Recuperar a imagem internacional do Brasil é o maior desafio da política externa, afirmam pesquisadores

Moderação do discurso, desenvolvimento de pautas ambientais e parcerias estratégicas são algumas das propostas apresentadas para recuperar a credibilidade do país

A menos de dois dias para as eleições, propostas de política externa têm recebido pouca atenção por parte dos candidatos e eleitores. Para dinamizar o debate, o dossiê “Política Externa e Regionalismo", publicado no início do mês, faz uma análise dos planos de governo, discursos e campanhas dos candidatos sobre o tema. A produção é fruto da colaboração de diversos pesquisadores membros do Observatório de Regionalismo (ODR) e pode ser lida gratuitamente.

Para os pesquisadores que produziram o estudo, existe uma forte semelhança entre as candidaturas, sejam elas de esquerda ou direita. As diferenças se dão, principalmente, na escolha dos parceiros econômicos, mas não apresentam nenhuma ruptura ou inovação em relação às gestões anteriores. O principal desafio é recuperar a imagem do país que vem sendo associada ao negacionismo.

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Confira, a seguir, detalhes das propostas dos três candidatos melhores posicionados nas pesquisas eleitorais:

Lula (PT)

O candidato fala em recuperar o prestígio internacional e a condição brasileira de protagonista global através de uma “política externa ativa e altiva”, como cita em seu plano de governo. “Lula certamente buscará replicar o que fez em sua gestão passada, porém, adaptada às novas conjunturas", explica Davi Guimarães, pesquisador do Observatório de Regionalismo.

 

Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Parceiros Econômicos

A América Latina aparece com destaque na agenda política do PT. A integração Sul-Sul é considerada a prioridade para as relações do país. “O Brasil não se limitaria apenas nas relações com os países desenvolvidos do Norte'', aponta Davi. Segundo o pesquisador, Lula busca colocar o Brasil como um protagonista nas questões internacionais, como um país líder de um movimento organizado com outros países emergentes. É de se esperar, então, a tentativa de fortalecer blocos econômicos, como: Mercosul, BRICS e G20.

Em relação às duas maiores potências globais, EUA e China, Davi diz que o petista “atenderá os interesses nacionais de forma pragmática e soberana''. O plano de Lula, de fortalecer os laços com o Sul, não significa entrar em conflito com o Norte.

Meio Ambiente

O petista traz a pauta ambiental como um dos pilares de sua política externa. “O Brasil, desde a redemocratização, buscou se inserir como um ator internacional de destaque e propositivo importante e urgente agenda ambiental”. Para o pesquisador, foi nessa área que o Brasil de Bolsonaro mais se destacou negativamente no plano internacional. Lula afirma, em seu plano de governo, o compromisso com a sustentabilidade social, ambiental, econômica e com o enfrentamento das mudanças climáticas. Ele defende que a resolução da crise climática se dará a partir de uma atuação internacional conjunta.

Jair Bolsonaro (PL)

Diferente de 2018, Bolsonaro demonstra, hoje, uma postura menos agressiva internacionalmente. A prioridade de seu governo é a intenção de fazer parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O objetivo é atrair investimentos e fortalecer laços com países desenvolvidos. Luan Olliveira Pessoa, que também é pesquisador do Observatório de Regionalismo, afirma que “a expectativa é de mais ambiguidade, mais ambivalência entre agressividades e contenções”. Sobre a ambiguidade, o acadêmico usa de exemplo o caso das urnas eletrônicas. Ao mesmo tempo que fala de “eleições limpas”, ele levanta desconfianças sobre o sistema eleitoral.

Bolsonaro em discurso na ONU.
Bolsonaro em discurso na ONU. (Foto: Reprodução/ Youtube ONU)

Parceiros econômicos

Sobre sua relação com países vizinhos, “a expectativa é o prosseguimento da desimportância conferida ao Mercosul e à América Latina”, analisa Luan. “O Mercosul, especificamente, deve continuar aparecendo em situações esporádicas e em questões econômico-comerciais pautadas pelo neoliberalismo: discussões sobre redução de tributações e sobre acordos com países compradores dos bens primários brasileiros”. Também vale lembrar das inimizades de Bolsonaro com outros líderes Látino-americanos. O candidato já criticou Alberto Fernández (da Argentina), Nicolás Maduro (da Venezuela) e Gabriel Boric (do Chile).

A prioridade é fazer parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), também chamada de “Clube dos ricos”. “O Brasil já é um parceiro-chave da OCDE desde 2007, o que permite participar de várias discussões, mesmo sem ser membro”, ressalta Luan. O problema, segundo o pesquisador, é que o Brasil não tem as mesmas condições socioeconômicas que os países fundadores da organização. “Tal abertura favorece quem está mais bem posicionado para a competição”. Empresas nacionais dificilmente conseguiriam concorrer contra empresas estrangeiras. Em outras palavras, seria como o Fortaleza disputar contra o Real Madrid.

Meio Ambiente

Na questão ambiental, o plano de governo de Jair Bolsonaro diz que “tem como propósito central promover a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais, com foco na qualidade ambiental como um dos aspectos fundamentais da qualidade de vida das pessoas, conciliando a preservação do meio ambiente com o desenvolvimento econômico e social.” Porém, como já dito por Davi Magalhães, é nas questões ambientais que o governo se destaca negativamente. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), o desmatamento na Amazônia registrou recorde nos seis primeiros meses de 2022. Internacionalmente, é onde mais existem críticas ao país.

Ciro Gomes (PDT)

O candidato cearense surpreende ao quase não citar tópicos relacionados à política externa no seu plano de governo. "As negociações comerciais e diplomáticas seguirão dois princípios essenciais: a defesa dos interesses nacionais e da soberania do país”, escreve no documento. Termos como “América do Sul”, “Mercosul” e “Brics” nem mesmo são citados.

Ciro Gomes, candidato do PDT a presidente.
Ciro Gomes, candidato do PDT a presidente. (Foto: MIGUEL SCHINCARIOL / AFP )

Parceiros Econômicos

Em seu livro, “Projeto Nacional de Desenvolvimento'', escreve que "a integração latino-americana e o Brics continuam a ser as melhores oportunidades de parcerias estratégicas para o país”. Por mais que seja a favor de fortalecer os laços com países do latino-americanos, não deixa de fazer fortes críticas. Afirmou que Cuba é uma ditadura e chamou a Venezuela de abominável.

Desafios da nova gestão

Davi Guimarães acredita que o negacionismo e o alinhamento de Jair Bolsonaro com países e lideranças ultraconservadoras e autoritárias, como Donald Trump (dos EUA), Viktor Orbán (da Hungria) e Mohammed bin Salman (da Arábia Saudita), foram responsáveis por “manchar a reputação internacional do Brasil como um ator confiável, capacitado para negociar e liderar negociações a nível internacional”.

Segundo ele, "viramos um pária internacional, apesar de alguns avanços no aspecto comercial, limitado ao acordo comercial do Mercosul com a União Europeia e às tratativas de o país entrar na OCDE”. O pesquisador também acredita que as pautas ambientais, como mais fiscalização, controle do desmatamento e metas claras para a redução da poluição, são “fundamentais para uma recuperação da imagem do país”.

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