Peixe-leão: quais os perigos, a origem e como a espécie invasora pode ter chegado ao Brasil?

Desde março deste ano, 28 peixes-leão foram capturados no litoral do Nordeste. Espécie já foi encontrada no Ceará, Piauí, Amazonas, Fernando de Noronha e Rio de Janeiro

O primeiro surgimento do peixe-leão no Brasil foi registrado entre os anos de 2014 e 2015, no Rio de Janeiro, devido ao vazamento de um aquário local. Mais recentemente, em 2020 e 2021, a espécie peçonhenta e invasora do litoral brasileiro, nativa do Indo-Pacífico, passou a ser vista com mais frequência, já tendo sido encontrada no Ceará, Amazonas, Piauí e Fernando de Noronha.

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De março deste ano até o momento, a quantidade de achados do animal aumentou de forma considerável. No litoral do Nordeste, mais de 40 notificações sobre o peixe-leão já foram registradas e 28 deles foram capturados entre as praias cearenses de Bitupitá, Camocim, Jijoca de Jericoacoara, Preá, Acaraú e Itarema, e nas praias de Luís Correia e Cajueiro da Praia, no Piauí. 

No Ceará, o primeiro contato de um humano com o peixe-leão foi registrado na quinta-feira, 21, na Praia de Bitupitá, no município de Barroquinha, sendo também o primeiro registrado no País. Na ocasião, o pescador Francisco Mauro da Costa Albuquerque, 24, trabalhava em um curral de pesca quando acidentalmente pisou no animal, sofrendo sete perfurações no pé pelos espinhos do peixe.

Perigos do peixe-leão em águas brasileiras

Fazendo parte da família Scorpaenidae, de peixes marinhos venenosos, o peixe-leão possui 18 espinhos com veneno, sendo 13 localizados na nadadeira dorsal, três na nadadeira anal e um em cada nadadeira pélvica, segundo o doutor em Biologia Marinha, Tommaso Giarrizzo, pesquisador do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC).

"Os espinhos do peixe-leão têm diversas finalidades, como defesa, através da inoculação do veneno, podendo ser utilizados também como intimidação e para se ancorar em fendas ou suturas naturais ou artificiais. O veneno do peixe-leão geralmente causa náusea, vômito, sudorese, febre, convulsões e dor abdominal", explica o pesquisador.

Além dos perigos de contato com o ser humano, o peixe-leão não possui predadores naturais no Brasil, podendo causar desequilíbrios ambientais e econômicos. O animal também é um predador agressivo, com alta capacidade de adaptação em diferentes ambientes marinhos. Os últimos encontrados no litoral do Nordeste entravam entre um e nove metros de profundidade, considerada rasa para a espécie.

A também doutora em Biologia Marinha, Sandra Beltran-Pedreros, dona do canal Aquófilos, no YouTube, explica que o peixe-leão pode ser considerado uma praga em territórios onde não existem predadores naturais da espécie pela grande taxa de reprodução. Uma fêmea pode colocar cerca de dois milhões de ovos por vez, representando um alto risco para outras espécies marinhas.

"O peixe-leão também é um risco para os humanos, porque muitos pescadores pescam com redes, existindo o perigo de um peixe-leão vir dentro delas. Se uma pessoa pega nele ou é ferida por ele, pode ocorrer uma situação tão grave como a que ocorreu com o pescador do Ceará ou pior, a depender da resistência de cada indivíduo", pontua a bióloga.

Origem do peixe-leão e seus predadores naturais

O peixe-leão é nativo do Indo-Pacífico, oriundo das águas fundas do sul da Índia, da Indonésia, da China e do oeste da Austrália. A espécie pode ser encontrada mais facilmente em regiões de recifes de corais, uma vez que ele se refugia em buracos e cavernas, explica a Dra. Sandra Beltran-Pedreros. "Os recifes de corais são áreas extremamente ricas, super biodiversas e com grande quantidade de peixes", completa.

A especialista explica que outras espécies de peixe-leão ainda não foram encontradas no Brasil, não descartando a possibilidade. A espécie invasora do litoral brasileiro faz parte de uma grande variedade de peixes mainhos venenosos dos gêneros Pterois, Parapterois, Brachypterois, Ebosia ou Dendrochirus, pertencentes à família Scorpaenidae.

"Essa família é toda constituída de peixes peçonhentos, pois eles produzem veneno pelas nadadeiras, que são constituídas de filamentos como agulhas. Algumas dessas espécies possuem um veneno muito poderoso, que é utilizado para defesa", pontua a bióloga. Os predadores naturais do animal são algumas espécies de tubarões e de garoupas, que não são encontradas no Brasil.

"Os tubarões foram passando por processos de adaptação a esses níveis de toxina que o peixe-leão possui. As garoupas são peixes muito grandes que se alimentam por sucção. Uma vez que o alimento entra até o estômago, os sucos gástricos acabam com qualquer coisa. Então, esses são os maiores predadores que o peixe-leão tem em seu habitat natural", explica Dra. Sandra.

Trajetória do peixe-leão até o Brasil

Considerado um peixe ornamental, o peixe-leão costuma ser comercializado para aquários. Com esse mesmo objetivo, Dra. Sandra Beltran-Pedreros explica que a espécie chegou até os Estados Unidos, tendo contato com o mar de forma acidental após o furacão Katrina, em 2005. Ela pontua que muitas espécies que viviam em aquários foram soltas por conta do desastre natural.

"Nesse processo, muitos aquários e lojas de aquários foram quebrados, deixando muitas espécies soltas na água. Então, se acredita que alguns peixes-leão caíram na água e terminaram chegando até o mar. Possivelmente, o peixe-leão que saiu da Indonésia legalmente para as lojas de aquário, vendidos como peixe ornamental, terminou no mar assim", esclarece a bióloga.

Soltos em outras áreas que não configuravam seu habitat natural, o peixe-leão estava livre para explorar outras regiões, chegando, assim, ao Caribe. A região se tornou uma paraíso para a espécie por conta da grande quantidade de recife de corais. Sem predadores naturais na nova moradia aquática, o animal continuou no Caribe também pela falta de concorrência para predar outros animais.

"Existem tubarões e garoupas no Caribe, mas para que exista predação é preciso que o predador entenda que o peixe-leão é um alimento. Como não existiam animais da espécie no Caribe antes, os tubarões e as garoupas não sabem que ele é comestível. Possivelmente, em algum momento mais para frente, algumas espécies de tubarões podem vir a consumi-lo, pois ele está aumentando muito a sua população", pontua a especialista.

Por o Brasil possuir poucas barreiras de recifes de corais, a bióloga esclarece que o peixe-leão pode ter chegado às águas brasileiras por meio de correntes oceânicas vindas do Caribe. "Existem correntes oceânicas que chegam pela Foz do Amazonas e pegam para o norte, pela costa do Amapá. O peixe teria que nadar contra a correnteza, mas existem épocas do ano que ela fica muito leve, facilitando para que ele fosse trazido para essas áreas", explica.

Com relação à presença do peixe-leão no litoral do Nordeste brasileiro, o biólogo marinho Tommaso Giarrizzo explica que ainda não se sabe quais animais estão sendo predados pela espécie invasora, mas pela profundidade a qual a espécie foi encontrada, no raso, entre um e nove metros, o especialista acredita que peixes invertebrados, de importância comercial, estão servido de alimento para o predador.

O que fazer quando o peixe-leão for encontrado?

O pesquisador do Labomar, Tommaso Giarrizzo, ressalta a importância dos pescadores no processo de mapeamento do peixe-leão no litoral do Nordeste. "Pelas vivências diárias no mar, eles são fundamentais para ajudar nas pesquisas que estamos conduzindo. Eles podem observar e capturar o peixe-leão, nos ajudando a registrar ocorrências dessas espécies invasoras em novas localidades e ambientes", pontua.

Caso o animal seja encontrado, o especialista recomenda que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) seja acionado pelo número (85) 3307 1100. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) também pode ser acionado por meio de uma ouvidoria na platafoma do instituto.

Além disso, a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema) e as secretarias ambientais de cada município podem ser acionadas caso o peixe-leão seja encontrado. O e-mail de contato da Sema é o cientistachefesema@gmail.com. "Através desses contatos, é possível contribuir, portanto, com as pesquisas que estamos realizando", pontua o biólogo Tommaso.

Se a espécie invasora for capturada, o especialista alerta que ela não deve ser devolvida ao mar. A conservação do animal deve ser feita, se possível, em gelo como forma de preservá-lo para eventuais pesquisas que podem ser realizadas por pesquisadores do Labomar. A avaliação é importante para entender a atual situação que o litoral do Nordeste se encontra com a presença do animal.

"Temos que entender em quais ambientes aquáticos se encontram ocorrências do peixe-leão, em quais regiões da costa têm maiores abundâncias. Precisamos investigar sobre a dieta, ou seja, ver quais são os principais organismos predados por essa espécie invasora. Com esse diagnóstico, será possível fazer uma análise de risco dos possíveis efeitos deletérios sobre a biodiversidade e a economia local", completa.

Em caso de acidentes com os espinhos do peixe-leão, a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) recomenda manter a área do corpo afetada em água quente por 30 a 40 minutos. Em caso de febre, dor muito intensa e vestígio de infecção, a Sesa aconselha buscar uma unidade de saúde para avaliação médica e prescrição de medicações adequadas.

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