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Para Violeta, com amor

Jornalista caririense narra encontro de Violeta Arraes com Bia Lessa, que estreia em Fortaleza a adaptação de Grande Sertão: Veredas
13:01 | Ago. 10, 2018
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A primeira vez que Bia Lessa esteve no Theatro José de Alencar foi em 1991. O espaço havia acabado de passar por uma reforma cara à gestão de Violeta Arraes na Secretaria de Cultura do Estado: além de ter de justificar o enorme gasto com a revitalização do teatro em ruínas, ela precisou enfrentar os que diziam ser desnecessária a obra. Violeta gostava de tudo do bom e do melhor – e não fazia questão de esconder. Mandou trazer o melhor restaurador e contratar o melhor mestre de obras, como o TJA merecia. Mais do que uma reforma, foi uma briga que Violeta comprou. Depois de reinaugurado (em grande estilo, com apresentações de artistas da cultura popular e até um coral dos pedreiros que trabalharam na reforma, tudo ideia dela), o primeiro espetáculo a entrar em cartaz no Theatro José de Alencar foi Orlando, adaptado por Bia Lessa.

A diretora, que já mandou derrubar palcos e arrancar cadeiras de teatros, sujou todo o recém-reformado TJA. “O espetáculo tinha fogo, água, terra, folhas que caíam do teto. E, quando acabou o meu ensaio, os funcionários do teatro vieram pra mim, muito apavorados: ‘Dona Violeta não vai gostar nada disso’, ‘ih, quero só ver o que Dona Violeta vai dizer quando vir o que você fez no palco dela!’”, Bia contou. “Eu fiquei assustada. Quinze minutos depois, eu tava no palco e entra uma senhora elegantérrima. Com a voz dela, que era sempre suave, nunca era uma voz alta, ela falou: ‘Eu quero saber quem aqui que é Bia Lessa’. Eu falei: ‘Sou eu’. Ela chegou até a mim, botou a mão no peito e falou: ‘Minha filha, muito obrigada por ter abençoado o meu palco’. A partir daí viramos amigas pro resto da vida. Ela foi uma pessoa importantíssima na minha vida”.

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Violeta Arraes Gervaiseau é caririense de Araripe, mas foi no Crato que ela viveu sua infância. Na juventude, aprendeu com Dom Hélder Câmara o que é ter consciência política. Ao lado do irmão, em seus mandatos como prefeito de Recife e governador de Pernambuco, lutou contra desigualdades e injustiças através da cultura e da educação. Quando Miguel Arraes foi preso pela ditadura militar, ela foi expulsa do Brasil e exilada na França. De lá, Violeta dava casa e colo a quem precisava. Pelo seu apartamento em Paris passaram Caetano Veloso, Jorge Mautner, Zé Celso Martinez, Fernando Henrique Cardoso, Sebastião Salgado, e por aí vai.

Tasso Jereissati, que também se balançou na rede parisiense de Violeta, convidou a amiga para assumir a Secretaria de Cultura durante o seu primeiro governo, em 1989. Na cadeira até 1991, ela abriu espaço para mestres da cultura e artistas populares, trouxe de volta o Cine Ceará, atraiu diretores do Cinema Novo para dialogarem com os cineastas daqui – e filmarem no Ceará –, e trouxe o Theatre Du Soleil para dar cursos e se apresentar pela primeira vez no Brasil, em Fortaleza. A cereja do bolo foi a reforma do Theatro José de Alencar.

Depois de 10 anos afastada do teatro, Bia Lessa traz ao palco Grande Sertão: Veredas, adaptação que ela fez em homenagem a Violeta Arraes. Um dia antes da estreia da peça, no Sesc Consolação (SP), em setembro passado, ela recebeu a caixa de folhetos com o programa do espetáculo. Lá deveria vir o título da peça, o nome da diretora e, logo abaixo, “dedicado a Violeta Arraes”. Com os papeis em mãos, Bia viu um erro que só incomodava a ela: “O nome de Violeta não pode ser menor que o meu!”, ela gritou, “Eu não sou maior do que Violeta! Jamais!”. Ela imediatamente mandou fazer um carimbo com a frase e cuidou de pessoalmente corrigir o erro: “DEDICADO A VIOLETA ARRAES”, bem grande.

Quando fala na sua adaptação da obra de João Guimarães Rosa para o teatro, Bia Lessa costuma repetir que é importante reler Grande Sertão: Veredas hoje. Não à toa, é também importante relembrar a existência de Violeta Arraes hoje. Conhecer a história de uma mulher que lutou contra opressões é importantíssimo neste momento. Assistindo ao espetáculo no Rio de Janeiro, no começo deste ano, eu me perguntava: O que Violeta diria desta coisa tão linda que Bia fez para ela? Ainda me pergunto isso, agora que Grande Sertão: Veredas chega a Fortaleza, para fazer travessia no teatro que ela pôs de pé outra vez. Às vésperas de retornar ao Theatro José de Alencar, Bia Lessa me disse: “Pisar nesse palco é tremer. É poder, de alguma forma, encontrar com ela de novo”.

 

Pedro Philippe

Especial para O POVO

Pedro Philippe é jornalista e escritor caririense, está produzindo um documentário sobre Violeta Arraes

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