelhante ao apoio que oferece a Cuba.

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Para o Brasil a estabilidade da região é importante para integração entre os países, e para que o Estado brasileiro consiga exercer sua liderança, já tão contestada por especialistas em Relações Internacionais. Exemplos de integração que podemos citar são o Mercosul e ou mesmo a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).

Além disso, o Brasil tem mais de 2 mil km de fronteiras com a Venezuela, e uma repressão ainda mais do regime pode aumentar ainda maior o fluxo migratório para o país, em especial ao estado de Roraima.

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Desde a ascensão do chavismo na Venezuela, a Rússia tem sido o principal fornecedor de equipamentos bélicos ao país, pois enxerga a nação sulamaericana como um ponto de contestação a influência dos Estados Unidos. Defesas antiaéreas S300 compradas da Rússia pela Venezuela botam o país em superioridade em alguns quesitos.

O professor Vitelio Brustolin da Universidade Federal Fluminense, e pesquisador de Harvard, Vitelio Brustolin, disse, em entrevista ao O POVO, que a Venezuela precisa menos do Brasil hoje do que precisava antes, e a aliança do país com China e Rússia dá segurança ao país em virar as costas ao Brasil. Além desse fator, o especialista lembra as volumosas vendas de material bélico russo ao país sulamericano.

“A Venezuela precisa menos do Brasil do que precisava no passado. A Venezuela recebe muito equipamento militar tanto da Rússia quanto da China. Aeronaves de guerra, como o SU 30, foram recebidos 24 dos quais 12 parecem estar operacionais, oito Y-8, que são aviões chineses. Muito equipamento para uso pessoal, metralhadoras, fuzis de assalto”, explicou Vitelio.

Segundo o professor, o mundo passa por um segundo período da Guerra Fria, e a Venezuela é o que ele chama de ponta de lança, o mais importante aliado de Rússia e China nas Américas. “A Venezuela se vê em uma segunda Guerra Fria. Diferente do que aconteceu na primeira Guerra Fria, a ponta de lança era Cuba. Nesse momento, Cuba continua sendo uma parceira da Rússia, mas a maior ponta de lança para Rússia na América do Sul é a Venezuela”.

Já para Uriã Fancelli, mestre em estudos europeus pelas universidades de Groningen e Estrasburgo, e analista de politica internacional, apesar das vendas de armas à Venezuela pela Rússia, o montante ainda não é uma ameaça ao Brasil, diante da inoperabilidade causada pela falta de manutenção ocasionado pelas sanções ocidentais ao país.

“Não considero que a venda de armas russas para a Venezuela represente uma ameaça significativa à soberania, à instabilidade da região ou à segurança nacional do Brasil, até mesmo porque, com base nos dados que temos disponíveis, a Venezuela enfrenta limitações operacionais em termos de manutenção e uso eficiente de seu equipamento militar, especialmente em comparação com o Brasil. Isso é bastante comum em países altamente sancionados”, argumentou Uriã .

Apesar disso, ele considera que a atuação dos dois países na América Latina, e em especial na Venezuela, atrapalha a busca por liderança do Brasil. “Ofusca a busca brasileira por se colocar como uma potência regional, dificulta esse objetivo brasileiro, mas não são uma afronta direta aos interesses do Brasil”, conclui o especialista.

O contexto muda, porém, se esses armamentos forem utilizados pela Venezuela para invadir a Guiana, país cujo 70% do território Maduro reivindica para si, principalmente após um referendo realizado em 3 de dezembro do ano passado. “Se esses equipamentos militares fossem de fato usados para invadir Essequibo, na Guiana, por exemplo, aí poderíamos dizer que sim, pois isso traz instabilidade regional”, conclui o especialista.

Para Vitelio Brustolin, o Brasil já não tem mais a liderança reconhecida na região, e cita como exemplo a posição dos demais países da região, independente do que é dito por Brasília. “A liderança do Brasil não é mais reconhecida na América do Sul. A gente vê isso com a quantidade de notas contrárias ao regime maduro a despeito da posição do Brasil”, disse Vitelio.

Veja na integra a entrevista com o professor Vitelio Brustolin:

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