Coluna Vanessa Passos: Estilo - um obstáculo a ser ultrapassado

Esses dias, estive relendo Clarice Lispector e me deparei com uma reflexão interessante também sobre o assunto. Clarice não queria se preocupar com estilo. Clarice sequer queria ter um estilo

Quando conheci Luiz Antonio de Assis Brasil, em 2019, tivemos uma conversa curiosa sobre estilo literário. Na época, ele me disse que estilo era uma bobagem, que escritor não devia se preocupar com isso. Eu dei um sorrisinho sem graça, porque tinha passado metade da minha trajetória literária me preocupando justamente com isso.

Eu cresci ouvindo falar no estilo de escrita de Saramago, de Machado de Assis, de Lygia Fangundes Telles. E quando comecei a levar a sério a escrita, a primeira coisa que eu pensei foi: quero ter o meu próprio estilo, pessoal, inconfundível.

Mas o que descobri muitos anos depois foi que, mais do que se preocupar em ter um estilo de escrita, é preciso se preocupar em escrever. E escrever com frequência. E não só escrever para publicar, mas escrever para experimentar, para testar.

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Esses dias, estive relendo Clarice Lispector e me deparei com uma reflexão interessante também sobre o assunto. Clarice não queria se preocupar com estilo. Clarice sequer queria ter um estilo. Em uma de suas crônicas, ela escreveu:

"Como uma forma de depuração, eu sempre quis um dia escrever sem nem mesmo o meu estilo natural. Estilo, até próprio, é um obstáculo a ser ultrapassado. Eu não queria meu modo de dizer. Queria apenas dizer. Deus meu, eu mal queria dizer."

Fiquei um tempo parada neste parágrafo, refletindo, pensando no que Clarice quis dizer. Depois continuei, foi quando finalmente entendi:

"E o que eu escrevesse seria o destino humano na sua pungência mortal. A pungência de ser esplendor, miséria e morte. A humilhação e a podridão perdoadas porque fazem parte da carne do homem e de seu modo errado na terra. O que eu escrevesse ia ser o prazer dentro da miséria. É a minha dívida de alegria a um mundo que não me é fácil".

Para Clarice Lispector, o estilo de escrita não deveria ser um construto linguístico forjado por um ou outro escritor para mostrar sua genialidade. Ela queria apenas dizer, evidenciando toda a humanidade, toda a miséria humana por meio das palavras da maneira mais pura e genuína. E finalmente, eu me dei conta de que o estilo existe, mas vem com o tempo, com o exercício, com o trabalho, quando o escritor já não está mais preocupado com ele.

Leia Também | Confira a coluna anterior de Vanessa Passos: Escrever mesmo quando não estou escrevendo

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