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Pessoas em condição de miséria se juntam a moradores de rua em busca de alimentos

Famílias em dificuldades financeiras estão se juntando a moradores de rua para obter doações de mantimentos. Abrigos e pousadas sociais seguem com a capacidade de lotação abaixo do esperado

Apesar da maior parte de equipamentos como abrigos, centros de convivência e restaurantes sociais estar em funcionamento de domingo a domingo e do poder público ter aberto novas vagas em instalações provisórias, é possível observar um aumento na concentração de pessoas em praças e logradouros de Fortaleza, principalmente durante a distribuição de donativos.

De acordo com a socióloga e professora universitária Lídia Valesca Pimentel, uma das explicações para as longas filas que se formam a cada distribuição de alimentos ou kits de higiene em pontos já conhecidos da capital cearense, como a Praça do Ferreira, é a de que as aglomerações não são formadas apenas por moradores de rua daquela região. Homens e mulheres que possuem moradia teriam, cada vez mais, recorrido às doações para poder garantir o mínimo da sobrevivência para suas famílias.

“Uma parte dessas pessoas que estão afluindo para o Centro moram em bairros próximos e dependiam do funcionamento dele para retirar algum sustento. Sem essa fonte de renda, elas têm se visto em situação de miséria e recorrem ao mesmo local para obter auxílio”, afirma a socióloga.

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A promotora de Justiça Giovana de Melo, titular da 9ª Promotoria de Justiça Ministério Público do Estado do Ceará, concorda: “com a imposição do isolamento social, muitas pessoas tiveram a renda comprometida. A impressão que se tem é que as filas estão maiores, e de fato, é isso que está acontecendo. Mas quem está lá pedindo auxílio não é mesmo somente a população de rua”, diz.

Enquanto isso, os abrigos estão com lotação inferior à capacidade. Em algum momento da pandemia, a ocupação chegou a apenas 40%, de acordo com informações obtidas pela reportagem, e seguem com vagas sobrando, ainda que o fluxo de ingressos e egressos seja contínuo e permita variações nesse percentual.

“As pessoas que vivem nas ruas geralmente são andarilhas, passam os dias em deslocamento, e esse hábito passou a fazer parte da sociabilidade delas. Como dizer para elas que agora devem ficar paradas em um canto? Muitas voltam para as ruas porque se sentem trancafiadas nos equipamentos”, explica a socióloga Lídia Pimentel.

“Uma das soluções para o problema seria investir em educação para saúde, ou seja, ensinar como esse público pode se proteger e convencê-los da necessidade do isolamento social”, completa. “Muitas simplesmente não têm ideia da gravidade da situação que estamos vivendo”, acrescenta.

Em março, o Ministério Público do Ceará recomendou às secretarias municipais de Saúde (SMS), Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS), Desenvolvimento Habitacional (Habitafor) e Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) a elaboração de um plano de contingência esclarecendo as responsabilidades estabelecidas para atender a emergência e conter o alastramento do vírus.

“O que nos foi dado como resposta foi a apresentação dos equipamentos que já existem e a criação de mais 150 vagas, sendo 100 na pousada social e 50 no Centro-Dia de Referência para Pessoas Idosas. Além dos 144 aluguéis sociais (no valor de R$ 420) já cedidos, seriam disponibilizados outros 144”, enumera a promotora Giovana de Melo.

“Para muitas pessoas, está sendo difícil permanecer em casa, apesar de todo o conforto e a presença dos entes queridos. Agora imagine para quem tem o hábito de estar em constante movimentação pela cidade. A população de rua é um público bastante heterogêneo e precisa ser conscientizado com urgência sobre a necessidade do isolamento e da importância desses abrigos”, destaca.

O POVO fez contato com a assessoria da Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS) mas não obteve informações até o fechamento desta matéria.

Moradores de rua são os mais vulneráveis

Segundo o último censo sobre a população de rua, feito em 2014, haveria 1.718 pessoas vivendo nas ruas, sendo entre 12% e 15% formada por idosos, um dos grupos de risco da Covid-19. Além disso, muitas são portadoras de doenças graves como pneumonia, tuberculose, HIV e sífilis.

“São pessoas que normalmente não tomam banho, não escovam os dentes e não dormem adequadamente, ou seja, possuem saúdes frágeis, porque não tem bons hábitos. Como se não bastasse tudo isso, ainda há o uso crônico de drogas lícitas e ilícitas, as quais agravam ainda mais a vulnerabilidade de muitas delas”, afirma a advogada Elizabete Oliveira, coordenadora do Projeto OAB Solidária, realizado em parceria com a Obra Lúmen de Evangelização. A campanha busca arrecadar alimentos e outros donativos para pessoas em situação de rua.

Virginia Porto, presidente da comissão Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Estado do Ceará (OAB-CE), ressalta a importância de haver ações de redução de danos para a população que se enquadra nesse perfil. “As orientações sobre a pandemia precisam chegar até eles de forma adaptada às distintas realidades. Para quem está em drogadicção, por exemplo, é preciso alertar para o perigo de compartilhar utensílios como cachimbos e garrafas”, pontua.

Para a advogada, um censo sobre a população de rua e uma política de redução de danos seriam essenciais nesse momento de crise. “Infelizmente, não os temos. Todos nós fomos pegos de surpresa pela pandemia, inclusive o poder público”.

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