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Entenda o conceito de cristofobia, mencionada por Bolsonaro em discurso na ONU

Em 2019, foram mortos 29 pessoas que decidiram não negar sua fé em Jesus Cristo
14:21 | Set. 24, 2020
Autor Ismia Kariny
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Ismia Kariny Estagiária O POVO online
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Tipo Notícia

Em discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o presidente Jair Bolsonaro fez apelo à comunidade internacional “pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia”. A declaração, realizada na última terça-feira, 22, levantou debates acerca da existência do preconceito contra cristãos. Para alguns, o conceito é equivocado, pois, segundo afirmam, “ninguém morre por ser cristão no Brasil”. Outros acreditam que o termo é uma tentativa de negar o extremismo religioso. Mas, afinal, o que seria a cristofobia?

De acordo com o padre Rafhael Maciel, sacerdote eleito pelo papa como Missionário da Misericórdia, o termo cristofobia se refere à aversão ou ridicularização pública de uma pessoa, em razão da sua fé em Jesus Cristo. “A igreja é repleta de mártires, vários santos no passado foram perseguidos porque acreditavam em Cristo. Naqueles primeiros tempos, não chamávamos de cristofobia”, esclarece o padre, recordando que a perseguição contra os cristãos se tornava testemunho de fé.

Em 2019, de acordo com o Vaticano, foram mortas 29 pessoas que decidiram não negar sua fé em Jesus Cristo, segundo o VaticanNews. Também no ano passado, 260 milhões de cristãos foram perseguidos em todo o mundo, segundo dado divulgado pela agência de notícias AFP, a partir de um relatório publicado em janeiro pela organização não governamental Open Doors (em português, Portas Abertas).

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A ONG Portas Abertas entende a perseguição como “qualquer hostilidade experimentada como resultado da identificação de uma pessoa com Cristo”. Dessa forma, atitudes hostis, palavras e ações contra cristãos são consideradas perseguição religiosa. A definição, contudo, não é aceita universalmente, afirmam. Convencionalmente, ela é vista como uma ação realizada ou respaldada pelo Estado. Para a entidade, outros agentes sociais, étnicos ou religiosos podem praticar ações que se configuram como perseguição.

Os principais tipos de perseguição contra cristãos listados pela entidade são por motivos de autoritarismo, paranoia ditatorial, antagonismo étnico, opressão islâmica e nacionalismo religioso. Anualmente, a Organização divulga a lista dos 50 países mais perigosos para os cristãos, a partir de levantamento realizado por instituições ligadas à promoção da liberdade religiosa. Entenda a metodologia


Cristofobia ou intolerância religiosa?

 

No imaginário de alguns brasileiros, o conceito de cristofobia seria equivocado, pois, segundo afirmam, “ninguém no Brasil morre por ser cristão”. Assim, há a separação do que seria cristofobia e o que seria intolerância religiosa. O padre Rafhael Marciel, no entanto, discorda dessa concepção. Segundo o religioso, o preconceito pode ser manifestado de diversas formas, e morte física não é o único fim da cristofobia.

“A fobia não se dá necessariamente quando há a morte física. É possível matar moralmente ou ideologicamente”, frisa o padre. “A ridicularização pública pode acontecer com qualquer caminho religioso. Muçulmanos, judeus, afro-religiosos podem ser hostilizados. Não é apenas a morte física, é quando eu rejeito até ter uma proximidade com alguém”, complementa.

Outro argumento crítico ao conceito de cristofobia, que ganhou destaque desde a declaração de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, se refere ao uso do termo para mascarar discursos que negam o extremismo religioso por parte de cristãos. Esse problema é reconhecido pelo padre Rafhael. Porém, o religioso salienta que, assim como existem preconceitos por questão sexual ou de raça, existem preconceitos de questão religiosa.

“Infelizmente, existem cristãos protestantes ou católicos que agem de forma extremista”, reconhece o padre. “A gente tem que buscar, de fato, o diálogo, o respeito uns com os outros; sermos bons uns com os outros, porque essa foi a mensagem do evangelho do nosso Senhor, e o que queremos para nossa sociedade é a paz”, finaliza.

Discurso de extrema direita

 

Para Christian Dennys, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), que estuda religião há 25 anos, o conceito de cristofobia é um termo que tem sido utilizado por supremacistas de direita para afirmar que maiorias cristãs são vítimas “das esquerdas”. Segundo o pesquisador, o termo ganhou novo significado a partir da midiatização (via redes sociais) e da judicialização (via bancadas evangélicas).

“‘Cristofobia’ não existe: mas pode virar uma lei para incriminar, de forma hedionda, quem atente contra a pregação de um ‘neopentecostal’ - ultimamente tornado sinônimo do verdadeiro evangélico cristão”, comenta o professor. No entendimento de Dennys, o discurso da cristofobia é instrumento de revanchismo usado por grupos de extrema direita.

Segundo o professor, ao adotar o discurso da cristofobia, a extrema direita estaria tentando fazer das maiorias hegemônicas “vítimas perfeitas e legitimadas por um crime inventado”. Para o professor, se levando em consideração o marketing eleitoral, essa seria uma alternativa muito mais segura do que criar “uma criminalidade que pouca gente entende”.

Dessa forma, pautas como a da homofobia, feminicídio ou racismo, seriam menosprezados, conforme o posicionamento político-ideológico de determinada pessoa. Enquanto a cristofobia seria vista como uma ameaça real. “Tanto que o líder máximo do Brasil já jurou defender-nos, desse crime de ódio, merecendo nosso voto conservador, familiar e cristão", ironiza Dennys.

O professor argumenta que esse seria um truque de retórica eficiente, porque se torna uma “verdade” que satisfaz aos eleitores; por isso, a cristofobia entrou em pauta recentemente no Brasil. “Como se ela fosse a verdadeira explicação para males socioambientais do País”, finaliza.

Serviço

 

O mapa interativo da ONG Open Doors está disponível em português no site Portas Abertas, que pode ser acessado no endereço.

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