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Conselho Nacional de Justiça reconhece identificação de gênero no sistema prisional

A partir de agora, as pessoas condenadas devem ser direcionadas a presídios e cadeias conforme sua autoidentificação de gênero. Ceará tem penitenciária que cumpre a determinação do CNJ
00:00 | Out. 05, 2020
Autor Angélica Feitosa
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Tipo Notícia

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou, na última sexta-feira, 2, que pessoas condenadas devem ser direcionadas a presídios, cadeias e penitenciárias de acordo com a sua autoidentificação de gênero. A ação permite que lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis ou intersexo (LGBTI), condenados e privados de liberdade, possam cumprir suas penas em locais adequados ao seu gênero autodeclarado.

A decisão foi aprovada durante a 74ª sessão do Plenário Virtual. “Em um sistema penitenciário marcado por falhas estruturais e total desrespeito a direitos fundamentais, a população LGBTI é duplamente exposta à violação de direitos”, afirma o conselheiro Mário Guerreiro, relator do processo que se transformou na Resolução.

A norma aprovada pelo CNJ está em conformidade com tratados internacionais ratificados pelo Brasil, com a legislação nacional relativa a Direitos Humanos e com a Constituição Federal. E vai ao encontro à proteção às minorias que o atual presidente do órgão, ministro Luiz Fux, defende como fundamental para reduzir as violações de direitos que o Estado brasileiro ainda perpetua. “Com esta nova resolução, o Brasil dá um passo importante no fortalecimento da tutela das minorias e no reconhecimento da dignidade da pessoa humana”, destaca Fux.

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No Brasil, apenas 3% das unidades prisionais (36 cadeias) possuem alas destinadas ao público LGBTI, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). Outras 100 cadeias possuem celas exclusivas para essa comunidade. No geral, 90% das penitenciárias não possuem cela ou ala destinada a esse público.

No Ceará, já existe um presídio dentro do complexo penitenciário de Itaitinga destinado a recolher essa população. A Unidade Prisional Irmã Imelda Lima Pontes tem o objetivo de evitar casos de violência e de preconceito contra a população carcerária LGBT+ (gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgênero). Os presos cumprem pena em um local com instalações reformadas para atender condenados de baixa periculosidade. Além de presos gays, bissexuais e travestis, o presídio também atende idosos e pessoas vulneráveis, como internos com dificuldade de locomoção, além dos que cumprem pena por infração à Lei Maria da Penha.

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Eneas Romero, titular da 19ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, avisa que a mudança não interfere na rotina da grande massa carcerária do País. Mas traz uma transformação inquestionável na vida das pessoas LGBT+ dentro do sistema penitenciário. "Evitar colocar uma mulher trans ou uma travesti junto com homens. O que essa resolução garante é a possibilidade de dignidade dentro dos presídios", conta. Uma das vantagens é que reduz os riscos de crimes sexuais contra essa população e isso implica na diminuição do perigo para esses detentos.

A nova resolução determina que a Justiça leve em consideração a autodeclaração dos cidadãos, que o sistema penal respeite seus direitos e os juízes busquem exercer a possibilidade do cumprimento de pena dos LGBTIs em presídios que possuam alas diferenciadas para essa população. As análises serão feitas caso a caso.

A regra também será aplicada aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa que se autodeterminem como parte da população LGBTI, enquanto não for elaborado lei própria, considerando-se a condição de pessoa em desenvolvimento, com as devidas adaptações, conforme previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Respeito


O reconhecimento da pessoa como parte da população LGBTI será feito exclusivamente por meio da autodeclaração, que deverá ser colhida pelo magistrado em audiência em qualquer fase do procedimento penal, incluindo a audiência de custódia, até a extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena, garantidos os direitos à privacidade e à integridade da pessoa declarante.

Informado de que a pessoa em juízo pertence à população LGBTI, o juiz deverá informar, em linguagem acessível, os direitos que esta resolução lhe garante. O texto prevê, entre outras garantias, as visitas íntimas em igualdade de condições para essa população.

As diretrizes para elaboração da Resolução foram sugeridas após um ano de debate com membros da sociedade civil interessados no tema. “A minuta do texto levou em conta as graves situações de violência e vulnerabilidade que a população carcerária LGBTI vive, assim como a ADPF 527, quando foram identificadas violações de direitos nesses cumprimentos de pena e determinado que as presas transexuais femininas sejam transferidas para presídios femininos”, conta o juiz auxiliar da presidência do CNJ Gustavo Direito.

Assassinatos

 

A medida vai beneficiar principalmente a vida de mulheres trans, que sofrem graves situações de violência e discriminação dentro dos presídios masculinos. O direito à não discriminação e à proteção física e mental das pessoas LGBTI tem amparo no princípio da dignidade humana, no direito à não discriminação em razão da identidade de gênero ou em razão da orientação sexual, no direito à vida e à integridade física, no direito à saúde, na vedação à tortura e ao tratamento desumano ou cruel.

A necessidade de proteção do grupo LGBTI é reconhecida e amparada nos Princípios de Yogyakarta, aprovados em 2007 pela comunidade internacional. Apesar das leis, o Brasil lidera o ranking mundial de violência contra transgêneros, cuja expectativa média de vida, no País, é de 35 anos, contra os quase 80 anos de vida do brasileiro médio, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ainda de acordo com Eneas Romero, titular da 19ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, a população que comete crime deve ter o direito de não ser vítima de violência. "É dever do Estado evitar isso", informa. Toda a violência, o preconceito e a discriminação que envolve a vida de uma pessoa trans ou travesti, ainda de acordo com Romero, acabam sendo levados para dentro das penitenciárias. "A população LGBT+ sofre violência em todos os níveis da vida. Na escola, no trabalho, na família. Muitas acabam desempregadas ou nas ruas. Essa determinação do CNJ não deve ser vista de modo algum como privilégio, mas como uma forma de evitar uma nova violência", finaliza.

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