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Um ano do Massacre de Suzano: "Todo mundo está passando por um processo de reconstrução", diz sobrevivente

O POVO conversou, por telefone, com Rhyllary Barbosa, uma das sobreviventes. Jovem utilizou golpes de Jiu-Jitsu para se defender de assassino. Massacre completa um ano nesta sexta-feira, dia 13 de março
18:00 | Mar. 12, 2020
Autor Gabriela Feitosa
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Gabriela Feitosa Estagiária do O POVO Online
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Tipo Notícia

Como futuro hobby, ela quer teatro. Adora atuar e até pensa em ser modelo. Coincidentemente, o seu nome veio da televisão. A família achou bonito o Hillary (personagem da série Um Maluco no Pedaço) e resolveu adotar para a menina - de forma abrasileirada, lógico: assim surgiu Rhyllary.

No instagram, ela costuma compartilhar com seus seguidores a rotina de atleta. Ama Jiu-Jitsu e pretende levar o esporte como carreira. Mas também quer fazer Educação Física, ser delegada e tocar projetos sociais. “É tanta coisa, né? Mas, sonhar é de graça”, brinca. 

Há um ano, no entanto, o dia 13 de março de Rhyllary Barbosa havia de ser traumático. Ela é uma das estudantes vítimas do trágico Massacre de Suzano, que matou dez pessoas e deixou 11 feridas.

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À época, Rhyllary passou a ser chamada de heroína, por ter lutado com um dos assassinos e aberto a porta de entrada da escola, por onde outros estudantes escaparam. Ainda tentando superar, a menina de 16 anos afirma: “Por mais que eu lembre do que aconteceu, eu estou bem. Eu sinto que não posso desanimar por causa das pessoas”, contou ao O POVO.

No início deste ano, Rhyllary ganhou uma bolsa de estudos em uma escola particular, que fica a 30 minutos da Escola Estadual Professor Raul Brasil, local do massacre. A mudança, segundo ela, foi pensando no futuro. “Eu sinto muito falta. Não senti que a recepção na nova escola foi tão calorosa quando entrei na Raul Brasil, mas precisava pegar essa oportunidade”, explica.

A menina tem usado o tempo do luto para refletir sobre as consequências do massacre. Admitiu não deixar de pensar em coisas que, para ela, poderiam ter evitado a tragédia, como mais segurança na escola. Esse é só o ponto de partida, no entanto. Ao O POVO, Rhyllary disse que mais debates sobre bullying nas escolas e fortalecimento da prática de esportes são saídas essenciais.

Foi o Jiu-Jitsu, inclusive, que “salvou” sua vida, como ela mesma explica. O vídeo que mostra o momento em que Rhyllary se defende de um dos assassinos foi repetidamente exibido. Em contrapartida, ela não gosta de falar sobre o dia. O que quer é tempo, paz e uma vida cheia de sonhos.

"Queremos ir para a escola em paz. Se toda vez que a gente sair da escola, ficar um monte de câmeras na nossa cara, com vários repórteres, fazendo perguntas o tempo todo, perguntando a sensação, como foi etc. Respeitem nossa dor", desabafou em uma publicação nas redes sociais semanas depois do dia 13.

O sentimento de hoje é semelhante : “Nesse momento, nesse ano, eu percebo muitas coisas. A gente não tem um sentimento nem tão bom, nem tão ruim. Eu percebo que tem muita coisa que precisa ser feita”, afirmou durante entrevista ao O POVO.

Em 9 de março deste ano, a Folha de S. Paulo adiantou que a escola retornará as atividades em abril. O local passa por reformas. Segundo Rhyllary, um dos espaços que deverá sofrer mais mudanças é o antigo local da diretoria - lugar mais afetado durante o massacre. “A diretoria agora é uma sala (comum) para ninguém ficar lembrando…”, observa.

A certeza é que as mudanças não acontecem somente na escola, como colocou Rhyllary: “Todo mundo que estava dentro da escola está passando por um processo de reconstrução. Alguns estão muito tristes, outros estão tentando superar”.

“Eu sinto muita falta do Raul (colégio), da energia, das pessoas”

A nova rotina de Rhyllary inclui a escola pela manhã, os treinos diários de Jiu-Jitsu à noite e os cuidados com as duas sobrinhas pequenas, Bia e Eloá - que divide com a mãe. A saudade vez ou outra aperta, mas ela ainda mantém contato com professores, funcionários e colegas da Raul Brasil. “Era agradável, tanto a estrutura da escola, quanto a afinidade entre as pessoas. Eu sinto muita falta do Raul (colégio), da energia, das pessoas”, desabafa.

A escola nova fica a cerca de 30 minutos da antiga. A jovem deve retornar à Raul Brasil para a inauguração dos novos espaços. Após o massacre, Rhyllary começou a receber atendimento psicológico especializado, mas contou sentir que ainda precisa. “Eu fui encaminhada do Raul para um posto perto de casa. Estava fazendo acompanhamento, mas entrou de férias. O psicólogo que eu ia ajudou em partes”, reconhece.

Hoje, os treinos são mais rigorosos e os esportes contemplados na nova escola são mais variados - diferente da Raul. Esse é um ponto importante para a menina, que vem construindo uma carreira sólida dentro do jiu-jitsu. “Eu sempre tive em mente que precisava saber me defender. O que eu vejo é que as pessoas pensam que a mulher é um pouco mais vulnerável”, afirma.

Ela conheceu o esporte aos 13 anos, quando uma amiga a levou para participar do Projeto Bonsai. Aos 16 anos, Rhyllary pensa em levar o esporte como carreira, sem desconsiderar outros hobbies. “Quero fazer faculdade de Educação Física, ser atriz e modelo como hobby. Adoro teatro, é um hobby que quero”, completa. “Dar um futuro bom para a família” é, no entanto, principal objetivo.

Hoje, junto a colegas e professores esportistas, a jovem toca o projeto “Paz nas Escolas”, que está precisando de patrocínio. O grupo leva discussões em instituições sobre a importância dos esportes no ambiente escolar. Objetivo é expandir a cobertura do projeto e levar a mais lugares.

Obras da Escola Raul Brasil, em Suzano, estão 90% concluídas, diz secretaria

O POVO entrou em contato com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, para saber informações sobre as obras na Raul Brasil. Em nota, a pasta disse que as obras e reformas do colégio, que fica no município de Suzano, estão 90% concluídas. Na segunda-feira, 9, o secretário da Educação, Rossieli Soares, visitou a unidade. A conclusão está prevista para o mês de abril.

Iniciadas em outubro do ano passado, o projeto de revitalização inclui uma reforma completa da unidade cujo custo de R$ 2,7 milhões está sendo patrocinado por empresas parceiras, por meio do Instituto Ecofuturo. Para complementar a obra e adquirir mobiliário e equipamentos, a secretaria da educação investiu mais R$ 400 mil.

“O projeto foi pensado para ampliar os espaços de convivência para que haja uma releitura da própria escola que é antiga e já precisava receber intervenções. Além disso, a mudança olhou para aspectos de segurança”, disse o secretário Rossieli Soares.

A revitalização da escola inclui a construção de novas áreas comuns, de estudo, de convivência e administrativas. Prevê ainda a demolição e reconstrução de novas salas de aula, do Centro de Ensino de Línguas (CEL), banheiros e cantinas, além da reforma das salas de leitura e informática.

Está sendo criada também uma área de 1,5 mil metros quadrados para uso comum, que contará com paisagismo, além de um espaço destinado à prática de esportes, aulas ao ar livre e bicicletário.

No prédio principal da Raul Brasil, que está na fase final, destaca-se a criação do Espaço de Inovação, laboratório maker equipado com 24 notebooks, smart TV e impressora 3D.

A escola também contará com o um novo acesso, que não vai mais ocorrer pela rua Otávio Miguel da Silva.

As obras ainda incluem a revitalização da quadra poliesportiva, a criação de passagens cobertas e a reforma completa dos banheiros do pátio e da cantina, obedecendo aos padrões da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Por fim, para trazer mais cor à nova Raul Brasil, o muralista Eduardo Kobra e sua equipe vão pintar painéis internos e os muros externos da escola. Os desenhos serão criados a partir de um concurso que vai reunir os alunos das 60 escolas da região de Suzano e selecionar os melhores trabalhos.

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