Ceará tem seu 1º terreiro de Candomblé em processo de tombamento
Terreiro de Candomblé mais antigo do Ceará tem seu valor histórico, cultural e arquitetônico reconhecido pelo município
Criado em 1975, o Ilè Ibá Àsé Kpósú Aziri é o terreiro de Candomblé mais antigo de Fortaleza e tornou-se o primeiro do segmento a entrar em processo de tombamento no Ceará. “Tombar esse terreiro traz a importância de reconhecer que em nosso Estado essa religiosidade existe e resiste ao tempo”, declara Shell Santos, o Pai Shell, líder do espaço.
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Iniciado na religião em 1978, o babalorixá Shell ty Obaluaye herdou do seu pai, Del de Osun - um dos fundadores do terreiro - o sacerdócio em 2001, após seu falecimento. De lá para cá, vem assumindo a posição central de líder religioso na casa localizada no bairro Parque Dois Irmãos, na periferia de Fortaleza.
Para Pai Shell, o espaço carrega importância histórica por manter vivo o legado das religiões de matriz africana na capital cearense. Reconhecendo a representação do Ilè Ibá Àsé Kpósú Aziri para a cultura afro-brasileira, a Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) notificou seu tombamento provisório por meio da Coordenadoria do Patrimônio Histórico e Cultural (CPHC) na quarta-feira, 10 de dezembro.
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Segundo Gérsica Vasconcelos, gestora da Célula de Gestão do Patrimônio Material, “um dos principais critérios para o tombamento de um bem é a importância desse artefato para a formação histórica e cultural de um lugar”. No documento de avaliação do núcleo, constam valores também relacionados à arquitetura do terreiro.
Identificada como popular e adaptada às funções rituais e comunitárias, o documento caracteriza o ambiente em salão central - com altar e disposição circular dos assentos -, quartos devocionais e áreas de convívio. A avaliação considerou que o primeiro espaço “traduz a centralidade do axé e da coletividade nos ritos do candomblé”.
Espaço de preservação e saberes
No aspecto histórico, o documento ressalta o terreiro como “espaço de preservação, transmissão e recriação de saberes rituais, musicais e linguísticos provenientes de Ketu (Nagô), Jeje e Bantu”, as três nações do Candomblé no Brasil. Cada uma representa uma língua e tradição cultural diferentes.
“O ilè (do iorubá “casa” ou “morada”) vai além dos passos litúrgicos, pois acolhe pessoas que na maioria dos casos são vítimas de uma sociedade racista, homofóbica, preconceituosa, que causa danos gravíssimos simplesmente por pensar, viver e amar o diferente das pregações cristãs”, defende Pai Shell, reconhecendo a casa como um espaço de acolhimento no bairro periférico de Fortaleza.
“Em nossa análise, pudemos observar a importância do lugar para a formação de outras casas de candomblé, bem como reconhecer a inserção do Ilé Ibà como espaço para palestras e eventos das tradições afro-brasileiras, aberto também a pessoas não pertencentes ao candomblé e em diálogo com a comunidade do entorno”, atesta Gérsica Vasconcelos, também doutora em Arquitetura e Urbanismo.
Existente há 50 anos, o terreiro é o primeiro a entrar em processo de tombamento no Ceará. No âmbito municipal, a Capela de Santa Teresinha foi tombada pelo município em 1986.
Já primeira igreja católica de Fortaleza a ser reconhecida como patrimônio pelo município teve seu decreto de tombamento consolidado em 2006. Trata-se da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, também tombada pelo Estado em 1983. “Estamos, ainda que tardiamente, ampliando o olhar para outros espaços sagrados”, afirma a gestora da Célula de Gestão do Patrimônio Material.
“Temos diversas igrejas católicas e obras de arte sacra devidamente tombadas, assim como festividades registradas, mas o mesmo reconhecimento não era dado a outras manifestações religiosas igualmente importantes”, conclui Gérsica.
Nessa perspectiva, Shell Santos destaca a dificuldade de preservar a memória da religiosidade diante do "racismo religioso" e da predominância do cristianismo no Brasil.
“Movimentos religiosos, sociais e culturais são disponibilizados dentro desse terreiro há décadas. O reconhecimento público, do Estado, é uma importante garantia de que essa casa existe, resiste e existirá por todas as gerações futuras”, diz Pai Shell. Para o babalorixá, o tombamento do Ilè Ibá Àsé Kpósú Aziri pode impulsionar outros terreiros a se articularem para solicitar o reconhecimento da preservação das memórias ancestrais.
Como funciona o processo de tombamento?
Para o tombamento definitivo, Gérsica Vasconcelos explica que o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural (Comphic) irá avaliar a instrução de tombamento elaborada pela CPHC e, em seguida, a Secultfor encaminhará o processo de tombamento à Procuradoria Geral do Município (PGM). Não havendo impedimentos administrativos, o processo será conduzido ao prefeito de Fortaleza, Evandro Leitão, responsável por assinar o decreto.