Augusto Pontes: a irreverência e inquietude da cultura cearense

História do comunicador é contada por meio de textos de amigos e familiares no livro "Augusto Pontes, O Amigo Genial"

10:00 | Mai. 14, 2022

Publicitário e compositor Augusto Pontes atuou na cultura, educação e política (foto: Arquivo O POVO)

Com “o corpo, a embalagem e todo o resto", o publicitário, compositor e professor universitário Augusto Pontes foi presença singular na cena cultural do Ceará. Nascido em Fortaleza, filho de um ferroviário e de uma costureira, o homem era figura carimbada da boemia e, até o falecimento em 15 de maio de 2009, deixou como marco muitas contribuições artísticas e intelectuais ao País. 

Não por coincidência, algumas das frases mais conhecidas de compositores locais são de sua autoria. O famoso "sou apenas um rapaz latino-americano" cantado por Belchior, por exemplo, é de Augusto, assim como versos de “Mucuripe”, famosos nas vozes de Elis Regina e Roberto Carlos ("Vida, vento, vela, leva-me daqui"), e da canção “Carneiro”, consagrada na voz de Ednardo: “Amanhã se der o carneiro/ Vou-me embora daqui pro Rio de Janeiro”.

Seja em bares de Fortaleza como o Anísio e o Baião Vermelho, seja em salas de aula e rodas de conversa, Augusto se tornou um ícone urbano fortalezense. "Ele não estava para dar resposta, ele queria causar a inquietação", relata o arquiteto, compositor e pianista Ricardo Bezerra, responsável por organizar a coletânea "Augusto Pontes, O Amigo Genial".

O título, apesar de não ter uma origem exata, se aplica na vivência do publicitário. "Ele realmente era uma pessoa diferente, ninguém nega. Às vezes as pessoas tinham suas reservas, mas você vê que mesmo alguém que tinha alguma questão com ele demonstrava respeito. Ele tinha essas qualidades de amizade muito marcantes", acrescenta.  A ideia da obra sempre esteve presente, afirma Ricardo, mas só foi concretizada em 2021 a partir da parceria com a Secretaria de Cultura do Ceará (Secult), por meio do Instituto Dragão do Mar. 

Como consequência do lançamento de "Augusto Pontes, O Amigo Genial", que acontece hoje, 14, às 17 horas, Bezerra espera que o trabalho se transforme em uma maneira de prolongar o legado do amigo: "Se nós esperássemos mais cinco, dez anos, nós não teríamos como fazer o levantamento e resgate dessa história que é tão importante para o Ceará. Nós temos depoimentos em primeira pessoa: ‘Eu vi’, ‘eu conheci’, ‘eu estava’ (com Augusto)’. A gente sabe que nós temos essa tendência: ‘Quem conta um conto, aumenta um ponto’. A história dele daqui há 20 anos poderia ser bem distinta do que conseguimos captar para esse livro”.

Mas, afinal, o que está presente nos textos? O compilado reúne 64 escritos que abordam as diversas particularidades da figura de Augusto Pontes. Entre os autores, estão nomes como Fausto Nilo, Fagner, Ednardo, Téti, Rodger Rogério, Ricardo Guilherme, Cid Gomes e outros.

O agitador cultural

Em uma das publicações de “O Amigo Genial”, o arquiteto e letrista Fausto Nilo relembra uma conversa que teve com Augusto pouco antes dele morrer. Quando indagou por onde o companheiro andava, recebeu a resposta: “Eu continuo na rua”. Boêmio nato, Augusto gostava de estar em cena na vida noturna. Segundo Ricardo, o personagem principal da vida do compositor é a Praça do Ferreira, localizada no Centro da capital cearense.

“A Praça do Ferreira das décadas de 1960, 1970, foi muito importante para a vida cultural da Cidade. É onde nasceu a arte de Augusto”, destaca. Ele relembra, inclusive, a dinâmica do publicitário. Nesses tempos, cada banco da praça tinha a sua “turma”: os torcedores de futebol, os literatos, os comunistas. Pontes transitava facilmente de roda em roda, avaliando a conversa. Caso estivesse meio desanimada, logo tratava de aflorar as discussões com uma de suas tiradas. Quando conseguia, ia para o próximo grupo, a fim de movimentar o ambiente.

“Ele tinha uma inteligência privilegiadíssima e essa inteligência não se traduz só em conhecimento. Ela se traduzia muito em comportamento. A ação dele era fiel ao pensamento”, acrescenta Ricardo. Para construir seu repertório, Augusto percorreu uma longa trajetória. Criado em uma família com quatro irmãos, desde cedo era considerado estudioso e aplicado. Durante o início da adolescência, inclusive, chegou a estudar em seminário.

Concluiu o curso de Filosofia no ano de 1996, mas também fez curso técnico em Contabilidade e obteve graduação em Comunicação pela Universidade de Brasília (UNB). Além disso, trabalhou em uma empresa de automóveis e como vendedor de redes de dormir. Não suficiente, também era ávido participante dos programas de auditório e logo conseguiu um espaço nos meios de comunicação locais.

É do Pessoal do Ceará!

Desta forma, foi atraindo colegas e admiradores. Era responsável por reunir os grupos de artistas e intelectuais da Capital, principalmente em espaços universitários. Sendo, em média, 10 anos mais velho do que a maioria dos amigos, costumava dosar quem sentava à mesa, afinal, como ele mesmo dizia: “Quando a mesa cresce, a cultura desaparece”.

Augusto organizou encontros entre nomes da música e literatura cearense, como Fagner, Téti, Rodger Rogério, Fausto Nilo, Belchior, Ednardo e Amelinha. Ou, simplesmente, o Pessoal do Ceará, como ficaram reconhecidos. Em meio às repressões da ditadura militar, o grupo de cearenses surgia na indústria fonográfica na esteira de movimentos como a Tropicália. Em entrevista à TV O POVO no ano de 2016, Rodger mencionou que Augusto foi o principal incentivador da turma: "Ele deu uma verdadeira doutrinação, de que nós sabíamos fazer música".

Considerado por muitos como "mestre" ou "guru" de uma geração, ele contribuiu com a criação de composições e a produção de eventos como o Massafeira Livre. No programa "Vivências", de 2009, Augusto falou que o Pessoal do Ceará "buscava compreender a juventude, não apenas por uma devoção, mas porque sentíamos que a juventude precisava e queria participar da discussão".

Arte, educação e política

Em meio aos numerosos feitos de Augusto, é válido destacar sua atuação como professor universitário em Brasília, assim como a participação em coletivos como o Grupo Universitário de Teatro e Arte (Gruta) e a gestão como secretário da Cultura do Estado entre 1991 e 1992, na gestão de Ciro Gomes como governador.

“Ele era de uma cultura tão grande, ideias, planos, projetos, que as pessoas queriam que ele escrevesse. Ele brincava dizendo assim: "Ah, estou entendendo. Vocês querem me botar na estante, né?", conta humorado o arquiteto Ricardo Bezerra. A vontade de escrever, entretanto, nunca existiu em Augusto: “Ele era da oralidade, tinha a entonação, as rimas. Ele em forma escrita sempre perde um pouco”.

Dar continuidade ao projeto “Augusto Pontes, O Amigo Genial” é, então, prolongar “uma memória que deve ser preservada” para aqueles que ainda não o conhecem. “Eu descobri que havia várias pessoas que também pensavam em fazer um livro sobre ele. Outro valor deste projeto é estender a história do Augusto por várias gerações", finaliza Ricardo. 

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Livro "Augusto Pontes, O Amigo Genial"

Quanto: R$ 50
Onde: Livro pode ser adquirido na loja "78 Rotações Discos e Áudio", no Cantinho do Frango (Rua Torres Câmara, 71)

Mais informações: (85) 98128-7878

O lucro será direcionado a projetos de acolhimento aos moradores de rua situados na Praça do Ferreira.

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