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15 de novembro, a celebração sem entusiasmo da República brasileira

O dia da Proclamação da República não goza do prestígio de outras datas cívicas, como o 7 de setembro, comemorado com desfiles em todo o País. E isso tem a ver com o modo como ocorreu
08:07 | Nov. 15, 2020
Autor Redação O POVO
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Neste domingo, 15 de novembro, em que os brasileiros vão às urnas escolher os gestores municipais, também são comemorados os 131 anos da Proclamação da República no Brasil. A data, apesar do peso simbólico para o País, é pouco conhecida em sua profundidade e sequer goza do prestígio de outras datas cívicas, como o 7 de setembro, comemorado com desfiles em todo o País.

O 15 de novembro é celebrado sem entusiasmo. E isso, talvez, não por pouco preço à causa republicana, mas, provavelmente, pelo próprio processo de troca de regime, de pouca participação popular. “Sua popularidade nem de longe se compara a de algumas celebrações regionais, como o Dois de Julho na Bahia, o Treze de Março no Piauí, o Vinte de Setembro no Rio Grande do Sul ou o Nove de Julho em São Paulo”, escreve o historiador Laurentino Gomes em 1889, sobre estas efemérides que marcam a expulsão dos portugueses desses locais.

Na verdade, há até certo desconhecimento sobre a Proclamação da República e o contexto. As bases do Império não ruíram da noite para o dia; o marechal Deodoro da Fonseca, que encerrou o reinado de Pedro II, era ele mesmo um monarquista; e a República sequer foi proclamada no dia 15. Vamos entender, de acordo com o livro 1889, de Laurentino Gomes:

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Qual o contexto do Brasil na época da proclamação?

 

A locomotiva "Baroneza", a primeira do Brasil
A locomotiva "Baroneza", a primeira do Brasil (Foto: Arquivo Nacional)

Em 1889, último ano do Império, o Brasil tinha 14 milhões de habitantes. A escravidão havia sido abolida há apenas um ano. A agricultura representava 70% da economia brasileira, principalmente o café, do qual o País era o líder mundial de exportação. O território, àquela época, já estava quase com a mesma configuração de hoje, só faltava o Acre, que viria a ser incorporado em 1903.

Nas capitais, começavam a instalação de lampião a gás e os telégrafos permitiam a comunicação mais rápida por todo o País, inclusive a circulação de jornais. Haviam 41 feriados religiosos no calendário nacional e a aristocracia rural mandava em tudo. O voto era restrito a homens a partir de 25 anos com determinada renda anual mínima.

O fim da Guerra do Paraguai estava prestes a completar 20 anos, que além do custo humano - foi o conflito mais sangrento da América Latina -, havia custado ao governo brasileiro um déficit orçamentário que atravessaria o Império até a República. Após o conflito, encerrado em 1870, o movimento abolicionista foi reforçado (negros escravizados e brancos livres lutaram lado a lado) e a causa republicana voltou a ganhar força, inclusive com a publicação, no mesmo ano do fim da guerra, do Manifesto Republicano, liderado por figuras políticas e líderes maçônicos. Os militares, a partir daí, desenvolveram uma ideia de tutela do Estado brasileiro.

Ao longo do Império, algumas revoltas já haviam levado a ligeiras experiências republicanas, como a Confederação do Equador, unindo as províncias de Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte, que durou 4 meses; ou a Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul, que durou 10 anos e instalou uma república no estado. Em várias províncias houve revoltas em função da centralizadora Constituição de 1824, que dava pouco poder aos governos regionais.

No final da década de 1880, portanto, o Brasil passava por relativa expansão industrial e aumento da malha ferroviária. A maior parte da população era analfabeta e o Imperador havia perdido sua base de sustentação na aristocracia rural, após o fim da escravidão. As ideias liberais e republicanas, em pleno Século da Luz, eram difundidas com maior força nos centros urbanos, embora não necessariamente tenham sido convertidas em ganhos políticos (em 1889, o Partido Republicano elegeu apenas 2 deputados). Àquela altura, Pedro II estava velho, cansado e doente.

A família imperial brasileira tentou reagir à Proclamação da República, mas Pedro II, o imperador, não quis
A família imperial brasileira tentou reagir à Proclamação da República, mas Pedro II, o imperador, não quis (Foto: Arquivo Nacional)

Como foi a proclamação da República?

 

“A proclamação da República foi resultado mais do esgotamento da Monarquia do que do vigor dos ideais e da campanha republicanos”, escreve Laurentino Gomes. Em 1889, o Império já não contava com apoio da aristocracia rural. A única figura de ligação da Monarquia com a população era Pedro II - a herdeira do trono, a Princesa Isabel, era vista com ressalvas, ainda mais por causa do marido, o francês Conde D’Eu.

Os militares reclamavam do soldo e das condições gerais da tropa. Ao longo dos anos, inúmeras farpas públicas haviam sido trocadas entre militares e o governo acerca de política, escravidão e outros temas. O governo lembrava que os fardados não podiam, constitucionalmente, tutelar a vida política do País; os militares, por sua vez, achavam-se injustiçados.

O marechal Deodoro da Fonseca foi, até o último instante, um monarquista. Ainda assim, t terminou primeiro presidente do Brasil
O marechal Deodoro da Fonseca foi, até o último instante, um monarquista. Ainda assim, t terminou primeiro presidente do Brasil (Foto: Arquivo Nacional)

Em meio a esta situação, a figura do marechal Deodoro da Fonseca, herói da Guerra do Paraguai, foi a fiel da balança. Em 1889, já corriam boatos que figuras políticas, jornalistas e algumas lideranças tramavam um golpe de Estado, mas, sobretudo, cortejavam Deodoro da Fonseca, a quem consideravam elementar para o sucesso da troca de regime. Deodoro, embora discordasse do governo de Afonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro Preto, era amigo pessoal e admirador de Pedro II.

Para lidar com a crescente assertividade das Forças Armadas, o Visconde de Ouro Preto tomou uma série de medidas para fortalecer grupos armados como a Guarda Nacional ou a própria Polícia, além de criar outras bases pelo País para espalhar o Exército, até então muito concentrado em torno da Corte, no Rio de Janeiro. As medidas inflaram as tropas.

Quando Deodoro da Fonseca foi convencido de que o Exército estava em vias de dissolução por parte do governo e que ele próprio estava com a prisão decretada - o que era mentira -, o líder militar reuniu as tropas armadas e exigiu, no dia 15 de novembro, a demissão do governo. E só. Deodoro da Fonseca, um monarquista, acreditava que, agora, Pedro II iria formar um novo governo e tudo voltaria ao normal. Não depôs o imperador nem proclamou a República.

Por um dia, o Brasil viveu uma situação em que não havia governo, pois os membros estavam detidos pelos revoltosos, nem havia República, que não foi proclamada nem um líder foi indicado. O Parlamento estava em recesso, logo, nada fez. Os militares escreveram uma carta à nação brasileira, informando a deposição do governo e da chefia de estado, isto é, de Pedro II, e a composição de um novo governo. Porém, não proclamaram ou sequer utilizaram a palavra república. Aguardavam o movimento do imperador.

Aos 64 anos, Pedro II estava desiludido, cansado e doente
Aos 64 anos, Pedro II estava desiludido, cansado e doente (Foto: Arquivo Nacional)

No entanto, como conta Laurentino Gomes, surgiu o boato de que um antigo desafeto de Deodoro da Fonseca, Gaspar Silveira Martins, seria indicado Ministro da Guerra no novo governo, isto é, teria poder sobre os militares. No passado, Deodoro e Gaspar disputaram o amor de uma bela mulher, e Gaspar levou a melhor. Deodoro sempre guardou rancor do rival e, dizem, a sugestão de que seu inimigo pessoal agora seria seu chefe foi a gota d’água.

No dia 15 de novembro foi constituído um novo governo, encabeçado pelo marechal Deodoro da Fonseca. Na madrugada do dia 16, o novo governo promulgou seu primeiro decreto:

Art. 1o. Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da
Nação Brasileira a República Federativa.
Art. 2o. As províncias do Brasil, reunidas pelo laço da federação, ficam
constituindo os Estados Unidos do Brasil.

E assim, no dia 16 de novembro, foi proclamada a República brasileira, a que o jornalista Aristides Lobo, republicano convicto, referiu-se à época nos seguintes termos: “O povo assistiu àquilo bestializado”.

A participação civil e Pedro II

 

O núcleo duro da causa republicana, composto de Benjamin Constant, Quintino Bocaiúva, Rui Barbosa e Floriano Peixoto, conseguiu levar Deodoro à proclamar a República. Antes, havia preparado um plano amplo para tomar bases militares, se apossar de armas e munições e preparar uma contra-ofensiva à reação do Império. No entanto, o Império nunca reagiu.

Os vários relatos da época demonstram que Pedro II, um imperador cansado e velho, alijado pela diabetes, tanto não levou a sério o movimento quanto pareceu não se importar. A bem da verdade, em seus diários, o monarca já vinha demonstrando certo tom desiludido. Ao longo do 15 de novembro, enquanto a princesa Isabel e o Conde D’Eu reuniam o Conselho de Estado, consultavam aliados, analisavam suas possibilidades, Pedro II leu jornais e jantou normalmente.

Capa da primeira Constituição republicana do Brasil, de 1891
Capa da primeira Constituição republicana do Brasil, de 1891 (Foto: Arquivo Nacional)


Quando tropas e aliados apareceram para oferecer suas armas e defender o Império, Pedro dispensou: não queria conflitos no País. No momento mesmo em que foram informados de que deveriam deixar o Brasil, enquanto a família imperial estava prostrada na sala, Pedro dormia. Foi somente quando soube do exílio, que reagiu. “Os senhores estão doidos? Que lhes fizemos nós? É aqui que tenho minhas afeições!”, em referência ao país em que nasceu e viveu.

Ainda assim, no dia 17 de novembro, os Orleans & Bragança tomaram vapor rumo à Europa, onde Pedro II viria a morrer dois anos depois. A notícia do fim do Império foi rapidamente compartilhada graças aos telégrafos, mas os quatro dias de agitação, de 14 a 17 de novembro, não gozaram da festa de uma vitória. “Fruto de uma conspiração entre militares e um número reduzido de civis, a Proclamação da República pegou a todos de surpresa. Ao ver o desfile das tropas comandadas por Deodoro no centro da cidade naquela manhã, ninguém saberia dizer com certeza do que se tratava. O tom do noticiário parecia contraditório. Havia uma revolução em andamento, anunciavam os jornais, mas o clima geral era de ordem e tranquilidade”, pontuou Laurentino Gomes em seu livro, 1889.

Deodoro, assim como Pedro II, já estava velho e cansado. Como primeiro presidente do Brasil, havia chegado ao poder através de um golpe de Estado. A Constituição continuou a ser aquela promulgada por Pedro I em 1824, até ser substituída por uma nova, republicana, em 1891. A primeira eleição presidencial, no mesmo ano da nova Constituição, foi indireta, apenas o Congresso votou para escolher o presidente. E o monarquista Deodoro da Fonseca venceu.

Tropas no Arco do Triunfo, no Rio de Janeiro, no final do século XIX
Tropas no Arco do Triunfo, no Rio de Janeiro, no final do século XIX (Foto: Arquivo Nacional)

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