Não tem país na África? Nova novela da Globo terá nação inventada

Não tem país na África? Nova novela da Globo terá nação inventada

Por que nova novela da Globo será ambientada em país fictício do continente africano? Não existem nações na África?

No dia 3 de novembro, foi anunciado que “Nobreza do Amor”, nova novela “das 6” da TV Globo, terá protagonismo negro e será ambientada em Batanga, um país da África.

Erika Januza interpretará a rainha da nação na trama e Duda Santos será a princesa, filha de Januza. O problema? Batanga não existe. É um lugar inventado, assim como a Wakanda de “Pantera Negra” (2018).

A diferença é que o super-herói da Marvel nasce em uma história em quadrinhos da década de 1960 e é criado por um time quase todo de pessoas brancas (a primeira história foi escrita por Don McGregor, com arte de Rich Buckler, Gil Kane e Billy Graham – único negro da equipe –, e arte-final de Klaus Janson e Bob McLeod).

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Embora a novela da Globo tenha na equipe técnica um panorama similar (são duas pessoas brancas - Duca Rachid e Júlio Fischer - e uma pessoa negra - Elísio Lopes Jr.), é um tanto inadmissível criar uma narrativa ambientada em um país que sequer existe.

“Ah, mas estamos falando de ficção”, pode ser seu argumento diante da minha crítica. No entanto, caro leitor, é possível propor histórias a partir de semelhanças com a realidade.

Se era para propor algo imaginativo, por que não pensar na possível existência de uma República dos Palmares?

A perspectiva da Outridade

No início de “Memórias da Plantação”, Grada Kilomba traz um glossário de palavras diversas, explicando seus significados e como são atravessados por questões de raça. Uma delas é "outridade".

Para a pesquisadora, o conceito acima é a “personificação de aspectos repressores do ‘eu’ do sujeito branco. Basicamente, para a branquitude, pessoas negras são tudo o que elas não querem ser.

A acadêmica portuguesa explica que “a negritude serve como forma primária de outridade, pela qual a branquitude é construída”. Em outras palavras, as pessoas negras são vistas como “outros(as)” pela branquitude, o que é diferente daquilo que foi definido como padrão.

Por isso, quando uma emissora como a Globo decide fazer uma novela com protagonismo negro e, ainda assim, existe uma decisão por parte de algum dos roteiristas de ambientá-la em um país fictício no continente africano, temos um episódio de outridade.

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É um movimento que acaba reforçando o estereótipo de que a África é uma só nação e não é formada por outros 54 países (reconhecidos pela Organização das Nações Unidas; 55 nações reconhecidas pela União Africana).

Além disso, exclui outras possibilidades a serem trabalhadas a partir da herança africana presente na nossa população. Se não há recursos para uma viagem até um país africano ou uma mimetização por meio de cenário, que tal reimaginar quilombos ou falar sobre a realidade atual desse tipo de comunidade?

Entendo que para o roteirista Elísio Lopes Jr. não deve ser fácil ter algum poder de decisão e felicito sua participação no roteiro. Contudo, certas questões não podem ser passadas como se não gerassem atravessamentos.

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