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Filme de Karim Aïnouz, Aeroporto Central estreia em streaming

Aeroporto Central, documentário do cearense Karim Aïnouz, retrata aeroporto desativado na Alemanha que passou a receber refugiados. Lançamento é amanhã, 23

Em 2004, o cearense Karim Aïnouz passou um tempo na Alemanha após ganhar uma bolsa artística. Na volta para Fortaleza, partiu para as conexões - e consequentemente para casa - a partir do Aeroporto de Tempelhof. O lugar de passagem virou foco de interesse de Karim anos depois no documentário Aeroporto Central, dirigido por ele e que ganha lançamento amanhã, 23, via streaming. Com quase 100 anos de história, o local teve diferentes usos ao longo da trajetória, indo de símbolo nazista nos anos 1930 a espaço de acolhimento para refugiados na Alemanha do século XXI. Remontando tal percurso, o cineasta costura reflexões sociais, políticas e íntimas a partir das histórias do jovem sírio Ibrahim, de 18 anos, e do fisioterapeuta iraquiano Qutaiba, de 35.

Aberto em 1923, o Aeroporto Tempelhof foi símbolo da ideologia da grandeza nazista defendida por Hitler, funcionou como abrigo de prisioneiros da Segunda Guerra e ainda como base militar dos EUA dos anos 1950 até os anos 1990, por exemplo. Com o tráfego aéreo desativado em 2008, virou alvo de especulação imobiliária, mas foi defendido pelos habitantes da cidade e tornou-se parque público em 2010, recebendo diversos eventos e atividades de lazer nos hangares e no aeródromo. "O filme iria mostrar como a população fez ser transformado um espaço que poderia ser privado em um espaço público", conta Karim em entrevista ao O POVO. No entanto, a intenção foi transformada em 2015, quando o acolhimento e apoio a refugiados foi adicionado às funções do local.

"O aeroporto é emblemático, é uma marca de um tempo aberrante da história alemã e que ficou ali, uma cicatriz aberta na cidade", define o cineasta. Com tantas possibilidades de narrativas, o desafio foi delinear os focos do filme. "Tenho um HD cheio de material com histórias que nem consegui contar. Ele foi um projeto que começou como retrato de um lugar e foi virando retrato de personagem", explica. "Era muito importante começá-lo deixando claro ao espectador que lá é um espaço com várias funções e que ele atravessa muitas décadas, regimes, sistemas", afirma Karim. Essa parte mais didática dá o tom do início do documentário, que abre inclusive com o registro de um passeio turístico guiado. "Era preciso contar a História, com H maiúsculo, e a topografia do local antes de falar dos personagens. Por isso, você tem no começo uma gramática visual que vai adentrando como um diário do personagem", considera.

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Por conta desse caráter pessoal, inclusive, Aeroporto Central prefere mostrar questões subjetivas e íntimas de Ibrahim - que assume o posto de protagonismo, inclusive narrando a obra em tom confessional e memorialístico - e Qutaiba, do que tratar, por exemplo, de forma frontal da xenofobia. "A mídia hegemônica alemã em 2015 estava documentando a chegada desses solicitantes de asilo como um vírus. Eram relatos coletivos, a partir do ponto de vista do europeu. Era importante sair do coletivo para o individual", revela, confessando a intenção de expandir o projeto e filmar os mesmos personagens ao longo do tempo. "Pensar que não é só a chegada, mas é a estadia nesse terreno. Como a gente negocia o viver juntos?", questiona.

A abertura dos dois ao projeto foi conquistada muito por conta de espelhamentos entre eles e Karim. "Me lembro que, quando a gente começou o filme, eles diziam 'mas você fala árabe?' e eu respondia que não. 'Ah, mas isso é impossível, você se chama Karim!'. Tinha uma identificação", divide. "Tenho descoberto, cada vez mais, como cada filme vem de algum lugar profundamente seu. Meu pai é da Argélia, mas não o conheci até os 18 anos, quando saí de Fortaleza e fui morar com ele na França. Cheguei lá nos anos 1980, com o nome que tenho, e era eternamente tratado como uma coisa que eu nem sabia que era", rememora o cineasta. "No começo do filme, eu tinha raiva. A mídia mostrando como se o imigrante quisesse pegar o seguro, o que é uma mentira do fascismo. À medida que o processo foi andando, o que me encantou é que me vi no Ibrahim, no Qutaiba, e eles tinham coisas que eu queria ter tido: serenidade de encarar o contexto, coragem de recomeçar. Virou um gesto político, de dizer que aquelas pessoas tinham direito de estar ali", finaliza.

 

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