Born This Way: Álbum "monstruoso" de Lady Gaga completa 10 anos

'Born This Way', terceiro álbum de estúdio da cantora pop norte-americana Lady Gaga, completa 10 anos de um legado tão curto quanto elétrico para o público LGBTQ

A carreira de Lady Gaga, nome artístico de Stefani Joanne Angelina Germanotta, tem percurso muito original, embora sua figura camaleônica seja uma mistura de muito do que veio antes: Madonna, David Bowie, Andy Warhol, Britney Spears e até mesmo Freddie Mercury. A singularidade de Gaga está, paradoxalmente, na fusão das "coisas que nunca foram colocadas juntas antes", como ela mesmo disse. Quando alçou ao sucesso na própria estreia, com 22 anos, foi imediatamente comparada com o estardalhaço que Madonna fez aos 24, quando surgiu nos anos 1980.

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Todo mundo ficou assustado quando a intérprete de "Bad Romance" subiu no palco do MTV Video Music Awards, em 2010, vestida em um traje feito 100% de carne crua. Romper de forma brutal (e até ofensiva) com as expectativas da moda foi a forma desconcertante que a artista encontrou para introduzir a próxima fase da sua carreira após os sucessos meteóricos de "The Fame" (2008) e "The Fame Monster" (2009). Ao cantar o refrão de 'Born This Way' pela primeira vez, nesse contexto imagético, deixou pistas de que sua nova era a afastaria ainda mais da "beleza cristalizada" comum na indústria pop norte-americana.

Na capa do single lançado meses depois, seis ossos saltam como chifres do seu rosto e dos ombros, implante estético que Gaga utilizaria nas aparições públicas para criar uma imagem sempre "monstruosa", uma revelação das suas ranhuras, da "feiura" até então escondida e, principalmente, para fundamentar o orgulho de "ser diferente".

O que há de mais curioso neste álbum é que apesar dele ser tratado como um ícone LGBTQIA absoluto dos anos 2010, suas canções não são pautadas exclusivamente por essa perspectiva. Quase como o ícone "I Will Survive" que, ao relatar a superação elétrica de um relacionamento na voz da Gloria Gaynor, acabou reverberando como um hino de libertação gay. No álbum de Lady Gaga, apenas três das 17 canções são explicitamente sobre essa afirmação: "Highway Unicorn (Road to Love)", que afirma não importar se "seus papéis e seu amor são a lei", "Americano", que narra a fuga de um casal lésbico pelas fronteiras do México e, obviamente a faixa-título, "Born This Way", que é mais explícita impossível: "Não importa se você é gay, hétero ou bi, lésbica, transgênero… Eu estou no caminho certo, eu nasci para sobreviver". O que faz "Born This Way" ser um álbum tão expressivo é a forma como o desejo de liberdade da sua autora reverbera de maneira natural em memórias de outras naturezas.

Dos seis álbuns solos de Lady Gaga lançados até aqui, esse é o único que não conta com nenhuma colaboração vocal. Se nos outros há Beyoncé, Florence Welch, Blackpink, Ariana Grande e até Elton John, este é apenas ela, Lady Gaga, em toda sua essência, identidade e conflito, uma história íntima e universal sobre como é uma delícia ter nascido dessa forma que cada um é.

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"Born This Way" é, sobretudo, uma glorificação da estranheza pessoal de Lady Gaga em composições que abarcam os obstáculos da sua trajetória na infância, na escola, na família, na indústria musical, no amor e na própria individualidade feminina que atravessa todas as experiências: "Eu poderia ser sua garota, mas você me amaria se eu dominasse o mundo?", pergunta em "Heavy Metal Lover". A criança revoltada de "Bad Kids" se transforma na "fêmea forte" de "Scheiße", no corpo-santuário de "Electric Chapel", na jovem cantora que desfila seu sucesso incontrolável em "Black Jesus Amen Fashion", e finalmente na artista determinada de "Marry The Night": "Não vou desistir da minha vida. Sou uma rainha guerreira que vive apaixonadamente esta noite".

Aos poucos, "Born This Way" vai construindo cada pedacinho dessa artista nova iorquina para chegar à conclusão tão singela quanto sincera de que tudo o que resta a ela ao "fim" da jornada conturbada é celebrar o orgulho - tanto das belezas quanto das ditas "feiuras" que a compuseram exatamente dessa forma.

O público LGBTQIA personalizou essa narrativa de superação que, em vários graus, parecia compartilhar dos sentimentos de qualquer jovem ao redor do mundo que, apesar de todas as revoluções sexuais projetadas do século passado, ainda seria alvo de preconceitos da família, da escola e até de si mesmo antes de impor a própria identidade sobre a submissão: "Eu sou bonita do meu jeito porque Deus não comete erros. Eu estou no caminho certo, eu nasci assim". Para afirmar esse manifesto irreversível, na canção "Hair" ela reza para que possa "morrer tão livre" quanto o seu cabelo. A mensagem ganha significado especial se lembrarmos que sua vasta coleção de penteados, brincos, saltos, roupas e maquiagem surgida tanto nos palcos quanto nas entrevistas ou numa simples saída de hotel, inspirou a cultura drag queen contemporânea de forma avassaladora.

Seja entre público e artista ou entre Stefani e Gaga, essa história revive traumas para propor um reencontro, uma conciliação, um "ponto final". Na penúltima música "You And I", ela reencontra uma parte de si mesma até então esquecida para que não se submeta ao mesmo medo outra vez. Do lado de cá, o espectador encerra a viagem com euforia, em estado caloroso de celebração, no merecido final feliz de "The Edge of Glory", o ponto final da superação.

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A existência de "Born This Way" parece atestar o que não era tão óbvio assim até este momento de sua carreira: a fantasia de Lady Gaga não existe sem os fãs que, ao reverenciá-la como a "mãe dos monstros", fizeram questão de encará-la com a mesma seriedade que ela resolveu abrir as feridas e contar sua história ao mundo.

Um toque de pop experimental
Com direção musical de Fernando Garibay e Lady Gaga, o álbum evoca o rotineiro electropop apenas como plano de fundo para dar espaço à fusão quase experimental de gêneros entre metal, disco, rock, techno e dance dentro da estrutura pop. Mistura feita de tal forma para encontrar uma sintonia inusitada: de badaladas de sinos sacros e ecos de um coro de ópera à afiada guitarra de Brian May e o delicioso saxofone do saudoso Clarence Clemons.

O manifesto da "Mãe Monstro"
No clipe de 'Born This Way', Lady Gaga narra um "manifesto" sobre o nascimento de uma nova espécie "sem preconceito e sem julgamento" que foi surpreendida pelo simultâneo "nascimento do mal". Para resolver esse conflito, a "mãe eterna" assume a missão de proteger a criação a partir de uma dança gerada enquanto ela se divide entre as duas forças. Essa fantasia relaciona o processo de autoaceitação com a criação de um exército contra a intolerância.

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