Leonilson: 65 anos de um marco da arte contemporânea brasileira

Referência da geração de 1980, em vida foi reconhecido nacional e mundialmente. Passadas quase três décadas da sua morte, sua contribuição para as artes plásticas continua presente para as novas gerações.

Dotadas de um caráter autobiográfico, imprimindo suas visões com humor e poesia, a obra de Leonilson registra sua subjetividade, como um diário cartográfico íntimo. Há 65 anos, no dia 1 de março de 1957, nasceu José Leonilson Bezerra Dias. Com trabalhos em mais de 200 exposições pelo mundo e 4 mil obras catalogadas, Leo ou Leó - como era chamado - deixou sua marca: um ser múltiplo e aberto.

“Se você quiser uma descrição de mim, eu acho que eu sou um curioso. E sou ambíguo, completamente. Os trabalhos são todos ambíguos. Eles não entregam uma verdade diretamente, mas mostram uma visão aberta. Eu nunca me conformei com um lado único das coisas. Sabe esses andarilhos vagabundos na estrada? Que correm o mundo? Sou mais um curioso que artista”, declarou, em 1992, para o livro “Leonilson: são tantas as verdades”, escrito por Lisette Lagnado.

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Leó tinha uma característica anti-mercado, presenteava ou trocava seus quadros com amigos e colegas. Mesmo abominando o mundo das galerias de arte, seu trabalho integrou 267 exposições pelo mundo, 65% das mostras foram póstumas, o levantamento é da Central de Jornalismo de Dados do O POVO - DATADOC, com base em dados do Itaú Cultural.

As obras estão presentes no acervo de museus nacionais e internacionais, tais como: Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP), Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ), Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), Museu de Arte do Condado de Los Angeles (Lacma), Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), Galeria Municipal da Lenbachhaus em Munique (Alemanha) e Tate Modern de Londres (Inglaterra).

Estima-se que ele tenha participado de 72 exposições coletivas, a primeira aconteceu em 1980, onde expôs "Desenho jovem", no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC - USP). No mesmo ano, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) , esteve no Panorama da arte atual brasileira/Desenho e gravura. Um ano depois, em 1981, em Madri, realizou uma exposição individual na Galeria Casa Brasil.

Do bordado a gravura da Revolução Francesa

Experimentação de materiais e técnicas e expressividade são marcas do trabalho de Leonilson. As constantes viagens pelo Brasil e exterior eram fontes de pesquisa, inspiração e diálogo, além de exposições. Em 1989, o Ministério da Cultura da França o convidou para produzir a gravura comemorativa dos 200 anos da Revolução Francesa.

Leo teve diversas influências, ao conhecer o artista plástico paraibano Antônio Dias, que o apresentou a cena da arte contemporânea, teve a visualidade da obra influenciada. A amizade perdurou por toda vida, sempre visitando-se ao longo dos anos.

Durante a curta carreira, sua obra transitou nas formas de pintura, desenho, bordado, escultura e instalação. Destaca-se a inserção de palavras na elaboração de linguagem própria, a partir da obra "O Pescador de Palavras", em 1986. Críticos de arte e artistas ressaltam algumas de suas produções: "Favourite game; Se você sonha com nuvens"; "Ponte" (1982); "Sua Montanha Interior Protetora" (1989); "Oceano, Aceita-Me?" (1991); "O Perigoso" (1992).

Vítima das complicações decorrentes da aids, o artista faleceu aos 36 anos deixando prolífica produção. As obras de Leonilson foram digitalizadas pelo Itaú Cultural e fornecidas ao Projeto Leonilson, entidade sem fins lucrativos criada por amigos e parentes para identificar, preservar e divulgar sua obra.

Ninguém pode cuidar dos meus cortes

Em agosto de 1991, foi detectado com o vírus HIV, da descoberta a manifestação da doença foi um baque e influiu decisivamente na intensa produção artística. Na época, ter aids era uma sentença de morte anunciada, os tratamentos médicos não mostravam eficiência e qualidade de vida. Em depoimento a série "O Perigoso", expôs a fragilidade de sua condição:

Eu sou uma pessoa perigosa no mundo. Ninguém pode me beijar. Eu não posso transar. Se eu me corto, ninguém pode cuidar dos meus cortes, eu tenho que ir numa clínica. Tem gente perigosa porque tem uma arma na mão. Eu tenho uma coisa dentro de mim que me torna perigoso. Não preciso de arma”.

Devido à doença e ao forte cheiro da tinta - que lhe causavam constantes dores de cabeça e tonturas - ele passou a trabalhar unicamente com bordados, os dois últimos anos de vida foram de intensa produção, cerca de quatro mil obras foram identificadas em sua casa.

O último trabalho, em 1993, foi uma instalação concebida para a Capela Morumbi (SP), e fazia referência à fragilidade da vida. Por esse trabalho e outro realizado no mesmo ano, ele recebeu homenagem póstuma e prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA).

Do Ceará para o mundo

Nascido José Leonilson Bezerra Dias, em 1 de março de 1957, em Fortaleza. Mas chamado por amigos e família de Leo ou Leó, era o quarto filho de uma prole de cinco. Os pais – Theodorino Torquato Dias e Carmem Bezerra Dias - eram originários de Manaus, e vieram à capital cearense procurando melhores condições de educação à família. Depois de três anos em terras cearenses migram para Porto Velho (Rondônia) e um ano depois se fixaram em São Paulo, em 1961.

Em matéria publicada no O POVO, em 2009, a irmã Ana Lenice de Fátima Dias Fonseca da Silva, traçou um breve perfil da criança Leonilson: “para ficar quieta a mãe colocava nas mãos lápis e papel”. Já na companhia do pai, comerciante de tecidos, regressava das caminhadas às lojas presenteado com retalhos. Com a mãe costureira e as irmãs, aprendeu a bordar. Mesmo não gostando de gibi, adorava a enciclopédia Barsa e os atlas.

Das brincadeiras ao aprendizado formal da arte, o caminho começou a delinear-se ao fazer cursos livres na Escola Panamericana de Arte e ingressar, em 1977, no curso de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP).

Sempre que podia, nas férias, Leonilson aportava no Ceará, na casa do casal Bete Dias e Ricardo Bezerra, na Maraponga. A estada na terra natal permitia passeios pelas praias, Canoa Quebrada, Majorlândia, Paracuru, Jericoacoara.

Foi convidado pela Prefeitura de Fortaleza, em 1984, a participar do projeto Arte Urbana, com a criação em linguagem de tessela da obra Torre na Praia, instalada na Praia de Iracema. No ano anterior, participou da exposição coletiva, na abertura da Arte Galeria, com a curadoria de Dodora Guimarães. Em 1986, aceita convite de Sérvulo Esmeraldo e participa da I exposição internacional de esculturas efêmeras (CE).

Leó faleceu na casa dos pais, em 28 de maio de 1993, aos 36 anos.

Metodologia

Para a extração e visualização das obras e exposições do Leonilson, a central DATADOC utilizou dados disponibilizados pela Enciclopédia Itaú Cultural. Como forma garantir a integridade e confiabilidade deste material, disponibilizamos aqui o conjunto de códigos desenvolvidos, os dados coletados na íntegra e os recortes agregados em cada visualização.

EXPEDIENTE:
Edição Datadoc: Thays Lavor
Texto: Sérgio Falcão (historiador)
Recurso digitais: Roberto Araújo e Michele Medeiros
Extração e Visualização de dados: Alexandre Cajazeira

Podcast Vida&Arte

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