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Covid-19 como sindemia: entenda o que essa perspectiva muda na forma de enfrentar a doença

Conceito aponta estratégias de intervenção social como caminho para o combate mais eficaz à crise do coronavírus

Olhar a interação da Covid-19 com outras doenças não transmissíveis dentro de um contexto social desigual e complexo está no centro do conceito de sindemia. Para pesquisadores, é essa proposta que pode abrir caminhos para estratégias mais eficazes no combate à pandemia.

O termo sindemia combina as palavras sinergia e pandemia e foi inaugurado pelo antropólogo médico americano Merrill Singer na década de 1990 para explicar uma situação em que “duas ou mais doenças interagem de tal forma que causam danos maiores do que a mera soma dessas duas doenças”.

“O impacto dessa interação também é facilitado pelas condições sociais e ambientais que, de alguma forma, aproximam essas duas doenças ou tornam a população mais vulnerável ao seu impacto”, explica Singer em entrevista à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC).

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Aplicando o conceito ao caso da Covid-19, conforme acrescenta Singer, "vemos como ela interage com uma variedade de condições pré-existentes (diabetes, câncer, problemas cardíacos e muitos outros fatores) e vemos uma taxa desproporcional de resultados adversos em comunidades desfavorecidas, de baixa renda e de minorias étnicas."

De acordo com a BBC, o conceito surgiu quando o cientista e seus colegas estavam pesquisando o uso de drogas em comunidades de baixa renda nos Estados Unidos, há mais de duas décadas.

Eles descobriram que muitos usuários de drogas injetáveis sofriam de uma série de outras doenças, tais como tuberculose, doenças sexualmente transmissíveis, entre outras. Assim, os pesquisadores começaram a se perguntar como as enfermidades coexistiam no corpo e acabaram concluindo que, em alguns casos, a combinação amplificou o dano.

Doenças como diabetes ou obesidades, consideradas fatores de risco para a Covid-19, são mais comuns em indivíduos de baixa renda, segundo alerta a pesquisadora Tiff-Annie Kenny, da Universidade Laval, no Canadá, também em entrevista à BBC News Mundo.

Ela trabalha no Ártico com populações afetadas por insegurança alimentar, mudanças climáticas e condições de moradia que dificultam o cumprimento das recomendações sanitárias, como lavar as mãos ou manter distância social.

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Efeitos maléficos multiplicados

Para o médico infectologista Guilherme Henn, presidente da Sociedade Cearense de Infectologia (SCI), o mundo enfrenta agora "duas pandemias": a de Covid-19 e a de doenças não-infecciosas, como diabetes, hipertensão e outras.

"A compreensão que a sindemia traz é de que existem outras doenças, normalmente não transmissíveis, que podem ter seu efeito naturalmente maléfico multiplicado quando temos uma doença como a Covid-19 em andamento", completa.

O especialista chama a atenção para o fato de ações necessárias para o controle da pandemia, como o distanciamento social, terem dificultado acompanhamentos médicos de outras doenças pré-existentes.

"Estamos falando de duas pandemias que se amplificam e olhar por esse prisma pode ser interessante para traçar estratégias diferentes das que vinham sendo adotadas", aponta. Ele cita a telemedicina como uma das medidas que têm sido adotadas para minimizar os impactos da pandemia no acompanhamento de outras enfermidades.

Mudanças de estratégias

Em um editorial publicado pela revista científica The Lancet, o editor-chefe Richard Horton ressalta como o contexto social que a Covid-19 encontra exacerba o impacto de doenças já existentes.

Horton é taxativo: "Não importa quão eficaz seja um tratamento ou quão protetora seja uma vacina, a busca por uma solução puramente biomédica contra a Covid-19 vai falhar".

E conclui convocando lideranças públicas mundiais a adotarem planos de intervenção social. "A menos que os governos elaborem políticas e programas para reverter profundas disparidades sociais, nossas sociedades nunca estarão verdadeiramente protegidas da Covid-19".


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